O apagão do dia 3/11, que em algumas regiões levou mais de 100 horas para ser resolvido, tem saída, o enterramento da rede elétrica. Porém, abrir todas as ruas das cidades e construir túneis para acomodar fios de eletricidade e cabos de telecomunicações levaria décadas e custaria caro para os usuários. Após o temporal, o assunto ganhou força na Capital, onde menos de 1% da rede elétrica é subterrânea. No ABC, as prefeituras sequer têm projetos junto com a concessionária de energia Enel para esse modelo.
Para o professor Edval Delbone, do curso de Engenharia Elétrica do Instituto Mauá de Tecnologia, a fiação subterrânea resolveria muitos problemas aos quais a rede elétrica está sujeita, como queda de árvores, telhas e outros objetos que podem voar durante uma tempestade, curtos causados também por ventania, vandalismo ou um blecaute porque um veículo bateu num poste. “Além da fiação ficar mais protegida, a cidade também ganha um visual mais agradável, com menos poluição visual. Também vamos preservar melhor as árvores que hoje são drasticamente podadas para os galhos não tocarem na rede”, avalia.
O professor porém admite que o custo para as cidades e para os moradores seria enorme. Levaria algumas décadas até abrirem-se buracos por todas as ruas e construírem túneis, porque não basta colocar o fio no chão, tem de ter uma galeria, porque eles têm de ser acessados para manutenção. “O custo é alto para a sociedade, mas tem de começar em algum momento. Se as companhias concessionárias começarem e cumprirem os prazos estabelecidos, um dia teremos uma rede mais eficiente. Esse é um desafio, mas se Londres conseguiu fazer, Nova York também, a Grande São Paulo também consegue”, analisa Delbone.
‘Caos elétrico vai se repetir’
O professor da Mauá considera que os fenômenos climáticos extremos mais frequentes trarão novamente o mesmo caos elétrico que aconteceu no dia 3. “Se falou em poda de árvores, mas certamente não conseguiram resolver toda a demanda de poda. Como a Enel foi muito criticada, talvez ela consiga dar uma resposta um pouco mais rápida agora, mas evitar apagões será difícil”, completa.
O RD procurou as sete cidades da região e indagou sobre projetos das próprias administrações ou feitos em parceria com a Enel para o enterramento de fios. Apenas três cidades responderam ao questionamento e nenhuma revelou projetos neste sentido.
Diadema, que conta com 24 mil postes de energia, segundo estimativa da Prefeitura, não tem projeto e nem áreas na cidade com enterramento da fiação elétrica. “Também não há tratativas entre a Enel e a Prefeitura sobre enterramento da fiação”, diz em nota.
São Bernardo também não disse nada sobre projetos para enterrar a fiação elétrica. O município informou que são 61.533 postes da concessionária de distribuição na cidade.
Já Rio Grande da Serra diz não ter um cadastro dos postes existentes em sua área. No município os locais que possuem fiação enterrada são os parques dos Ipês e Linear. A Prefeitura também disse que não há nenhuma tratativa com a Enel para passar os fios para o subterrâneo.
Enel
O posicionamento da Enel em relação a enterramento da rede elétrica está baseado nos custos das obras, que seriam repassados para todos os usuários que pagam contas de luz. “A Enel Distribuição São Paulo esclarece que o padrão da rede elétrica no Brasil é de redes aéreas. Este padrão é adotado por todas as distribuidoras do País. O enterramento de cabos ocorre em casos específicos e segue critérios técnicos e econômicos quando o investimento é considerado prudente. Isso ocorre uma vez que, de acordo com artigo 110 da Resolução.1000/202 do setor elétrico brasileiro, os investimentos realizados nas redes de distribuição no País devem prever a razoabilidade dos custos, pois são repassados às tarifas de energia dos consumidores nos processos de revisão tarifária das distribuidoras”.
CREA-SP
O CREA-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo) também considera que fiações de energia e de telecomunicações ficariam mais protegidas se estivessem no subsolo. Segundo o engenheiro eletricista Paulo Takeyama, coordenador adjunto da Câmara Especializada de Engenharia Elétrica (CEEE) do Crea-SP, é uma solução bastante atrativa quando o obstáculo que impede o funcionamento do serviço é externo. “A resolução total é algo muito difícil de se alcançar, mas o prejuízo causado por queda de árvores ou de postes, seja por ação meteorológica ou acidentes, poderia ser grandemente minimizado com o enterramento dos fios”, afirma.
Takeyama conta que a instalação subterrânea, quando bem feita, exige menos manutenções corretivas que as tradicionais. “A média nacional dessas instalações gira em torno de 2%. No Estado, menos ainda, 0,3%. Ou seja, ainda existem poucas e acredito que isso acontece por conta do preço”, afirma.
O engenheiro conta que, apesar da vantagem econômica a longo prazo, instalar os fios embaixo da terra exige custos 8 a 10 vezes maiores, porque requer a viabilização de túneis. Uma opção citada por Takeyama seria a utilização das vias de transporte, como o metrô, mas não basta apenas o aproveitamento das galerias, é necessário ter esse uso projetado antes mesmo das escavações.
Operação multidisciplinar
Para Takeyama, a instalação subterrânea bem feita fica menos sujeita a vendavais, mas é mais complexa. A comparação está na resistência dos modelos: historicamente, em projetos aéreos, os postes e as linhas preveem ventos entre 80 e 85 quilômetros por hora. Nos últimos registros, os ventos alcançaram mais de 100 km/h. “É um dano da natureza por um fenômeno de proporções maiores do que o previsto”, comenta. O controle disso foge do planejamento e depende de um trabalho multidisciplinar de muitas engenharias e, no caso da instalação subterrânea, muito mais, explica Takeyama, porque é uma instalação mais complexa.
O coordenador do CREA-SP considera que os problemas com apagões poderiam ser evitados com o planejamento. “A verdade é que o planejamento de toda a cidade precisa de muitos profissionais e nas redes elétricas e de telecomunicações sem dúvida, pois temos intervenções da Engenharia Civil e da Geologia, quando há o enterramento de cabos, e da Engenharia Agronômica e Florestal, em estruturas expostas e em contato com árvores, além da Engenharia Elétrica e de Telecomunicações”, completa o engenheiro.