ABC - terça-feira , 30 de abril de 2024

David Lubin: Estamos abertos a novas surpresas nos juros de emergentes

Depois que o Banco Central (BC) brasileiro iniciou o ciclo de flexibilização monetária com um corte de juros mais arrojado do que boa parte do mercado esperava, o economista-chefe de mercados emergentes do Citi, David Lubin, avalia que a decisão pode ter aberto a porta a novas surpresas em outras economias.

Apesar disso, ele diz ter dúvidas sobre o impulso à atividade econômica, dado o freio de juros reais que, paradoxalmente, tendem a subir por conta da desaceleração dos preços, mais rápida do que a redução das taxas nominais. Em entrevista a reportagem, Lubin apresentou sua visão sobre a perda de tração da economia chinesa, pressionada por uma grande crise de confiança, e se mostrou menos empolgado do que a média do mercado em relação à situação fiscal do Brasil.

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Para ele, o arcabouço fiscal ainda terá que ser testado em condição econômica menos favorável, que exigirá maior esforço do governo para entregar a promessa de superávit primário de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no último ano do mandato.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

O início do ciclo de flexibilização monetária, com cortes de juros mais arrojados do que se esperava no Brasil e no Chile, deve impulsionar a atividade, apesar do ambiente internacional difícil para produtores de commodities?

Nos próximos meses, as expectativas de inflação, provavelmente, vão cair mais rápido do que os juros nominais nos países emergentes. Isso significa que, em geral, a taxa de juros real ex-ante – ou seja, descontada das expectativas para a inflação – vai subir. Acho que precisamos estar abertos para a possibilidade de as decisões dos bancos centrais do Chile e do Brasil terem aberto a porta para novas surpresas. Há chance de a taxa de juros cair mais rápido do que estamos prevendo atualmente. Mesmo assim, por conta dessa situação paradoxal, na qual, apesar da queda dos juros nominais, a taxa real sobe em razão da queda mais acelerada das expectativas, não estou seguro de que o ambiente favorável de desinflação vai apoiar o crescimento.

Por que você espera uma queda adicional das expectativas?

Temos um ambiente benigno para a queda da inflação nos mercados emergentes. Desde maio, particularmente, quase todos os países publicaram índices de inflação abaixo do esperado. Exceção a países como a Índia, a inflação nos emergentes está, em geral, se comportando bem. Um dos motivos é que os preços das commodities estão recuando, e nos mercados emergentes os bens de consumo têm peso maior do que os serviços na inflação ao consumidor. Os núcleos de inflação dão, na maioria dos países, sinais de desaceleração rápida, embora continue resistente no Brasil. Temos um cenário de desinflação confiável nas economias emergentes, e acho que vai continuar assim por bom tempo. Evidentemente, há riscos como o El Niño e a possibilidade de repique nos preços das commodities por a Rússia se recusar a renovar o acordo de exportações de grãos.

A desaceleração da economia chinesa vai contribuir mais para a desinflação do resto do mundo?

A China já tem um problema sério de deflação nos preços aos produtores. Na inflação ao consumidor, caiu em base anual para zero na última medição relativa a junho. Acho que as autoridades chinesas vão ficar muito desapontadas se houver uma deflação persistente nos preços ao consumidor. Quando a confiança está baixa e os consumidores buscam por barganhas, se os preços começam a cair, o risco é de uma espiral negativa: as famílias adiam o consumo porque percebem que os preços estão em queda; e os preços caem porque as famílias estão adiando o consumo. Não estamos prevendo isso, mas com certeza é um risco. De qualquer maneira, se a deflação na China se tornar óbvia, haverá um efeito baixista para a inflação do resto do mundo, em particular nos países emergentes.

Isso, de certa forma, já não acontece no atacado?

Sim. A queda do índice de preços ao produtor na China tende a levar a um declínio da inflação ao produtor em outros países. Ao mesmo tempo, a queda dos índices de preços ao produtor tende a preceder a queda dos preços ao consumidor em qualquer lugar. Então, o fato de termos deflação nos preços ao produtor na China é, por si só, um movimento desinflacionário para muitas outras economias.

Por que a China não estimula o suficiente a sua economia para manter o ritmo de crescimento mostrado após o fim da política de covid zero?

A decisão da China de reabrir a economia no fim de 2022 teve como pano de fundo a preocupação do governo com as contas públicas. Se você somar governo central, governos locais e instituições financeiras públicas, a dívida excede 100% do Produto Interno Bruto (PIB). O governo chinês tem um bom motivo para estar nervoso. Quando a economia foi reaberta, o governo tomou a decisão de que a recuperação não seria puxada por estímulos. Quer que a economia resolva sozinha o problema, com o aumento do consumo levando a uma elevação do PIB e, consequentemente, uma desalavancagem.

