
Os reservatórios de água que abastecem a região metropolitana de São Paulo têm enfrentado sérios desafios diante de um outono completamente atípico, com tempo seco e temperaturas extremas, o que acende alerta para nova crise de água que, se não bem administrada, deve ser problema constante nas cidades. No ABC, o assunto não é novidade, já que em alguns municípios, como Ribeirão Pires, os munícipes sofrem com desabastecimento do recurso há 10 anos.
Segundo dados dos mananciais da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) até a última semana de abril, os sistemas Cantareira e Alto Tietê e Guarapiranga, que atendem a região, registraram volume operacional de 74,5% e 82,7%, respectivamente, e com o passar das semanas, tem baixado mais. Para se ter ideia, até o último dia 9, os índices eram de 72,7% e 80%, respectivamente, o que tem preocupado especialistas.
Enrique Staschower, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Fundação Santo André (FSA), diz que o risco de falta de água pode ser agravado com o baixo índice de chuvas registrado neste período, e se não houver planos de contingenciamento para os anos futuros, a situação tende piorar. “Estamos enfrentando uma mudança de comportamento em razão dessa mudança climática, e as concessionárias precisam caminhar junto”, adverte o professor.
O que acontece é que existe o processo de captação de água, mas segundo o docente, em volumes baixos, e por isso é essencial que as empresas informem os clientes quando ocorre o desabastecimento, para que ninguém seja pego desprevenido. “Os vales ainda concentram maior quantidade de água, mas as regiões mais altas ficam desabastecidas. Então é preciso que a Sabesp tenha um plano de contingenciamento e trabalhe melhor a informação e transparência com os clientes para que ninguém vá dormir sem água na caixa”, afirma.

Abaixo-assinado
Em Ribeirão Pires, Diego José da Silva, morador da rua Pombal, no distrito de Ouro Fino, deu início a um abaixo-assinado nas redes sociais para colher assinaturas de quem sofre com problemas de desabastecimento de água na cidade. Em entrevista ao RD, conta que já colheu, pelo menos, 90 assinaturas, e que o próximo passo é encaminhar o documento para a Sabesp e acionar o Ministério Público (MP) para fiscalizar a situação.
“Estou cansado de viver sem água na torneira. Moro há 37 anos na cidade e sempre tivemos problemas de falta de água, mas nunca cheguei a ficar nove dias direto sem água”, reclama. Segundo Silva, a água começa a faltar por volta das 18h e a caixa de água só volta a encher no outro dia de manhã.
Ar nos canos invés de água
Quem também enfrenta escassez de água é Keila Diniz, moradora do bairro Santa Tereza, que afirma sofrer com cobranças indevidas, devido a pressão nos canos de água. “Falta água o tempo todo e, quando volta, o ar fica comprimido no cano, o que causa uma grande pressão e faz com que o relógio gire sem parar”, comenta.
O munícipe Thiago Castilho, morador da rua Arthur Gonçalves Couto, no Bosque Santana, relata que há pelo menos 10 anos a água acaba após as 21h. “Aqui é essencial ter caixa d’água. Há 10 anos que acontece o desabastecimento e quando ligo na Sabesp falam que a água não é fechada, só justificam que é porque não tenho caixa d’água”, diz.
Ednei Rossi, que mora na rua Raul Pompéia, no Jardim Ana Maria, em Santo André, comenta que no seu bairro o problema é histórico. Para se ter ideia, Rossi chegou a protocolar um documento no Fórum, na tentativa de resolver a situação, mas acabou sendo em vão. “Protocolamos o documento sobre a falta de água em 2016 e logo observamos uma melhora significante, mas durou pouco”, comenta. Segundo o morador, a água voltou a faltar e já no período da noite as torneiras ficam secas.
José Roberto Martini, morador da rua Paquistão, no Parque Capuava, em Santo André, comente que entre 21h e 6h não há abastecimento de água, mas em muitas residências o relógio de água continua virando, em razão do ar nos canos. “Nossa conta de água já é cara e ainda por cima precisamos pagar ar?”, questiona. Indignado, o morador solicita que a Sabesp apure melhor os casos em que existe cobrança do ar nos canos.
