
Antes mesmo do ano letivo de 2025 começar, é perceptível que as cidades do ABC continuam a falhar no atendimento das necessidades básicas de crianças que dependem de suporte especializado. Apesar do contingente de pelo menos 8,6 mil alunos na Educação Especial, a falta de investimentos em profissionais qualificados deixa muitas famílias desamparadas, o que evidencia e precariedade do sistema municipal de ensino na região.
A trajetória do pequeno Gianlucca Trevelin, de apenas 12 anos, portador de AME (Atrofia Muscular Espinhal), expõe a realidade de muitas famílias da região. Os pais, Renato e Cátia Trevellin, enfrentaram batalhas judiciais contra o Ministério da Saúde para custear o tratamento da doença rara, avaliado em R$ 2 milhões anuais. Agora, lutam há anos para garantir que o jovem receba educação adaptada às suas necessidades, o que deveria ser básico, mas que se tornou desafio.
Segundo a família, foram mais de 12 meses de luta até que Gianlucca pudesse frequentar aula presencial em uma escola estadual de Santo André. Após o marco, enfrentaram mais cinco anos de batalhas para manter a assistência adequada à criança na rede municipal. “Percebemos que a cada ano que passa, as professoras não têm continuidade. Uma dá aula para ele, mas no ano seguinte vem outra professora, que, embora trabalhe com inclusão, não tem qualificação e precisa reaprender tudo sobre as necessidades dele”, comenta Renato.
Na visão do pai de Gianlucca, em toda a rede de ensino — desde a municipal até a estadual — deveria haver um grupo específico para lidar com a inclusão, se antecipar ao fim das aulas para planejar o próximo ano letivo. “Não dá para esperar o início do ano letivo para tentar encontrar um professor para a criança”, argumenta. Na mesma linha, uma auxiliar de classe que atua na rede municipal de Santo André e que prefere não se identificar comenta: “em toda escola acontece a mesma coisa; ficamos um ano ou, no máximo, dois com a criança, e aí trocamos de turma”, diz.
Falta de qualificação
O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de São Bernardo (Sindserv SBC), Dinailton Cerqueira, comenta que a situação na cidade tem ficado cada vez mais delicada. Isso porque, na gestão anterior do ex-prefeito Orlando Morando, os profissionais denominados como “Auxiliares de Educação”, instalados nas escolas de ensino fundamental, foram trocados por “cuidadores”, que sequer possuem formação ou conhecimento para atuar na área de Educação Especial.
“De uns anos para cá, a situação piorou muito, porque os profissionais contratados para atuar na Educação Especial sequer sabem lidar com a formação específica do aluno com deficiência. Eles só dão conta das questões biológicas, como limpeza e acompanhamento ao banheiro”, afirma. Para piorar, Dinailton comenta que as contratações acontecem por empresas do terceiro setor, o que inviabiliza a fixação no serviço. “Isso prejudica todos em sala, inclusive o professor, que precisa voltar a atenção ao aluno que deixa de ser assistido por um profissional que entenda suas necessidades”, completa.
O Sindserv Santo André também tem atuado em defesa de uma inclusão para crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e com deficiência (PCD). Entre as principais reivindicações estão a abertura de novos concursos públicos para contratação de mais profissionais e a oferta de formações específicas para os servidores.
Em audiência pública sobre o Orçamento 2025, o sindicato cobrou da Secretaria de Finanças de Santo André mais recursos para valorização dos servidores e para concursos públicos em todas as áreas, mas segundo Durval Ludovico, representante legal do Sindserv Santo André, o então secretário Pedro Seno afirmou que o orçamento de 2025 já inclui uma “margem” destinada à realização de novos concursos e reclassificações salariais, o que anima a categoria.
Outro ponto relevante é a luta pela redução da jornada de trabalho, sem alteração nos salários, para servidores com deficiência ou com dependentes PCD.
Profissionais em atuação
Com exceção de Mauá, que não respondeu aos questionamentos do RD, a região tinha 8.661 alunos assistidos na educação especial em 2024, número 16,4% superior ao registrado em 2023, quando 7.440 alunos eram assistidos. A cidade com maior número de matrículas é São Bernardo (2.648), seguida de Santo André (2.356), Diadema (1.870), São Caetano (1.268), Ribeirão Pires (472) e Rio Grande da Serra (47).
Alessandra Caturani Wajnsztejn, psicóloga, neuropsicóloga e coordenadora do Núcleo Especializado em Aprendizagem da Faculdade de Medicina do ABC (NEA-FMABC), avalia que a ausência de profissionais especializados impacta diretamente o desenvolvimento dos alunos. “Um profissional bem preparado proporciona ao aluno uma evolução mais consistente e tranquiliza as famílias, que percebem um cuidado alinhado às necessidades do estudante no turno regular e no contraturno”, explica.
Wajnsztejn também enfatiza a importância de Planos Educacionais Individualizados (PEI), que podem ser elaborados com base em diagnósticos multiprofissionais ou observações pedagógicas realizadas pelas escolas. Segundo Alessandra, o atendimento especializado é crucial para garantir uma inclusão efetiva e prevenir custos futuros ao Estado e promover autonomia e qualidade de vida ao aluno. “Incluir não é apenas cumprir a lei, é promover igualdade, equidade e dignidade humana”, afirma.
Falta planejamento
Apesar de nítida a necessidade de profissionais especializados para atendimento dos alunos especiais, nenhuma cidade possui planejamento concreto para contratar mais profissionais para 2025. De forma unânime, todos os municípios informaram, em nota, que existe estudo para ampliação do quadro funcional, conforme necessidade. São Bernardo, por sua vez, planeja somente a reposição para 27 vagas na área, que englobam vagas de professor da Educação Especial (deficiência intelectual, audiocomunicação e educação física).
No quadro de profissionais, Santo André registrou baixa de 5.365 profissionais para 5.315 no ano passado, 50 a menos; Rio Grande da Serra que tinha 171 profissionais em 2023 ampliou para 179 no ano passado e Ribeirão Pires que tinha 130 auxiliares chegou a 140 no ano passado, sem informar as demais funções. Diadema, que não informou o número de profissionais em 2023, informa que são 455 em atuação atualmente. São Caetano e São Bernardo não informaram.