Preservação da água depende de vontade política, leis, incentivos e educação ambiental

Represa Billings que abastece grande parte do ABC e região metropolitana que faz 99 anos dia 27. (Foto: Divulgação/SBC)

Nesta sexta-feira (22/03), quando se comemora o Dia Mundial de Água, ainda há muito o que se fazer para incentivar e apoiar, empresas, comércios, condomínios e residências a fazerem uso mais racional da água e também para a implantação de sistemas de aproveitamento de água da chuva e de tratamento para reuso.

No caso dos imóveis residenciais, a tendência cada vez mais comum é de que os novos prédios já sejam entregues com algumas dessas tecnologias de aproveitamento de água de chuva ou reuso. Para o presidente da Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do ABC), José Julio Diaz Cabricano, essa é uma tendência com um retorno para os empreendimentos. Para ele, com incentivos governamentais e novas lei essa prática deve se tornar mais comum no mercado de imóveis. “Eu acredito que é um início de tendência, o retorno é viável a médio prazo, mas como quem tem feito o investimento são as incorporadoras e isso não reflete ainda no preço final de venda, quando os incentivos municipais acontecerem, e isso deve acontecer com atualizações de leis de zoneamento e novos planos diretores, isso será agilizado”, diz Cabricano.

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A preocupação é bastante relevante, pois levantamento da administradora de condomínios Lello mostra que o ABC vai ganhar 57 condomínios novos até o fim deste ano. O IBGE também mostra que uma das cidades da região, São Caetano, é um dos três municípios do país quem que a maioria dos habitantes vivendo em condomínios. Essa verticalização crescente pode trazer novos desafios para o uso da água.

Para os edifícios mais antigos também existem soluções para, pelo menos, aproveitar a água da chuva e de lençol freático. “É o mesmo conceito de uso de água pluvial; recolhe, armazena e distribui para pontos de uso nas áreas comuns. É muito mais fácil captar e distribuir em grandes adensamentos. Imagine um prédio alto e nele é mais fácil captar essa água lá em cima e distribuir para as unidades do que ter que transitar com águas no plano, como no caso das casas, por exemplo”, completa Cabricano.

Quando os imóveis são comerciais e industriais, a equação maior é aquela que o empresário faz prioritariamente, que é o custo da implantação e o retorno financeiro. No caso das indústrias cuja água faz parte do processo de produção, já é uma exigência da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) o tratamento desta água antes dela ser lançada no sistema. Já para as indústrias onde a água não está envolvida na produção, a preocupação do empresário é menor, pois ele foca prioritariamente naquilo que pode aumentar ou tornar mais eficiente a sua produção.

Estação de Tratamento de Água de Reuso da Sabesp. (Foto: Pedro Diogo)

Para o diretor titular do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) de Diadema, Anuar Dequech Júnior, o empresário não tem como fugir das questões ambientais. “Há uma tendência mundial de se cuidar do meio ambiente, por causa de normas como a ISO 14.000 ou ESG (Governança ambiental, social e corporativa, pela sua sigla em inglês), ou seja, se a empresa não tiver essa preocupação não vai vender”, considera. “Por outro lado se vai mexer no bolso isso interfere nesse projeto. A tendência é que as empresas fiquem cada vez mais energeticamente eficientes, como já acontece em condomínios industriais na região. Com o tempo a legislação também tende a ficar mais dura”, completa.

Para especialistas há necessidade de mais pesquisa para financiar projetos

Para Helio Narchi, professor de engenharia civil do IMT (Instituto Mauá de Tecnologia), a viabilidade do aproveitamento da água da chuva é muito maior do que implantar um sistema que pudesse captar e tratar com relativa segurança a água já utilizada, por causa do custo e da próprias condições técnicas. “O reuso possibilita uma redução no que se gasta com água potável, por isso, ao longo de certo período, pode ser viável. Tem que se preparar para fazer investimento em captação e tratamento destas águas que certamente vai fazer dobrar o custo das instalações. Pode valer a pena mas tem que estudar caso a caso”, analisa.

