ABC - segunda-feira , 6 de maio de 2024

‘Contabilidade criativa pode voltar a ser usada’, diz economista

Pesquisador associado do Insper, o economista Marcos Mendes avalia que o desenho final do arcabouço fiscal aprovado na Câmara dos Deputados é “inconsistente” e teme que o governo Lula comece “a usar a contabilidade criativa” para fechar as contas. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Qual é a avaliação que o sr. faz da aprovação final do arcabouço na Câmara dos Deputados?

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As mudanças finais são apenas marginais. Elas não alteram a característica geral. É um modelo tipicamente de ajuste pelo lado da receita, com o agravante de que tem um ponto de partida de um desequilíbrio muito grande. A PEC da Transição (aprovada no fim do ano passado) permitiu que o déficit deste ano fosse orçado em mais de 2% do PIB e, agora, o governo está correndo atrás para tentar diminuir esse déficit. O primeiro problema do arcabouço é que o arcabouço exige um aumento de receita muito forte para cumprir as metas propostas pelo governo. Ao mesmo tempo em que essas metas de primário são ambiciosas frente à situação que temos hoje – todo o mercado está vendo muita dificuldade para o cumprimento delas -, são, por outro lado, muito pouco ambiciosas quando você vê o resultado primário necessário para estabilizar a dívida pública. A gente está partindo de uma situação de desequilíbrio tão grande que até um resultado primário pequeno está sendo visto como muito pouco provável. E há outros problemas no arcabouço fiscal de incompatibilidade da regra com outras que estão colocadas.

Mas a proposta do arcabouço foi bem recebida…

A reação positiva do mercado foi porque se estava esperando algo muito pior, o que se chamou de ‘afastou o risco de cauda’, o risco de caos total. Agora, afastar o risco de caos total não é uma solução.

O controle de despesas pode acontecer?

Eu acho muito pouco provável que isso aconteça, porque vai contra a orientação política e econômica do governo e também não encontra respaldo no Congresso. Aí, a gente vai para uma segunda possibilidade, que é o governo simplesmente rever as metas. Eu também acho isso pouco provável.

Por quê?

A racionalidade econômica dos principais economistas do governo é de que, no fundo, a meta fiscal não importa muito. O mercado pede, e (o governo) apresenta uma meta fiscal. Rever essa meta ficaria com aquela sensação de que não está entregando o que o pessoal quer ouvir. Com o arcabouço, não é mais crime descumprir a meta. Já tem lá todo um ritual. Se descumprir a meta no ano que vem, a despesa cresce menos, ativam-se alguns gatilhos para controlar a despesa obrigatória. Uma outra possibilidade é deixar o barco correr dentro da regra estabelecida. Descumpre a meta, justifica por qual motivo descumpriu, cria uma justificativa e aciona os mecanismos que estão lá no arcabouço.

E essa saída resolveria?

O problema é que esses mecanismos são frágeis. Só diminuir o ritmo de crescimento da despesa e acionar alguns gatilhos da regra não vão resolver a questão fiscal, não vão colocar o resultado primário de volta em direção para a meta. E, segundo, porque a pressão por aumento de gastos é grande, o que vai fazer com que esses mecanismos, ainda que fracos, comecem a gerar um problema político por conta do controle de gastos. Eu acho que essa não vai ser a saída completa. Vai ser o primeiro caminho, vai ser o primeiro momento. E aí vem outra possibilidade que eu acho muito provável, de começar a usar a contabilidade criativa, começar a encontrar meios de fechar as contas na marra. Tem sinais fortes disso no cenário.

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