
Um projeto de lei de autoria do vereador Márcio Colombo (PSDB) e que acabou sancionado pela própria Câmara de Santo André após a derrubada do veto do prefeito Paulo Serra (PSDB) está trazendo polêmica na cidade, isso porque mexe com uma questão que divide conservadores de direita e militantes de esquerda: o aborto. A nova lei proíbe o poder público de realizar campanhas ou manifestações em apoio ao aborto que é permitido em lei federal em situações específicas como aquelas em que a mãe corre risco de vida, se o feto tem anecefalia ou se a gravidez é resultado de violência sexual.
O trâmite da matéria na Câmara teve pareceres de inconstitucionalidade e ilegalidade, primeiro foi da assessoria técnica da Casa, depois do relator da Comissão de Constituição e Justiça, vereador Toninho Caiçara (PSB). Na votação do projeto, no entanto, Caiçara votou favorável e o projeto foi aprovado com apenas um voto contrário, do vereador Ricardo Alvarez (PSol). O prefeito Paulo Serra apresentou veto total à medida, também alegando inconstitucionalidade, porém o veto foi derrubado com apenas dois votos a seu favor, novamente de Alvarez e também de Wagner Lima (PT).
Os movimentos que reúnem mulheres e conselhos e combateram duramente a lei municipal que foi sancionada no dia 4 de setembro. “Essa situação mostra o ódio explícito que ele (Colombo) tem das mulheres ao achar que com uma lei ele pode dominar nossos corpos. Ele quer apagar nosso direito de decidir o que a gente quer no nosso corpo”, diz Sol Massari Mestre em Serviço Social, psicopedagogia, que é membro do Grupo Tortura Nunca Mais e presidente do Conselho Municipal de Direitos Humanos de Diadema.
Para Sol o aborto é a pior coisa que pode acontecer com uma mulher e ela não faz isso porque quer, é uma decisão muito difícil. “Quando se toma uma atitude como essa, se leva cada vez mais mulheres a fazerem o aborto clandestinamente. Uma mulher que pode pagar vai a uma clínica, a que não pode recorre aos chás, ou até ao uso de agulhas de crochê para interromper essa gravidez não desejada. Por causa disso é que muitas vão parar em hospitais em estado grave de saúde. O vereador não está preocupado com as mulheres ele usa essa falsa moralidade para demonstrar seu machismo e misoginia”, completa.
Para Luiza Fegadolli, coordenadora do Movimento de Mulheres Olga Benário, a lei é um ataque direto ao direito das mulheres por vários motivos. “A lei foi proposta e aprovada na surdina, sem a participação dos movimentos de mulheres, sem a participação do Conselho de Mulheres da cidade, tratorando o direito das mulheres de Santo André. A lei proíbe os funcionários públicos de falar sobre o acesso ao aborto nos casos legais. A gente luta pela ampliação do direito ao aborto no Brasil, inclusive porque boa parte dos casos de estupro que acontecem no país são de crianças e o aborto é necessário nesses casos, e também porque em outros países tem se aprovado a legalização do aborto, fruto da luta das mulheres. A aprovação dessa lei vai exatamente na contramão do que os movimentos de mulheres têm discutido que é a ampliação desse direito”.
Segundo a coordenadora do Movimento Olga Benário as mulheres pobres precisam ter acesso ao aborto de forma legal. “Hoje as mulheres ricas têm acesso, mesmo em clínicas clandestinas. As mulheres pobres morrem, as crianças que são estupradas dentro de casa ou são mortas ou obrigadas a terem os filhos, mesmo sendo crianças. Essa lei é um ataque aos direitos das meninas, crianças, adolescentes e mulheres. Vai na contramão do que a sociedade tem debatido. O movimento preparou uma série de atividades com o objetivo de pressionar pela revogação dessa lei”, diz. Uma dessas atividades aconteceu na última semana em reunião do Conselho de Mulheres da cidade. No domingo (17/09) ocorre uma reunião na Casa da Mulher Trabalhadora Carolina Maria de Jesus para organizar mobilizações no ABC. Antes, na quinta-feira (14/09) acontece atividade sobre Justiça Reprodutiva na mesma casa e no dia 28/09 o movimento vai levar o assunto para o Dia Internacional de Descriminalização do Aborto que terá marcha na Capital paulista.
De outro lado o autor da lei diz que a mesma está amparada na vontade popular. “Não concordo que as mulheres tenham ficado insatisfeitas, pois a grande maioria concorda com a lei. O projeto não mexe com o que já está determinado pela lei federal, ele apenas diz que a administração pública não pode de forma alguma incentivar o aborto. O que ocorre é uma prática da esquerda de banalizar o aborto, eles (militantes de esquerda) querem ter a liberdade de defender o que a sociedade brasileira já repudia”, diz o parlamentar.
Colombo diz que está se confundindo as leis e essa confusão está entre a publicidade do aborto, que a lei proíbe e a informação de saúde sobre os direitos que a mulher tem, no caso de ser vítima de estupro ou diagnóstico de que a gravidez pode por a sua vida em risco ou ainda do feto ter confirmação de anecefalia. “No caso da mulher estar em atendimento de saúde ela pode ser informada sobre esses direitos, está na lei e a nossa nova legislação não interfere nisso, só diz que o aborto não deve ser incentivado, pois a vida deve ser defendida. Sendo o aborto um crime, exceto nas condições em que a lei permite, ele não pode ser incentivado”, diz o vereador tucano.
Para Márcio Colombo a resistência a lei é mais política e ideológica do que jurídica. “Tem os chorões, os militantes, mas a vida tem muito valor”, disse. O parlamentar diz que não vê estímulo ou incentivo ao aborto no atendimento à saúde de Santo André, mas a lei veio para evitar que isso ocorra caso outra corrente política diferente da atual, assuma o paço andreense. “Tem sempre a militância de esquerda que incentiva, então como o poder público é transitório, cabe aos conservadores, defensores da vida, tomar providências para que os pilares da sociedade não sejam abalados. Quem defende o aborto defende o crime, diferente do nosso projeto que conta com apoio da ampla maioria da sociedade”, completa o autor da lei.
A Defensoria Pública do Estado foi informada da aprovação da lei que faz referência ao aborto, em Santo André. O órgão considerou a medida inconstitucional. “A Defensoria Pública informa que, através do Nudem (Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres), tomou conhecimento da aprovação da Lei 10.702/2023. Por falta de previsão legal, a Defensoria Pública não possui legitimidade para propor uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), mas o Nudem avalia eventuais medidas cabíveis a serem adotadas em relação ao tema, ante sua flagrante inconstitucionalidade”, disse o órgão em nota enviada ao RD.