ABC tem mais de 2 mil desaparecidos desde 2022; a média é de 3 casos por dia

Número de desaparecidos é alto. Só em São Paulo foram mais de 20 mil no ano passado, só no ABC foram 922. (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Levantamento feito pela Secretaria de Segurança Pública a pedido do RD, mostra que a região tem uma média de três pessoas desaparecidas por dia. Apesar dos números terem caído pouco entre 2022 e 2023 a média continua parecida. Para o médico neurologista José Roberto Cardoso Murriset, questões psíquicas e também sociais levam pessoas a desaparecerem. Em geral, os números da secretaria apontam que a maioria é encontrada, porém ainda são muitas famílias que ficam anos sem respostas, sem saber se o familiar está vivo ou morto.

Em 2022, o número de registros de desaparecimento de pessoas na região chegou a 1.131 casos. No ano passado foram 922, desaparecimentos registrados, uma queda de 18,5%. A média diária de casos, no entanto ficou muito parecida ainda, 3,13 casos em 2022 e 2,6 casos por dia na média de 2023. O número de registro de pessoas encontradas cresceu bastante no comparativo dos dois anos, de 565 para 1.092 casos. No Estado foram 46 desaparecidos para cada grupo de 100 mil pessoas em 2022. Na região esse índice é um pouco menor; 42 desaparecimentos para cada cem mil habitantes. A SSP informou que em 2023, 20.522 pessoas desapareceram no Estado, sendo que 18.860 foram localizadas.

Newsletter RD

Motivos
Para Murriset, grande parte dos desaparecimentos estão ligados a problemas psíquicos que podem estar associados a questões sociais, de dependência química ou desentendimentos familiares. “Se a gente imaginar que, segundo estatística mundial, entre 10% e 12% da população tem algum tipo de transtorno como depressão, transtorno dissociativo de personalidade (transtorno bipolar), Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) ou esquizofrenia, temos aí já uma parte da explicação para essas situações. Quando a gente soma a isso o uso de drogas ou álcool esses transtornos se potencializam”, diz o neurologista.

Ivanir está desaparecida há quatro anos e um mês (Foto: Rede Social)

O especialista conta que os fatores sociais, como desemprego, falta de oportunidades e perda de vínculos familiares também são fatores que contribuem para o grande número de desaparecimentos. “Temos o idoso que se considera um fardo para a família e tem os jovens também. Os adolescentes são muito suscetíveis às variações de humor, estão vulneráveis à depressão, à problemática familiar, às cobranças e há também os casos em que são vítimas de abusos”, diz o médico que já coordenou Centro de Atenção Psicossocial.

Para o médico, falta atenção do poder público. “Faltam abrigos para a população que vive na rua, falta uma atenção social com atendimento multidisciplinar nos Caps. Principalmente para o jovem é preciso convivência familiar, educação e base escolar. É preciso dar limites também, o jovem hoje está muito exposto à internet onde se acha coisas boas e ruins. É preciso que os pais imponham limites, mas não é aos 20 anos, isso tem que ser desde pequeno”, completa Murriset.

Drama

Exemplo de transtorno associado à dependência química foi o que levou Ivanir Terezinha Alves a sair de casa no dia 8 de janeiro de 2020 e nunca mais ser vista. A mulher, dependente química, já tinha desaparecido outras vezes, mas nunca por mais de alguns dias. Ela saiu naquele dia de sua casa no bairro da Pauliceia, em São Bernardo, para ir até o Centro da cidade buscar remédios, mas desapareceu no caminho.

A família deu queixa na polícia, investigadores colheram várias informações. Durante muito tempo o marido dela, Jorge Salgueiro, fez buscas por contra própria em locais em que se concentram os usuários de drogas. Nos primeiros dias após o desaparecimento, em uma dessas conversas com usuários Salgueiro ouviu que Ivanir teria sido morta e enterrada em determinado local. A polícia chegou a escavar o local indicado, mas não encontrou nada.

Murisset diz que questões psíquicas, familiares e dependência química estão associadas aos casos de desaparecimento. (Foto: Divulgação)

O marido tem o desejo de reencontrar a esposa, mas a cada dia, mês e ano que se passam essa esperança diminui. “Acho difícil encontrá-la viva porque já são quatro anos. Muita coisa pode ter acontecido porque ela é usuária de drogas. Desanimei, parei de procurar, está tudo nas mãos da polícia. O que nos entristece é que nesse tempo todo não tivemos nenhuma pista sequer que fosse concreta”, diz Salgueiro.

O marido conta que a polícia se empenhou e não culpa os investigadores pela falta de pistas, mas a pouca estrutura compromete a investigação. “Tem muita gente desaparecida no Estado, a polícia não consegue dar conta. E tem muito preconceito também. Eu, que entrei nesse mundo a procura dela, entendo hoje a realidade dessas pessoas, mas tem muita gente que pensa que se é usuário, um a menos”, lamenta.

O RD solicitou uma entrevista com algum membro da Segurança Pública para falar dos casos, mas a pasta não disponibilizou ninguém para falar do assunto, em nota, relatou os procedimentos que devem ser adotados. “A Polícia Civil esclarece que, após esgotar todas as possibilidades de contato com a pessoa desaparecida, seja por telefone, mensagem ou outros meios, e também após verificar a impossibilidade de encontrá-la na companhia de amigos, familiares ou pessoas conhecidas, os familiares devem registrar o BO (Boletim de Ocorrência) por meio da Delegacia Eletrônica ou presencialmente em qualquer delegacia do Estado. O BO ativará um alerta para todos os policiais do Estado”, explica a pasta estadual da segurança.

Não é necessário esperar para fazer o registro. “É fundamental fornecer o máximo de informações possível sobre a pessoa desaparecida, incluindo dados pessoais como nome, RG, CPF, data de nascimento, endereço e telefone, além de características físicas, vestimentas, entre outras. Não é necessário aguardar 24 horas para realizar o registro da ocorrência. A Polícia Civil mantém um banco de dados de pessoas desaparecidas, acessível a todas as delegacias, especialmente aquelas especializadas em desaparecimentos, como a 5ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) ou o Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) das Delegacias Seccionais da Grande São Paulo. A inclusão no banco de dados é automática assim que o BO é registrado”, completa.

Receba notícias do ABC diariamente em seu telefone.
Envie a mensagem “receber” via WhatsApp para o número 11 99927-5496.

Compartilhar nas redes