Levantamento do governo federal aponta que 288.240 moradores de cinco cidades do ABC – não cita São Caetano e Ribeirão Pires – residem em áreas classificadas como de risco para inundações, alagamentos e deslizamentos de terra, situação que passa a ser mais preocupante em razão da crise climática. Frente ao histórico de problemas, os planos dos prefeitos eleitos ou reeleitos para comandar seis cidades, a partir de 1º de janeiro, trazem apenas 29 propostas para atacar os problemas. São obras de micro e macrodrenagem, canalização de córregos, manutenção em bocas de lobo e bueiros e limpeza de rios e córregos. Tite Campanella (PL), de São Caetano, não apresentou propostas sobre o tema no programa de governo.
A professora de Hidráulica e Drenagem da Universidade Federal do ABC (UFABC), Melissa Graciosa, alerta que em tempos de eventos extremos as prefeituras devem atuar em conjunto em políticas de macrodrenagem, ter atenção especial quanto à gestão de risco e que medidas estruturais, como piscinões, têm um limite, de modo que não é possível projetar um sistema que seja infalível no combate a enchentes, alagamentos e inundações. Diante disso, considera fundamental que os municípios trabalhem em escala regional para buscar soluções para as bacias hidrográficas que envolvam também estruturas de infiltração de água.
Melissa diz que não se pode esquecer dos eventos extremos, de mudança nos padrões de chuva, de mais moradores em áreas de risco, combinação que aumenta muito o potencial de risco relacionado a áreas urbanas, que envolve alagamentos, inundações, enxurradas, e isso requer uma atenção ainda maior.
A drenagem, comenta, tem papel importante, mas quanto mais estruturas de infiltração e mais distribuídas em toda a bacia, melhor. “Por isso, soluções baseadas na natureza são tão importantes nesse cenário, porque têm essa possibilidade de atuar em toda a bacia hidrográfica. Mas, mesmo com tudo isso, não tem como projetar um sistema infalível”, afirma.
Planos governo têm apenas 29 propostas
Das 29 propostas elencadas nos planos de governo, 12 são de Akira Auriani (PSB), que assumirá a Prefeitura de Rio Grande da Serra, cidade da região que menos registra problemas em época de chuvas intensas, sobretudo porque está 100% em área de proteção ambiental, o que implica em maior capacidade de infiltração de água. Ainda assim, boa parte das ações está em linha com o que Melissa considera medidas importantes de prevenção e de contingenciamento de riscos.
“Implantar um sistema de gestão e gerenciamento de riscos ambientais, com foco especial em enchentes, inundações, com ampla participação das comunidades e Defesa Civil; elaborar plano de prevenção atualizado, que terá a setorização de áreas de enchentes com o transbordamento para as margens e várzeas, e a identificação de áreas de inundação; para cada setor, uma ação diferente, como remoção (de moradores) temporária ou definitiva do local; emissão de alertas, evacuações e medidas de segurança; buscar, além da formação/conscientização social, ações mitigadoras, como recuperação de matas ciliares, plantios de árvores, ampliação de espaços verdes (jardins de chuva); reordenar fundos de vale e as ocupações de áreas de inundação, criando parques, que podem ser lineares e percorrer as margens de rios”, são algumas das propostas de Akira.
Morro do Macuco
Conforme o levantamento feito pelo RD, o programa de governo do prefeito reeleito Marcelo Oliveira (PT), em Mauá, traz apenas duas propostas que tratam a questão de forma genérica, sem detalhar que medidas pretende implementar para evitar que novas tragédias ocorram na cidade, sobretudo causadas por deslizamentos de terra. Vale lembrar que, em janeiro de 2011, cinco pessoas morreram no Morro do Macuco, no Jardim Zaíra, naquela que foi uma das maiores tragédias provocadas pela chuva no ABC. Além das vítimas fatais, cerca de 500 pessoas ficaram desabrigadas no município.
De lá para cá, pouco foi feito pelas gestões municipais para garantir mais segurança à população daquela região, embora a Prefeitura tenha formalizado convênio com o governo federal para obras de reurbanização, regularização e construção de muros para contenção de encostas. Agora, Marcelo Oliveira aguarda a liberação de R$ 176 milhões do governo federal, dentro do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para levar adiante as obras no Chafick/Macuco.
Além do Macuco, outros bairros da cidade estão listados como áreas de risco, casos do Cerqueira Leite, Pajussara, Itapark, Oratório, jardins Ipê, Elizabeth, Eden e Kennedy, onde uma criança de 10 anos morreu em escorregamento de terra, no dia 1º de janeiro de 2018.
“Garantir a continuidade das boas práticas de gestão do saneamento básico com novas iniciativas na gestão de resíduos urbanos, bem como em novas obras na macro e microdrenagem urbana nos termos do Plano Municipal de Saneamento e em consonância com a diretriz de melhorar a adaptação da cidade e a resiliência às chuvas extremas decorrentes das mudanças climáticas com foco na proteção da população residente em áreas de maior suscetibilidade a riscos; desenvolver o Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas e da Resiliência a eventos extremos em consonância com a legislação federal e estadual”, são as duas propostas de Marcelo Oliveira.
