Câmara estuda regime de urgência do PL da praticagem em meio a reclamações da navegação

A Câmara dos Deputados pode pautar em breve o pedido de urgência para tramitação do PL 877/22, que prevê a regulamentação econômica da praticagem, conforme apurou o Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado. Diante da perspectiva de avanço da matéria, o setor de navegação se movimenta contra aspectos do texto em discussão, considerando-os prejudiciais às suas operações, conforme descreve a Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac).

A praticagem é a atividade que conduz os navios na entrada e saída dos portos, tanto na sua navegação no canal de acesso quanto na atracação e desatracação. O serviço é realizado a bordo pelo prático, profissional que embarca de sua lancha no navio em movimento, a partir de uma escada estendida no costado da embarcação. A atividade busca trazer maior segurança na navegação em áreas com tráfego mais intenso e outras características que um comandante pode não ter familiaridade.

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“Embora a Lei 9.537, de 1997, faça apenas menções pontuais ao referido serviço, compreendemos que o volume do tráfego marítimo brasileiro e a necessidade de garantir a competitividade de nossos portos e a manutenção da segurança em nossas águas demandam uma normatização mais clara e detalhada do serviço de praticagem”, argumenta o senador Nelsinho Trade (PSD-MS) em sua justificativa ao projeto já aprovado pelo Senado e agora em análise na Câmara.

A proposta elenca as capacitações necessárias para exercer e manter a habilitação do serviço de praticagem pela autoridade marítima e estabelece a constituição dos serviços, a remuneração, os parâmetros para que a autoridade marítima institua anualmente a lotação dos profissionais e os casos em que a autoridade marítima poderá conceder Certificado de Isenção de Praticagem.

O advogado Rafael Marinangelo, sócio responsável pela área de infraestrutura do escritório Emerenciano, Baggio e Associados Advogados, diz que, entre as vantagens da regulação, está o aumento da segurança da navegação, reduzindo risco de colisões e encalhes por conta de profissionais não habilitados. Observa, porém, que a regulação implica na burocratização do setor e no possível aumento de custos da atividade. “Ainda que seja um impacto relevante, tende a diminuir com a absorção da normatização e com a automatização das tarefas, assim como com o aumento da qualidade da prestação”, diz.

Reclamações

Embora concorde com a necessidade de regulação da atividade, o vice-presidente da Abac, Luis Fernando Resano, diz que as articulações estão tendendo para uma visão que coloca o setor de navegação em desvantagem. “Na prática, o que está sendo desenhado é uma regulação econômica temporária e sem efeito”, diz Resano, que reclama da “espécie de monopólio” em que o serviço é oferecido.

“Temos que contratar o serviço e precisa ser de grupos que atuam naquelas áreas específicas. O poder de negociação é quase zero. Eu não posso reclamar e, se reclamo, não tenho quem contratar. A negociação tem sido muito difícil e os preços têm disparado, subindo mais que os custos Brasil. Hoje estão com reajuste muito acima da inflação, com reajuste de 30% a 40%”, afirma o representante.

Segundo Resano, um dos pontos que podem refletir em enfraquecimento para a navegação é a extinção da possibilidade de habilitar comandantes para navegar em áreas de praticagem já conhecidas por eles. “O comandante que vai muito para esse porto não precisa usar o prático. Temos esse pleito, está na lei, mas está sendo retirado”, diz.

O texto articulado na Câmara ainda não foi tornado público. O Broadcast teve acesso a trechos com exclusividade. Na versão articulada e que deve ser apresentada em breve, foram estabelecidos critérios mais rigorosos do que previsto no início dos debates. Em versão de 2019, previa-se que a autoridade marítima poderia “habilitar comandantes de navios de bandeira brasileira a conduzir a embarcação sob seu comando no interior de Zona de Praticagem específica ou em parte dela, sem a assessoria de prático”.

Agora, o texto limita essa possibilidade a navios de até 100 metros de comprimento, tendo que ser o comandante brasileiro com experiência mínima de seis meses na área, com dois terços da tripulação também brasileira, mediante análise de risco prévia.

Até aqui, a regulação é feita pela Marinha. Um pleito antigo do setor de navegação era de que questões como a arbitragem de preços fosse feita pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). No texto de 2019, previa-se que essa prerrogativa seguisse com a Marinha. No texto atual, há previsão de composição de conselhos que irão reunir membros de Marinha e Antaq, além de representantes da navegação e da praticagem.

Contrapontos

O advogado Marinangelo aponta que há discordâncias dos dois lados. Enquanto observa as reclamações de reforço ao monopólio, diz que há também percepção do contrário entre os práticos, que percebem aumento de concorrência. “Os tomadores do serviço alegam o retrocesso dos diálogos tendo em vista que a legislação não prevê regras mais específicas para prevenir os monopólios e os altos preços cobrados pelos práticos, condições que a norma infralegal permitia”, avalia.

“A prática da livre iniciativa e livre concorrência, aliada às normas para o processo seletivo da categoria, por sua vez, não foram bem aceitas pelos práticos que acreditam que os seus recebimentos serão reduzidos pela possibilidade de concorrência e atuação da autoridade competente nos abusos de poder econômico e os custos aumentados para obediência à nova lei”, complementa.

A Praticagem do Brasil, principal entidade do setor, diz em nota que estranha a crítica isolada envolvendo o debate e a construção conduzida pelo Legislativo, que, segundo a representante, após ouvir todas as partes interessadas, evoluiu em prol de um texto comum, sem nunca perder de vista a segurança da navegação e os interesses do País. “Os debates prestigiaram a livre negociação entre as partes, trazendo mecanismos mais modernos de regulação da atividade”, afirma.

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