Bibliotecas públicas viram depósitos de livros e afastam leitores

Livros para serem descartados na biblioteca de Ribeirão Pires, que fica em galpão inadequado, segundo conselho de cultura (Foto: Reprodução)

Desinteresse pela leitura de livros físicos e a falta de investimentos nas bibliotecas públicas para modernizá-las e torná-las mais atrativas com a introdução de diferentes expressões artísticas é o retrato da região relatado por conselheiros de cultura. Na região há acervos bibliográficos em deterioração e bibliotecas fechadas, em contrapartida há iniciativas externas ao poder público que levam a literatura para as periferias.

Em março, o RD mostrou que seis bibliotecas públicas estavam fechadas no ABC (veja aqui). Algumas fecharam para dar lugar a outros equipamentos ou estavam em reforma, mas o caso mais grave é o da Biblioteca Municipal Olavo Bilac, em Ribeirão Pires, onde o acervo ainda se encontra num galpão em deterioração.

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A Olavo Bilac está em um imóvel no Parque Oriental, onde Conselho Municipal de Políticas Culturais teme pela deterioração do acervo, a mercê de pombos e corujas que habitam o espaço. “É uma tristeza falar disso, porque de fato a leitura e o acesso aos livros é muito mais do que passar páginas, ler um trecho ou juntar palavras, tem a ver com a memória do povo, do território, com memória coletiva, conquistas coletivas. Infelizmente, isso tem sido negligenciado, é um abandono total. Possivelmente a cidade tenha perda significativa de acervo histórico”, alerta presidente do conselho, Fernanda Lima.

Na última Conferencia Municipal de Cultura foi aprovada nota de repúdio. “A biblioteca está num lugar inadequado por mais de três anos, sem ventilação ou ambientação adequada. Tem muito barulho, pombas e corujas têm acesso aos livros e muita poeira acumulada. Tem uma verba de R$ 250 mil do deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT), para a modernização da biblioteca e o governo federal recusa a aplicação da verba por conta da instalação inadequada. A biblioteca é um bem material e imaterial e que tem toda uma memória afetiva a ser preservada”, diz Fernanda.

A administração anunciou a transferência da biblioteca para o saguão do Teatro Euclides Menato, mas o conselho está preocupado com a mudança. “A literatura nos permite sonhar com um mundo mais justo, igualitário onde todos tenham acesso à felicidade, a literatura tem essa sensibilidade de transformar realidades, por isso é importante o público acessar os livros e também as bibliotecas vivas que dialoguem com o nosso território”, completa.

Biblioteca da Rede Beija Flor em Santo André. (Foto: Reprodução)

Conselho sem acesso em São Caetano

Em São Caetano, são duas bibliotecas municipais, a Paul Harris e a Esther Mesquita. Ambas estão em funcionamento, mas o Conselho Municipal de Cultura não tem acesso às informações sobre ambas, porque estão vinculadas à Secretaria de Educação e, por isso, o conselho não pode discutir a temática, tem pouco espaço para deliberação. “O conselho quer o fomento para que tenham outras expressões artísticas e com isso atraiam mais frequentadores, mas com esse gargalo de estar em outra secretaria não conseguimos ter respostas. É preciso pensar os acervos e transformá-las em espaço de debate e de diversas apresentações culturais”, diz Rondinelly de Lima, membro do conselho.

Em Santo André, o problema é fazer a literatura chegar aos pontos mais distantes, nas periferias e regiões mais carentes. Essa dificuldade do poder público abre espaço para entidades que fazem esse trabalho como a Rede Beija-flor de Pequenas Bibliotecas Vivas de Santo André. Que leva a núcleos habitacionais os livros de forma itinerante ou mesmo em locais cedidos pela própria comunidade.

Biblioteca tem de ser viva

Marilena Nakano faz parte da rede e conta que a entidade e outras ocupam o espaço deixado. “O poder público está ausente e não chega em determinados territórios; na zona sul da cidade não tem biblioteca pública. Onde tem biblioteca o formato não é adequado, pois elas estão estruturadas apenas para serem lugar para guardar livros. Nós entendemos que uma biblioteca tem que ser viva. Nosso trabalho é feito para que a população assuma a biblioteca como sua”, aponta.