Higiene pessoal
Em São Bernardo, moradores da rua Amâncio de Carvalho também enfrentam desafios. Nessa semana, os moradores chegaram a ficar quatro dias sem água. Sheila Franco, uma das afetadas, relata que o maior desafio foi manter a higiene pessoal de seu irmão, que sofre de esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença que o deixa acamado.
“Meu irmão se alimenta por sonda estomacal, o que exige muita higiene, tanto com ele quanto com a casa. A nossa roupa, por exemplo, pode esperar um pouco para lavar, mas as dele não”, afirma. Para driblar a situação, Sheila comenta que precisou usar galões de água para dar conta das atividades de casa no período. “É muito difícil”, relata.
Mais queixas
Somente em 2022, o Procon de São Bernardo recebeu 227 queixas relacionadas à falta de água na cidade. Já em 2023 foram 211 e, até o momento neste ano, 101 queixas. Segundo a Prefeitura, o índice de resolubilidade no atendimento foi de 78%, 70% e 76%, respectivamente. E, para contornar a situação, as equipes do Procon realizaram este ano uma ação de resolução de queixas de desabastecimento por parte dos moradores dos bairros Capelinha e Cocaia, com assinatura de termo de compromisso por parte da Sabesp. Em resposta, a companhia trabalha na instalação do novo poço para atendimento nestes locais.
Já em Rio Grande da Serra, as cobranças foram predominantemente sobre faturamento com valores elevados e completamente incompatíveis com o consumo real das casas em questão. A Prefeitura informa em nota acompanhar as notificações para a Sabesp, a fim de que sejam tomadas as providências necessárias e cabíveis para resolução dos problemas.
Diante da questão, Enrique Staschower defende que “qualquer orgão que olhe para o consumidor, é e deve ser avisado sobre qualquer tipo de desabastecimento”, a fim de que o problema se resolva, assim como as questões de verificação de ar na tubulação e/ou vazamentos locais.
As demais prefeituras não se manifestaram até o fechamento da reportagem.
O que diz a Sabesp
Já a Sabesp informa que desde a década de 1990 realiza na região metropolitana a “gestão de demanda noturna”, de forma rotineira. Segundo a companhia, a prática é adotada internacionalmente e recomendada pela Comissão Europeia: quando há menos consumo, reduz-se a pressão nas redes a fim de evitar perdas por vazamentos e rompimentos (o que representa menos desperdício, menos manutenções e menos interferências nas vias); quando o uso é retomado, a pressão é reajustada.
Assim, imóveis com caixa-d’água obrigatória e com reservação para ao menos 24 horas, como determina o decreto estadual 12.342/78, não sentem os efeitos de manutenções ou da gestão da pressão.
Em relação aos endereços citados na reportagem, a Sabesp informa que o abastecimento está normal em Santo André e São Bernardo. “Na semana passada, houve manutenção que afetou o abastecimento nesses municípios”. Já em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, a companhia informa que nos últimos dias a região foi afetada pela forte onda de calor, que tornou mais lenta a recuperação do sistema, e, na terça (7/5), por manutenção para reparo de vazamento.
“Para reduzir o impacto, a Companhia realizou manobras de direcionamento da água e disponibilizou caminhões-tanque para casos emergenciais. Situações pontuais devem ser comunicadas aos canais oficiais para verificação”. A Sabesp esclarece que durante sua operação a rede é preenchida com água, não havendo ar na tubulação.
Entre os meses de janeiro e abril de 2024, a Ouvidoria da Sabesp recebeu 326 reclamações referentes a falta d’água nos municípios operados no ABC (Diadema, Mauá, Santo André, São Bernardo, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), com 87% dos casos solucionados. As demais queixas estão em análise e atendimento nas unidades.
Privatização
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Fernando Antônio Torres Garcia, acolheu o recurso apresentado pela Câmara Municipal e derrubou, dia 7 de maio, a liminar que havia suspendido a aprovação da privatização da Sabesp na Capital.