O governo de São Paulo concluiu nesta segunda-feira (04/11) os leilões da PPP (Parceria Público Privada) Novas Escolas que preveem a construção, manutenção e gestão das atividades não pedagógicas pela iniciativa privada em 33 colégios a serem construídos também pelos consórcios vencedores. Uma única escola prevista para o ABC fez parte desse segundo lote leiloado. Trata-se de um colégio em Diadema, com previsão para ter 8 mil metros quadrados, segundo o projeto básico que integra o processo de licitação, e 35 salas de aula. Educadores e alunos protestaram durante o leilão e foram reprimidos pela polícia. Especialistas em educação também condenam o modelo que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quer implantar.
O Consórcio SP + Escolas venceu leilão o leilão da PPP de Novas Escolas (Lote Leste), realizado na Bolsa de Valores – B3. É deste lote que faz parte a escola a ser construída em Diadema. O valor oferecido foi de R$ R$ 11.546.994,12 da contraprestação máxima mensal prevista no edital. O deságio foi de 22,51%, segundo informa o governo. Esse segundo leilão contou com protesto de professores e alunos do lado de fora da B3 que foi reprimido pela Polícia Militar que usou bombas de gás e cassetetes contra os manifestantes.
“Essa PPP é mais uma iniciativa do governo do estado de São Paulo que privilegia a infraestrutura, fundamental para que diretores e professores estejam engajados e envolvidos com o educar, essa sim nossa principal missão. Estamos fazendo essa PPP para cuidar da manutenção, da construção, da internet, da alimentação, tudo que não é pedagógico. E fazendo esse movimento extremamente importante para que a iniciativa privada garanta os melhores serviços para os nossos alunos. É um contrato que exige resultado e que vai na direção certa e que não abrimos mão desde o primeiro dia desta gestão: que os alunos da escola pública tenham a mesma qualidade que a praticada na escola particular”, diz o secretário da Educação, Renato Feder.
A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e entidades estudantis são contra o que está sendo chamado de privatização do ensino público. Tanto no primeiro leilão, ocorrido no dia 29 de outubro, como nesta segunda-feira (29/11) houve mobilização de educadores e alunos em protesto contra a iniciativa. Para o professor e presidente da entidade sindical, Fabio Santos de Moraes diz que os manifestantes foram agredidos. “Estivemos na bolsa de valores contra essa sanha de privatização do governador Tarcísio, e aumentaram o aparato militar agressivo e autoritário, tanto que agrediram os manifestantes e, com a agressão, eles conseguiram privatizar o lote dois por R$ 3,2 bilhões, ou seja, dinheiro da Educação que vai servir ao setor privado para gerar lucro”.
Liminar
Logo após a aprovação do primeiro lote a Apeoesp conseguiu uma liminar para invalidar o primeiro leilão e impediria também o segundo, mas o governo paulista fez a defesa no Judiciário e conseguiu derrubar a liminar. “Nós conseguimos uma liminar, eles derrubaram e gente ainda vai discutir o mérito. A discussão disso ainda não acabou, vamos debater muito isso aí, inclusive esses valores, porque a gente está falando de um repasse mensal para essas 16 escolas (lote leste) de R$ 11,5 milhões”, completa o presidente da Apeoesp.
Os documentos que constam do portal de parcerias do Governo do Estado, mostram, além do tamanho das unidades escolares, também a descrição das normas técnicas e itens a serem usados na obra destas escolas, que a concessionária deve promover a acessibilidade, atendimento às normas técnicas vigentes e que os prédios tenham os alvarás necessários e também o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros). No descritivo das funções do pessoal não pedagógico, que fica a cargo da concessionária, e não da Secretaria de Educação, consta que devem ser contratados pessoal para auxílio às crianças com algum tipo de deficiência, e também a todos os alunos, crianças, jovens, adultos e idosos, “nas suas necessidades espirituais e religiosas”.
O modelo previsto para Diadema é de uma escola com pavimento térreo e outros três superiores. A concessionária fica responsável por equipar todo o colégio com o mobiliário necessário, instalar internet wifi, lousas multifuncionais, projetores e outros equipamentos. A previsão é que a concessionária compre o terreno em Diadema, já que o Estado não teria área para isso na cidade. O estudo e viabilidade técnica e econômico-financeira aponta um investimento de R$ 16 milhões iniciais para a unidade de Diadema.
Modelo é condenado por especialistas na área de educação
Especialistas em Educação, ouvidos pelo RD, apontam problemas no modelo que está para ser implantado no Estado e sugerem que ele deve custar mais caro e não há comprovação de que o mesmo vá melhorar as condições das escolas paulistas.
André Stábile, presidente fundador do Instituto Educacionista, membro efetivo do Movimento pela Base Nacional Comum Curricular e ex-secretário de Educação de Mogi das Cruzes e São Caetano, diz não conhecer outras experiências com a que se quer implantar.
“Eu sinto falta de comparativos de similares, de modelos de educação pública bem sucedidos que realizam construção, manutenção e principalmente a gestão privada de escola pública. Para mim isso não tem clareza acho que é risco e uma falta de equilíbrio inclusive jurídico, de fazer gestão privada de escola pública, isso é bastante exótico e não vejo similar. O que se tentou fazer, e não foi bem sucedido, foram as escolas Charter, nos Estados Unidos, há mais de 10 anos, que nas repetidas avaliações não demostraram efetividade de resultado”, analisa.
Para Stábile, o problema da educação não está no modelo público ou privado, é um problema de gestão mesmo “Não existe esse empenho em realmente melhorar a legislação, melhorar o monitoramento, melhorar a avaliação, então daqui há 10 ou 15 anos vamos estar com os mesmos resultados das outras escolas, talvez um milímetro aqui ou ali, mas o Brasil não precisa de milímetros, precisa de saltos consistentes para tirar um atraso de quase quarenta anos na aprendizagem das nossas crianças. Infelizmente há uma interferência indevida de perspectivas eleitorais nas decisões de alguns gestores. A educação deveria ser um investimento bem técnico e ser o principal vetor do progresso, mas infelizmente não é essa a visão”, completa André Stábile
Outro especialista em educação, Fernando Cássio, professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) e integrante da Repu (Rede Escola Pública e Universidade), considera ser impossível, dentro de um colégio separar a gestão em dois tipos. “Esse projeto tem várias ambiguidades, criar duas gestões escolares e dizer que existe divisão entre gestão pedagógica e não pedagógica, esse argumento é falso”, sustenta.
Silva destaca a participação do governo federal, através do BNDES. “O desenho dessa PPP (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) foi feito pelo BNDES, então o governo federal tem interesse em dar escala a esse modelo de privatização, essa questão é a mais séria e não é debatida. O Estado de São Paulo é rico e não depende do setor privado para construir escolas, só o faz por crença privatista de seus administradores”, aponta o professor.