O governo do Estado anunciou a contratação de cerca de mil vigilantes para cuidar do acesso às escolas. A medida, segundo o governo, visa reforçar a prevenção de casos de violência nos colégios estaduais. Na segunda-feira (23/10) uma adolescente de 17 anos foi morta a tiros por um colega dentro da escola Sapopemba, na Capital. Esse foi o segundo episódio de violência nas escolas paulistas este ano. Especialistas de educação e segurança pública condenam veementemente a medida governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e dizem que a medida não ataca a causa do problema.
Para André Stábile, especialista em gestão de cidades, com ênfase em educação e ex-secretário de Educação em São Caetano, o governador tem sido mal orientado na definição de políticas para a área. “Primeiro chegou a sugerir o fim dos livros em papel para trocá-los por livros digitais, quando ele mesmo tem participação em uma empresa de tecnologia, agora para tentar dar uma resposta para um problema tão complexo tira da cartola uma bala de prata. Pelos próprios números que apresenta, ele vai gerar ainda mais desigualdades, pois algumas escolas terão um segurança e as outras como ficam? O Estado tem mais de 6 mil colégios e cerca de 6 milhões de estudantes. Essa é uma saída midiática que não ataca das causas do problema”, diz Stábile, membro do Movimento pela Base Nacional Comum Curricular e fundador do Instituto Educacionista.
Capital político
Segundo Stábile, o caso de Sapopemba parecia evitável. “O rapaz parece que já vinha sendo alvo de bullying e já esteve envolvido em brigas. Se houvesse um trabalho de formação de professores para a identificação e encaminhamento desta situação e um programa para evitar o bullying isso poderia ter sido evitado. Não adianta colocar grade, polícia dentro da escola, cerca, cachorro ou ainda um vigilante com, quem sabe que tipo de preparo, para resolver. Se houver algum ataque numa escola onde o segurança esteja e a ação for evitada o governador vai querer colher o capital político disso, mas se acontecer uma tragédia, cai tudo por terra de novo”, diz.
Uma realidade é que as escolas do Estado hoje se assemelham mais a presídios do que a instituições de ensino. Para Stábile, isso interfere nas relações sociais dentro da escola e gera ainda mais mal estar e conflitos. Cita estudos em que mostram que os ambientes de aprendizagem impactam nas relações humanas, na produtividade. O ambiente com grades, mal iluminados, com banheiros em mau estado e professores mal remunerados fazem a escola parecer mais um aparato correcional.
“Os jovens já reproduzem a violência das ruas, os professores são cada vez mais afastados por problemas de saúde, dados da Apeoesp mostram que são milhares de afastamentos. O governo fala em investimentos na Educação, mas cortando cerca de 15% do orçamento para alocar na saúde, nem alinhamento político há no discurso do governador. Eu sugeriria que o governo aproveitasse a experiência do programa Saúde da Família, e incluísse nas visitas dos agentes de saúde a visita nas escolas e que cada aluno tivesse uma ficha médica”, completa.
Ridículo
O professor Fernando Luiz Cássio Silva, doutor em Ciências pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC), também não considera adequada a resposta dada pelo governador a mais uma tragédia numa escola do Estado. Para Silva, responder a essa situação com contratação de segurança mostra que não se compreende que há um problema educacional que tem dimensões pedagógicas, administrativas e políticas e também problemas na forma como se concebe o tema da violência, das armas, é muito mais do que isso. “O Estado já deveria, considerando que já tivemos tragédias horríveis com mortes, entender que simplesmente reforçar o policiamento dentro ou fora da escola, ou contratar seguranças, é realmente ridículo”, analisa.
Para o especialista em educação da UFABC, também o caso do Sapopemba poderia ter sido evitado se o Estado tivesse agido na causa do problema. “O que se sabe neste caso é que foi cometido por uma pessoa em sofrimento psíquico e que se sentiu autorizada em pegar uma arma e matar”, completa.
Medida casuísta
Até mesmo na área de segurança pública, a decisão de colocar profissionais de segurança nas escolas não é bem aceita. “Me incomoda muito esse tipo de decisão, uma medida casuística, o famoso jogar para a torcida e que não dá conta do recado; é mais uma política pública atrapalhada. Eu queria estar errado, mas o tempo deve mostrar que essa decisão será bem ruim”, avalia o professor do curso de Direito, David Pimentel Barbosa de Siena, coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e delegado de polícia.
Para Siena, medidas como essa, de colocar detector de metais, barreiras ou colocar um policial dentro do colégio, não vão dar certo. “O que traz mais perplexidade é que se trata de segurança privada, pois pode-se até discutir a legalidade da medida. Até que ponto vão poder atuar esses seguranças, porque eles não têm poder de polícia. Um segurança privado não vai atacar as raízes do problema, vai tentar lidar apenas com os sintomas de graves problemas, como bullying escolar, ataque em massa e atirador ativo em ambiente escolar”, opina.
A literatura criminológica é quase que uníssona dizendo que isso não funciona, diz Siena. “A gente tem algumas experiências mais exitosas. Tem hoje um modelo de prevenção a ataques em ambiente escolar, instituído pelo serviço secreto dos EUA, onde mais tem ataques em escolas, não por acaso, já que é um país que mais tem armas. Lá tem como prevenir esses ataques e como agir no caso deles acontecerem. São dois momentos; um guia preventivo e um guia operacional, para se ocorrer os ataques, coisa que a gente não deseja, mas alguém tem que pensar a respeito”, afirma.
Equipe de prevenção de riscos
Para Siena, a prevenção é que mais interessa e todos os autores que trabalham com isso dizem que precisa começar a criar uma equipe de prevenção de riscos, mas não há instituições com essa equipe no Estado. O grupo é composto por profissionais da saúde mental, assistentes sociais, professores, funcionários da instituição e representação discente, alunos ou grêmio acadêmico. Essa equipe vai fazer uma análise preditiva de potenciais casos de atiradores ativos. “Para ela fazer essa análise tem de se estabelecer um critério. Dos fatores de risco, o bullying é talvez o principal, mas não é o único, tem também o abuso de consumo de certas substâncias. Não quer dizer que todo aluno que sofra bullying será um atirador potencial, mas a equipe, que tem que ser permanente, analisa com olhar treinado”, explica.
A análise dos casos potenciais deve levar em consideração as relações do aluno na escola e também como ele se comporta nas redes sociais. Todas as informações devem ser concentradas em uma central e que é alimentada também por denúncias. “O ideal é que haja um canal central de informações. Hoje isso pode ser feito inclusive por meio eletrônico. Quarto passo é estabelecer os limites da atuação policial, porque a gente não pode transformar a escola em uma delegacia ou em um batalhão da polícia, ou ainda uma prisão. Precisa estabelecer parâmetros de atuação da polícia, nem cogito a segurança privada, que a meu juízo é o Estado abrindo mão do poder de polícia que está em suas mãos. Por isso, acho bem complicada essa decisão do governador”, diz Siena.
A última etapa dessa cartilha de procedimentos preventivos é definir para qual autoridade o representante da equipe vai passar os casos potenciais. “Depois disso, claro, se deve pensar a parte de uma educação livre de bullying, que é fundamental para termos ambientes escolares seguros”, completa o professor da USCS.