Marilena conta que há bibliotecas fechadas para reforma e essa deveria ser uma oportunidade para os funcionários e o acervo circularem por regiões da cidade. “Quando a gente não tinha espaço físico nós fazíamos atividades nas ruas e até em campinhos de futebol, bastava colocar um tapete no chão que a criançada aparecia para contação de histórias. Esse encantamento acontece mesmo que não se tenha um espaço. A prefeitura precisa discutir seu modelo de biblioteca, pois é muito difícil o deslocamento dos bairros para o Centro”, diz.

A Rede Beija Flor tem bibliotecas, no bairro Sacadura Cabral, na ocupação Eucaliptos e no Sítio Taquaral-Parque Andreense. Uma dessas lojas funciona em uma oficina, num espaço cedido pelo comerciante para essa finalidade. Marliena Nakano não integra o Conselho de Cultura, mas participa de todas as reuniões. A rede tem estudado o orçamento municipal para as bibliotecas e tem percebido redução significativa dos recursos. “A cidade se esconde atrás do orçamento do governo federal, mas o investimento do município para essa área está diminuindo”, diz.

Prefeituras

Ribeirão Pires diz que tem projeto para a reformulação da biblioteca Olavo Bilac, a única da cidade, e que investiu em outra frente. “A Prefeitura investiu no CHL (Centro Histórico Literário) Ricardo Nardelli, com reestruturação e aquisição mobiliário. Além disso, recebemos obras por meio de doação e também com o Projeto Sementeira. A maior ação é a Flirp (Feira Literária de Ribeirão Pires), que chegou em sua segunda edição, em outubro. A feira sempre recebe editoras renomadas e independentes. Esse ano, a feira prestigiou o legado de Clarice Lispector, com debates e atividades em torno da obra da escritora. Além disso, a municipalidade elabora oficinas de leituras”.

Santo André informa que tem 19 bibliotecas e dois espaços de leitura, com mais de 328 mil exemplares, e que investiu, nos últimos 12 meses R$ 57,8 mil na atualização do acervo. Além disso, todas as escolas municipais contam com acervo literário. Administra nove bibliotecas situadas nos Cesas (Centros Educacionais de Santo André). “A Rede de Bibliotecas de Santo André promove atividades de incentivo à leitura por meio do projeto “Hoje é Dia de Biblioteca”, que engloba empréstimos de obras: incentivo à associação à biblioteca para os moradores do ABC, sem restrição de idade ou obrigatoriedade comprovação de endereço e oferecimento de ações culturais para todas as idades, incluindo ações permanentes com alunos da rede municipal de ensino, como campanhas de leitura, criação de espaços de leitura em bibliotecas, encontros literários, contação de histórias, visitas monitoradas, exposições temáticas, palestras temáticas, saraus e outras atividades”, diz em nota.

Santo André anunciou o lançamento, em breve, do Espaço de Leitura Centro Pop, na avenida Queirós dos Santos, 736, voltado à população em situação de rua, e a biblioteca Integrada de Artes: Localizada no espaço A Casa, situada na avenida Industrial, 1.740, uma unidade especializada na área das Artes, com enfoque especial em artes visuais, cinema, dança e teatro.

Virtual
São Bernardo tem um sistema de cessão de livros digitais através de plataforma e aplicativo, além das bibliotecas físicas. Possui quatro bibliotecas municipais (Monteiro Lobato, Machado de Assis, Érico Veríssimo e Guimarães Rosa), além de uma especializada (Biblioteca de Arte). Há ainda três espaços de leitura (Gibiteca, Espaço Braille e Espaço Troca Livro) e o programa Espalhando a Leitura. Juntos, contam com mais de 98 mil registros online e 118 mil exemplares físicos. Em 2022, os equipamentos receberam 88.689 mil visitas e foram realizados mais de 36 mil empréstimos e 4 mil renovações.