Drenar
O prefeito eleito de São Bernardo, Marcelo Lima (Podemos), que assume o posto em 1º de janeiro, elencou cinco propostas no plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como a expansão do Drenar, programa de combate às enchentes iniciado na gestão de Luiz Marinho, que tem como principal obra o Piscinão do Paço, entregue por Morando em agosto de 2019 com a missão de acabar com o histórico de enchentes na região central da cidade, principalmente no entorno do Paço Municipal e em vias importantes, como Marechal Deodoro, Faria Lima e Jurubatuba. Segundo o plano, a parte baixa da Vila Vivaldi será o foco do Drenar, área que também tem histórico de inundações.
Ainda no programa do futuro prefeito constam “ampliar a canalização dos córregos JK, Vila São Pedro e Ourives; criação de um departamento para coordenar ações de emergência, com capacitação dos servidores envolvidos e contratação de um novo Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) para 2025, para garantir a segurança e bem-estar da população por meio de monitoramento eficaz das áreas de risco e das infraestruturas municipais”.
Em Santo André, Gilvan Júnior (PSDB) incluiu no plano de governo medidas de combate às enchentes que vão ao encontro do que defende Melissa Graciosa, como “implementar soluções alternativas para absorção das águas pluviais, especialmente aquelas baseadas na natureza”. Também projeta “otimizar o sistema de micro e macrodrenagem urbano por meio de sua ampliação e modernização, para fluidez e eficácia operacional”.
Bocas de lobo
Outras propostas para tentar minimizar problemas que afetam a cidade em época de chuvas, como recorrentes registros de alagamentos e inundações na região do terminal rodoviário e estação ferroviária, no Centro, na Avenida dos Estados, na Avenida Capitão Mário Toledo de Camargo e Praça Pedro Américo, entre outros pontos, estão “ampliar a implantação de sensores nas bocas de lobo inteligentes, garantindo a atuação e a manutenção preventiva de alagamentos”.
Taka Yamauchi (MDB), em Diadema, apresentou apenas duas propostas e sem detalhamento. “Trabalhar para reduzir os alagamentos e inundações na cidade, captando recursos externos e colaborando com o governo do Estado para expandir os postos de coleta de dados da rede telemétrica, que monitora enchentes” e “intensificar a limpeza dos piscinões e realizar manutenções preventivas em todas as bocas de lobo, garantindo um sistema de drenagem mais eficiente e seguro para a cidade”.
No caso de Ribeirão Pires, Guto Volpi (PL) também não houve detalhamento das quatro propostas, assim resumidas no programa de governo: “Ampliar a limpeza e manutenção em toda a extensão de rios e córregos que cortam a cidade; ampliar a resiliência da cidade às chuvas, reduzindo as áreas inundáveis; ampliar estudos quanto à elaboração da lei de zoneamento; e reforçar as operações específicas para os períodos de chuvas mais intensas, a Operação Verão Seguro. Plano intersetorial de atuação preventiva, durante as tempestades e pós, em casos de registro de ocorrência com ou sem vítimas, ou danos materiais”.
Piscinões
A professora Melissa Graciosa avalia ainda que os piscinões são peças importantes nas ações de combate às enchentes, mas lembra que os reservatórios beneficiam localidades abaixo do ponto onde se localizam, em relação às nascentes dos rios. E cita o Jaboticabal, que está em construção e tem entrega prevista para dezembro de 2025. Localizado em área de divisa entre São Bernardo, São Caetano e Capital, vai captar água do transbordamento do Ribeirão dos Meninos, que nasce em São Bernardo, do Ribeirão dos Couros, cuja nascente é em Diadema, e do Jaboticabal, que nasce em São Paulo. O que significa que há necessidade de ações de prevenção nos pontos que ficam antes dos piscinões.
Diante disso, Melissa aponta para a necessidade de que os prefeitos trabalhem em conjunto em medidas que minimizem os riscos, e não apenas em ações voltadas aos próprios municípios. “Aí está a importância de a cidade atuar na escala local, de valorizar soluções baseadas na natureza, atuando em conjunto com as infraestruturas convencionais, principalmente na macrodrenagem, seguindo um planejamento regional sempre que esses rios perpassam mais de um município ou servem de fronteira entre dois municípios. É muito importante que esse planejamento aconteça de forma integrada”, explica.
Por falar em piscinões, o Consórcio Intermunicipal informa que dos 19 piscinões sob responsabilidade da SP Águas, estatal que substituiu o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), na região, apenas o Casa Grande, em Diadema, e o do Paço de Mauá ainda aguardam pelos serviços de limpeza. Santo André e São Bernardo, que também contam com reservatórios próprios, afirmaram que os equipamentos estão com a manutenção