
Desde o início deste ano que o planos de saúde, das mais diferentes bandeiras, promovem um verdadeiro corte, cancelando unilateralmente aqueles planos de pacientes que custam mais caro. Na sexta-feira (22/11) o Ministério da Justiça instaurou procedimento administrativo sancionatório contra 17 convênios médicos e quatro associações de saúde por cancelamentos unilaterais e práticas consideradas abusivas segundo o CDC (Código de Defesa do Consumidor). Segundo a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), que é ligada ao ministério, a prática das operadoras provocam graves consequências ao suspenderem tratamentos e terapias e geram o consequente aumento na judicialização neste segmento.
Para o advogado Felipe Augusto Gomes Pereira, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Autistas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Caetano, o Judiciário está sensibilizado com a situação dos pacientes e julgado em favor deles. Mesmo com essa situação há casos em que nem com despacho do juiz, as medidas não são cumpridas.
São pacientes como autistas, com câncer, que demandam procedimentos cirúrgicos ou longos tratamentos, os alvos dos cancelamentos por parte dos planos de saúde. A Senacon fez um levantamento que apontou a alta vertiginosa deste tipo de situação neste ano. Em maio, o sistema ProConsumidor registrava 231 reclamações sobre cancelamentos/rescisões de planos de saúde. No Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec Nacional), eram 66 ocorrências e, na plataforma consumidor.gov.br, 1.753 queixas sobre cancelamentos unilaterais de contratos. Isso elevou o assunto à categoria de preocupante dentro do Ministério da Justiça.
O RD denunciou inúmeros casos de desrespeito às ordens judiciais o que fez com que os pacientes continuassem perseguindo o objetivo de continuar os tratamentos buscando novas e mais novas medidas judiciais para forçar os planos a acatarem as ordens judiciais. Em maio a moradora de Mauá, Isabel Cristina Ferreira Silva, foi surpreendida com o aviso de cancelamento do convênio que fez para a sua filha, Maria Alice Ferreira Miguel, de 5 anos que é autista com nível de suporte 3 e depende de diversas sessões de terapias para seguir avançando no tratamento. Ela obteve uma decisão liminar para manter o tratamento, mas como o plano admite não ter uma rede credenciada para dar todo o atendimento necessário a justiça determinou que a mãe escolhesse o local para atendimento e que o plano deveria custear. Mas não é isso que está acontecendo.
Segundo Isabel, a Unimed faz por reembolso, ou seja, a família tem que dispor de um determinado valor, que é alto, para pagar as terapias e esperar, por vezes um mês para receber o valor de volta, e houve meses que o repasse não foi integral. “Cheguei a apresentar nota de R$ 2,5 mil e me pagaram só R$ 480. Eles (convênio) contam com a morosidade da justiça e vão levando. Eu estou arcando com o tratamento, só que com menos terapias, porque não tenho condições, o plano já está me devendo mais de R$ 100 mil. Desde o ano passado que a minha filha não faz todas as terapias que ela precisa e tempo para ela não tem como recuperar, ela está deixando de progredir, mesmo o juiz dando ordem para que o plano pague pelo tratamento está desse jeito. Eu só quero o tratamento da minha filha”, aponta a moradora de Mauá.

Alessandra Garcia é outra mãe que está pautando o Judiciário para resolver a sua dificuldade com o plano do seu filho, Cauã, de 17 anos, autista e que tem indicação médica para 138 sessões mensais de fisioterapia. Mesmo com liminar, que obriga o plano a cumprir a determinação médica, Cauã só tem parte do atendimento. “Esse mês negaram o plano terapêutico, mas fiz reclamação na ouvidoria da Unimed, reclamei no Procon e no Reclame Aqui, aí depois disso liberaram. Em setembro e outubro eles não tinham liberado, mas a Ouvidoria me ajudou, mas só depois do aumento abusivo de R$ 697,69 foi para R$ 745,90”, relata.
A Unimed informa que não comenta decisões judiciais.
Em resposta à mãe de uma criança com TEA (Transtorno do Expecto Autista), a operadora de saúde Amil admite o corte dos pacientes que custam mais caro ao plano. Em maio Carla Borges Godinho, mãe do Lucas Godinho Mendes Paes, de 11 anos, uma criança autista e com TDAH (Transtorno do Déficit de atenção com Hiperatividade), recebeu informe da administradora de que a Amil cancelaria seu plano.
