Depois de chamar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “comunista” e “corrupto” durante a campanha e de convidar Jair Bolsonaro para a posse antes do presidente em exercício, Javier Milei deu os primeiros sinais de que seu governo será mais pragmático do que prometeu como candidato, avaliam analistas.
A visita de sua futura ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, no fim de semana, não foi o único sinal de mudança de curso. Ela já havia se reunido com o embaixador da China em Buenos Aires e, assim como fez ao presidente Lula, convidou o líder chinês, Xi Jinping, para a posse, no dia 10. A China também foi alvo de ataques na campanha.
Mudanças de nomes dentro do futuro gabinete, especialmente na área econômica, bem como aliança com o partido de Mauricio Macri, o PRO, e com peronistas de Córdoba, sinalizam um Milei diferente daquele da campanha eleitoral, que falava de motosserra, comunistas e corruptos.
“Milei aos poucos está mostrando um estilo de liderança pragmático”, aponta Facundo Galván, professor de Ciência Política da Universidade de Buenos Aires (UBA). “Convidou para o seu gabinete figuras tanto do peronismo como do PRO. E, de fato, não há no momento tantas figuras do partido libertário na divisão de cargos. Somente alguns nomes de extrema confiança de Milei, como a própria Mondino.”
Nas primeiras horas após a vitória nas urnas, nomes clássicos da coalizão A Liberdade Avança que haviam sido confirmados para cargos, como Emilio Ocampo para o Banco Central e Carolina Píparo para a Anses (entidade de assistência social), foram afastados do futuro gabinete. Outras ausências, como de Ramiro Marra, ex-candidato a prefeito de Buenos Aires e um aliado próximo de Milei, chamam atenção.
“Milei sempre demonstrou um tom mais desordenado, mas agora tem se mostrado mais realista e pragmático”, diz o analista político pela UBA Pablo Touzon. “Por exemplo, a indicação de Luis ‘Toto’ Caputo para a Economia, que é uma espécie referência do macrismo, implica praticamente eliminar uma das ideias centrais da sua campanha, que era a dolarização.”
Essa moderação já era, de certa forma, esperado, segundo o professor de Ciência Política da Universidade Católica Argentina (UCA) Fabian Calle. “O PRAGMATISMSão todos gestos de normalidade, porque ele sabe que seu principal desafio é a economia.”
Além de ajustar a economia, que hoje bate 142% de inflação, Milei precisa construir apoio no Congresso e nos governos das províncias para seguir com suas promessas de campanha.
Brasil
O maior passo atrás do novo presidente até agora é no trato com o Brasil de Lula. Dias antes do fim da corrida eleitoral, Milei havia afirmado em entrevista que não se reuniria com o presidente brasileiro. O deputado Eduardo Bolsonaro foi uma presença marcante em sua campanha.
Após a visita surpresa de Mondino, Milei poderia até mesmo manter o peronista Daniel Scioli como embaixador no Brasil. Candidato derrotado à presidência argentina em 2015, Scioli é um político reconhecido por ter conseguido manter como diplomata a ponte entre os países nos momentos de maior atrito entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández, e por ter boa circulação entre os diversos espectros da política brasileira.
“A impressão que tenho é de que, com o Brasil, Milei está tentando reverter tudo o que disse”, indica Touzon.