Para o professor da Mauá, é mais viável usar a água da chuva para lavagem de áreas externas e irrigação dos jardins. “Nos prédios antigos, é possível captar águas, e tentar fazer algum sistema para lavar pisos, mas fazer obras para água de reuso é muito difícil e o custo seria bastante elevado. Eu tenho restrição em relação ao reuso de águas servidas, de ralos, pias e máquina de lavar. Precisaria ter um controle porque pode ter matéria orgânica, gorduras e para usar tem que ter um mínimo de qualidade”.

Narchi defende que os governos façam estudos sobre esse assunto, para saber o quanto de água se economizaria com o reuso e com o aproveitamento de água de chuva. “Faltam estudos, metodologias e normas para regulamentar melhor esse tema para depois se criar formas de financiamento. Antes de fazer tem que se conhecer melhor”, completa.

Para a professora do curso de engenharia ambiental da UFABC (Universidade Federal do ABC), Melissa Cristina Pereira Graciosa, há soluções tecnológicas e viáveis, tanto para aproveitar a água de chuva, como reuso de água. “Aqui em Santo André, por exemplo, conheço exemplos de empreendimentos que tiveram muito sucesso na implantação desse tipo de sistema, o Grand Plaza Shopping, tem um sistema bastante interessante de reuso de água. Precisamos avançar na normatização, que ainda tem lacunas, e na educação ambiental para fomentar essa prática, já que a água de reuso e a água de chuva têm limitações de uso, não é uma água potável”, explica.

Tanto Narchi como Melissa citaram o projeto Aquapolo, que é comandado pela Sabesp, e que produz 1.000 litros de água de reuso por segundo, volume que é consumido pelo Polo Petroquímico do ABC. “São necessários investimentos, por exemplo, em sistemas pré-fabricados, que são poucos, que facilitem o amplo uso desse tipo de solução. No entanto, há fatores relevantes que preocupam os gestores públicos, por exemplo, com relação à saúde. É preciso que os sistemas sejam seguros, bem sinalizados, que não haja risco de que essas águas venham a ser usadas por engano para fins potáveis. É preciso investimento em educação ambiental, em normatização e em políticas públicas para promover o uso seguro”, observa a professora da UFABC.

Para Melissa, com os estudos e cuidados, é perfeitamente possível a implantação. “Alguns países chegaram a boas soluções para essas questões, depende da vontade de fazer acontecer, já que a água de reuso ou de aproveitamento das águas de chuva são mais economicamente viáveis que grandes transposições ou soluções ainda mais drásticas, como dessalinização. Tudo que melhore a oferta hídrica é bem vindo e cada solução tem seus desafios. Precisamos avançar nas lacunas que ainda persistem para viabilizar a aplicação dessas medidas que, além de sustentáveis, são economicamente viáveis”, completa.

Questões ambientais relacionadas à água se arrastam na justiça

Para o ambientalista fundador do MDV (Movimento em Defesa da Vida do ABC) e advogado especializado em Direito Ambiental, Virgílio Alcides de Farias, falta ensino sobre meio ambiente nas escolas. Para ele a questão da água precisa ser mais prioridade. Ele cita, por exemplo uma ação que ele moveu contra a Emae (Empresa Metropolitana de Água e Energia), que é a responsável pela Billings , que se arrasta nos tribunais há mais de 13 anos e sequer tem uma sentença de primeiro grau.

Virgílio Alcides de Farias diz que é preciso investir em educação ambiental no ensino formal. (Foto: Ingrid Santos)

Na ação ele cobra a imediata suspensão do bombeamento das águas dos rios Tietê e Pinheiros para a Billings. Só no último mês a justiça determinou que as partes façam suas alegações finais. “Essa demora é por tantos recursos da EMAE que ficou três anos só discutindo para não pagar o custo dos peritos, depois pediu que fossem ouvidas testemunhas quando não cabia mais. Se sair uma sentença ela ainda vai poder recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo, ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ainda ao STF (Supremo Tribunal Federal), isso pode levar outros 13 anos. Essa demora processual é inimiga do meio ambiente”, sustenta o advogado ambientalista.

Já na questão dos investimentos públicos e privados, Farias diz que falta vontade política e educação ambiental. “Existe quem diga que a água é um recurso infinito, quando há estudos que mostram que a água salubre pode acabar. Empresas e governos que jogam água sem tratamento no rio é por falta de visão e de responsabilidade com as futuras gerações. Por isso é preciso termos a educação ambiental no ensino formal, porque assim se pode mudar esse pensamento em 10 anos”, completa.