Lucas faz uma série de terapias, que atualmente são realizadas em uma clínica em São Bernardo. Mesmo com o convênio ativo, o atendimento está longe do ideal e ela teme que as coisas piorem se o convênio for cortado como prevê a administradora. A piora vai significar um retrocesso no avanço que o filho já teve. “Meu filho tem uma liminar que determina 25 horas de semanais de terapia, mas a clínica só fazia seis, agora, mesmo com a liminar só fazem oito. Nem com a determinação de multa diária, o convênio não dá a quantidade de terapia necessária. Com isso já vejo que o Lucas está piorando, com mais crises nervosas. O convênio nem recorreu da liminar, acho que já estavam planejando nos cortar”, disse a mãe na época.
Custo
Em nota, a Amil diz que está cortando aqueles convênios que trazem mais custo para a empresa. “A Amil informa que está reformulando sua grade de produtos com modelos que assegurem qualidade da assistência e sustentabilidade dos contratos. Nesse contexto, a modalidade de planos coletivos por adesão, que até então eram amplamente disponibilizadas para plataformas denominadas como administradores de benefícios – que efetivam contratos diretamente com as entidades de classe – foi revista. A medida não tem nenhuma relação com demandas médicas ou tratamentos específicos, mas sim com uma determinada modalidade de plano, que envolve contratos firmados com administradoras de benefícios. Como desdobramento, está em curso o cancelamento de um conjunto de contratos da Amil com administradoras de benefícios, especificamente os que demonstram desequilíbrio extremo entre receita e despesa há pelo menos três anos. A Amil iniciou a comunicação da mudança às administradoras de benefícios impactadas no dia 18 de março, reiterando que a manutenção das coberturas seguirá os prazos contratuais”, disse em comunicado. A Amil diz ainda que o cancelamento unilateral segue toda a legislação atual e a regulamentação para o setor.

Para o advogado especializado nestas causas de saúde, da OAB de São Caetano essa movimentação no Ministério da Justiça em relação aos cancelamentos é importante, como também deveria ser mais forte a ação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) na fiscalização dos convênios médicos. “Quando há aumento de rescisões unilaterais de contratos, como no caso mencionado, a ANS deveria ser a principal responsável por investigar e verificar se essas rescisões estão sendo feitas de forma abusiva ou em desacordo com as normas do setor. Embora a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) tenha atuado ao notificar as operadoras, a ANS tem competência específica para lidar com questões dentro do setor de saúde suplementar, sendo mais indicada para fiscalizar e tomar medidas diretamente relacionadas às operadoras de planos de saúde. Portanto, a atuação da ANS deveria ser mais proativa nesse tipo de situação, garantindo que as operadoras cumpram as regras e evitando práticas abusivas com os consumidores”, analisa Felipe Augusto Gomes Pereira.
O advogado teme que os cancelamentos em massa por parte dos convênios continuem ocorrendo, mesmo diante da atuação da Senacon e do Judiciário concedendo inúmeras liminares em favor dos pacientes. “As ações judiciais com pedido de Tutela de Urgência (liminar) estão surtindo efeito para compelir o plano de saúde em restabelecer o contrato, bem como os tratamentos de maneira célere. Não apenas no deferimento da liminar como a grande maioria dos processos estão sendo julgados positivamente, ou seja, procedentes. Neste ano houve cancelamentos unilaterais em massa, totalmente abusivos, porém, atualmente, há uma queda significativa, entretanto, a tendência é que haja novos cancelamentos em massa, abusivos, mesmo com as operações da Senacon”, prevê Pereira.
Para o representante da Comissão de Defesa dos Direitos dos Autistas da OAB de São Caetano a justiça ainda é a tábua de salvação dos consumidores de convênios médicos vítimas dos cancelamentos unilaterais. Ele cita como o consumidor deve agir. “Primeiro é necessário observar o motivo do cancelamento e o contrato. O cancelamento do plano tem regras e operadoras não podem realizar de qualquer maneira. Se o beneficiário está em tratamento contínuo, o cancelamento é considerado abusivo, especialmente se afetar a sua saúde, de acordo com o tema 1082 do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Nos planos individuais ou familiares, a operadora só pode cancelar por inadimplência ou fraude, e precisa notificar o beneficiário com antecedência, ou seja, até o 50º dia de inadimplência. Nos planos empresariais com até 29 vidas, há uma equiparação aos contratos individuais ou familiares, podendo a operadora cancelar o contrato apenas por inadimplência ou fraude”, detalha.
Pereira diz que assim que o consumidor é informado do cancelamento, já deve procurar um advogado especializado na área. “É importante esclarecer que caso o beneficiário receba o aviso prévio sobre o cancelamento do contrato, não há a necessidade de aguardar o cumprimento para buscar seus direitos. Caso o cancelamento esteja em desacordo as normas, o beneficiário deverá buscar um advogado especialista em Direito à Saúde para Judicializar com pedido de Tutela de Urgência (liminar) para proteger os seus direitos”, completa.