“A administração disponibiliza sistema online e gratuito para empréstimos de livros nos formatos digital e em áudio. A iniciativa oferece mais de 44 mil títulos que podem ser acessados tanto no portal http://bibliotecadigital.saobernardo.sp.gov.br quanto no aplicativo Tocalivros, disponível para smartphones, tablets e computadores. Nos últimos anos, a Prefeitura tem realizado investimentos mensais para ampliar a programação cultural da cidade voltada à leitura, como as ações Contação de Histórias, Clube de Leitura, Literatura é o Bixo, Roda de Conversa e Mundo Livro. Na Educação, todas as unidades escolares municipais possuem espaços para atender os estudantes e fomentar a leitura, sendo 104 bibliotecas e 64 salas de leitura. A Secretaria de Educação investe R$ 3 milhões na compra de novos livros para incrementar o acervo das bibliotecas escolares, que hoje contam com 2 mil a 6 mil exemplares, e dos espaços de leitura, que têm atualmente 500 a 1,5 mil títulos”, informa em nota.

Acervo

Rio Grande da Serra tem apenas uma biblioteca com 2,5 mil títulos. A prefeitura não informou quanto foi investido no acervo em 2022. “O investimento da Secretaria de Educação direciona despesas para diversos setores, inclusive a biblioteca municipal. Assim, nossa biblioteca está dentro do protejo pedagógico municipal. As escolas desenvolvem durante o ano letivo projetos pedagógicos de incentivo a leitura, como a maleta da leitura, onde os alunos toda semana levam para casa um livro e desenvolve juntamente com a família a leitura do livro e a ilustração da historia contada no livro e o projeto canto da leitura desenvolvido na Unidade Deputada Ivete Vargas – Ensino Fundamental, anos iniciais, onde os alunos realizam a leitura de livros e atividades como rodas de conversas e debates sobre os temas abordados”, diz em nota.

Diadema

A prefeitura de Diadema tem sete bibliotecas e três salas de leitura que totalizam mais de 46 mil exemplares. A prefeitura disse que esse ano não renovou o acervo, porém foi feito investimento nas bibliotecas das escolas. “Todas as escolas Municipais em Diadema tiveram, em 2022, os seus acervos literários renovados, as escolas de educação infantil (parcial e creche) em 2023 também irão receber do MEC novos acervos cada escola (parcial e creche) receberá entre 200 a 600 obras literárias para compro o acervo. Nem, todas as escolas têm um espaço físico destinado para a biblioteca, umas tem espaços que podemos chamar de “Espaços de Leitura” e outras organizam o uso dos livros em sala de aula. Em 2023 o programa Leiturando trabalhou com a formação dos professores do infantil, sendo 46 escolas e com os coordenadores, aproximadamente 60. Quanto ao programa Leiturando para o próximo o foco será em reorganizar os espaços de leitura nas escolas, Secretaria de Educação atuando com as escolas”, diz a prefeitura em comunicado. A cidade também realiza a FLID (Feira Literária de Diadema)  anualmente, tem uma biblioteca itinerante montada em um ônibus além de saraus, rodas de leituras, contações de histórias. Com a inauguração do Quarteirão da Educação a cidade planeja uma nova e moderna biblioteca.

Mauá

Mauá tem seis bibliotecas (Cecília Meireles – Central, Paulo Freire, Castro Alves, Poeta Edson Bueno de Camargo e Radamés Nardini). A Prefeitura informa que não tem planos de abrir mais biblioteca e diz que todas as escolas contam com Canto de Leitura com vários títulos. “Ao longo do ano é desenvolvido o Projeto Livro e Leitura, com ricas experiências apresentadas pelos professores da rede municipal. Nestes projetos, os alunos participam de rodas de conversa e leitura, em que desenvolvem diferentes atividades relacionadas ao que ouviram e observaram estas leituras”, resume a prefeitura.

São Caetano não respondeu.

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