Cidades programam ações para marcar o Dia Mundial da Água

O Dia Mundial da Água acontece cinco dias antes do aniversário de 99 anos da Represa Billings e por isso no ABC a data ganha uma expressão ainda maior. A Emae (Empresa Metropolitana de Água e Energia) responsável pela represa, não fará nenhuma atividade no dia da água em qualquer uma das margens do reservatório.

O Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André), por meio da Gerência de Educação e Mobilização Ambiental, promove na próxima quarta-feira, dia 27, o lançamento do livro do projeto Água, Câmera e Ação. O evento ocorre em celebração ao Mês da Água e também no dia do aniversário da Represa Billings. A atividade ocorrerá às 14h, no Prédio-Sede da autarquia, e será em formato de sarau. Haverá apresentação dos vídeos produzidos ao longo do projeto, roda literária, apresentação musical e bate-papo com os autores.
Além disso, a equipe da autarquia também realizou atividades pontuais para comemorar o Dia da Água. Na última segunda-feira (18/03), o encontro foi na Emeief (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental) Francisca Helena Fúria, com a presença da contadora de histórias do portal Hendu, a Tuca, em atividade com as crianças. Nesta quarta-feira, o Semasa também promoveu atividade sobre a temática ‘água e gênero’, no Parque do Pedroso.

A Prefeitura de Diadema vai promover apresentações do espetáculo teatral “Dona Pingo e os Perdidos” em três parques municipais. ‌As apresentações vão acontecer no próximo sábado, 23/3, em horários diferentes. A atração é gratuita, aberta ao público em geral e livre para todas as idades. No Parque do Paço (Centro) será, às 9 horas; no Parque Ecológico (Eldorado), às 11 horas; e, por fim, no Parque Takebe (Canhema), às 14 horas. Voltada para a educação ambiental, a peça de teatro visa chamar a atenção da comunidade para a importância e necessidade do consumo consciente da água.

Sobre legislações, a prefeitura de Diadema tem a Lei Ordinária 2451/05 – que trata do uso e reuso de água, há obrigatoriedade desta mitigação a partir de determinada área construída, e não há vantagens em contrapartida ou algo assim. A lei complementar 63/1996 que concede desconto no IPTU para imóveis com vegetação de interesse ambiental. O percentual de desconto varia de acordo com o porte e espécie da vegetação. A lei complementar 334/2011 – concede redução do valor do IPTU aos imóveis localizados em área de preservação. Os descontos variam de acordo com a área preservada e com o tipo do imóvel: se construído (entre 40% e 60%) e não construído (entre 60% e 85%).

A Prefeitura de São Bernardo também tem programação relacionada à Semana da Água e ao aniversário de 99 anos da Represa Billings. Neste Dia Mundial da Água acontece ação especial de limpeza do reservatório, dentro do projeto Remando para a Vida, coordenado pela Secretaria de Saúde, em parceria com a de Meio Ambiente e Segurança Urbana, que destaca a água como grande ‘consultório’. “A proposta envolve voluntários e pacientes da saúde mental da rede do município. Essa atividade tem como ponto de partida o Parque Natural Municipal Estoril, com a utilização caiaques e pranchas de stand-up paddle. Haverá ainda, no roteiro da programação, ciclo de palestras de Meio Ambiente, denominado Água e Saneamento, realizada em conjunto com a OAB de São Bernardo. O evento híbrido (presencial e online) se dará no dia 27 (quarta-feira), das 19h às 21h, no auditório da subsecção da entidade (Rua Vinte e Três de Maio, 215, Parque Anchieta).

Outra iniciativa, gratuita, ocorre na Biblioteca Municipal Machado de Assis (Avenida Araguaia, 284), no Riacho Grande, às 10h, com palestra de Fábio Paulino, especialista em Educação Ambiental da Universidade de São Paulo, sobre a história da Billings, sua relevância ecológica e papel no equilíbrio climático, além de exibição de curta-metragem e oficina, a partir das 14h, tendo como foco o contexto natural das áreas de mananciais.

As demais cidades não enviaram programação.

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