Por que essa correção pelo crescimento não acontece?

O problema é que, enquanto o governo está preocupado com o tamanho da dívida, o que o faz ser relutante em entregar estímulos, a confiança tanto das famílias quanto das empresas está muito baixa na China. É como se as famílias e as empresas dissessem ao governo: “Você tem um problema financeiro, mas eu tenho um problema financeiro também”. Nas famílias, a tensão está do lado dos ativos. O problema aqui é que a dívida imobiliária é de 60% do PIB e os preços dos imóveis não sobem. O governo e as famílias na China estão esperando para ver quem pisca primeiro para o outro. O governo quer que as famílias comecem a gastar, e as famílias querem que o governo dê estímulos ao mercado imobiliário para terem mais confiança para gastar. Por enquanto, há poucas indicações de que o governo está propenso a dar mais estímulos ao setor imobiliário. Existem alguns esforços para diminuir o peso sobre os mutuários, mas eles ainda não podem ser considerados como grandes estímulos.

Do lado das empresas, qual é o problema?

As empresas ainda estão preocupadas por dois motivos. O primeiro é que as condições de demanda externa estão fracas. As encomendas recebidas por exportadores chineses estão baixas. A segunda fonte de ansiedade é que o governo passou os últimos três anos restringindo atividades do setor privado e lembrando as empresas de suas obrigações dentro da agenda de prosperidade comum. Também criou um grande senso de controle ao colocar membros do partido Partido Comunista no conselho de companhias chinesas. Embora o governo diga para as empresas investirem, elas estão cautelosas por causa do legado histórico de pressão estatal. Para as famílias e as empresas, existem diferentes motivos que mantêm a confiança baixa.

Como estão as suas previsões para a economia chinesa?

Mais ou menos um mês atrás revisamos a projeção ao crescimento neste ano de 6% para 5% por causa desse problema de confiança. O governo definiu 5% como meta de crescimento para 2023. Acho que vai lutar para não perder a meta de crescimento por dois anos seguidos. Então, se o problema de confiança perdurar, vai aumentar a probabilidade do anúncio de novos estímulos nos próximos meses ou semanas.

As diferenças entre os ciclos monetários, com os países ricos ainda deixando a porta aberta à mais uma alta dos juros, enquanto os emergentes iniciam o ciclo de flexibilização, trazem uma perspectiva melhor para os países em desenvolvimento frente aos avançados?

Sim, e três pontos explicam por que há essa diferença. Primeiro, os bancos centrais de mercados emergentes ganharam credibilidade por terem sido rápidos em aumentar os juros. Em segundo lugar, como disse antes, a inflação ao consumidor nessas economias é mais guiada por bens do que serviços – a queda das commodities fortalece a visão de que a inflação vai cair significativamente. O terceiro ponto é que estamos num estágio avançado do ciclo de aperto monetário no mundo. Mesmo se o Federal Reserve Fed, o banco central dos EUA e o Banco Central Europeu tiverem que subir mais os juros, será não mais do que 0,25 ou 0,50 ponto porcentual. Isso é importante porque, em situação normal, seria difícil para os países emergentes cortarem juros quando o Fed ainda está subindo. A desvalorização do dólar também é uma condição importante que permitiu aos bancos centrais tanto do Chile quanto do Brasil cortar os juros além do esperado. O fato de o ciclo de aperto monetário estar em estágio maduro nos Estados Unidos, num momento em que o dólar está relativamente fraco, coloca as condições para mais cortes de juros nas economias emergentes.

O arrojo apontado por parte dos economistas na abertura do ciclo de flexibilização monetária no Brasil pode adiar a convergência da inflação em direção à meta de 3% nos próximos anos?

Ainda temos a previsão de inflação em 4% até o ano que vem. Portanto, ainda não vemos a inflação chegando a 3% no Brasil antes de 2025.

Como você vê a evolução da situação fiscal no Brasil desde o início do ano, com a chegada de um novo governo?

Todo mundo que está observando o Brasil tem uma razão para estar mais otimista sobre a trajetória fiscal do que estava no início do ano, quando a retórica do presidente Lula sobre a política fiscal era agressiva. A melhora de confiança do mercado nas finanças públicas tem a ver com o avanço do arcabouço fiscal e da reforma tributária, mas também com o fato de que, no começo do ano, a nossa expectativa era de crescimento do PIB perto de zero. Agora, a nossa projeção para o crescimento do Brasil neste ano está perto de 2,5%, graças à supersafra, que permitiu um forte crescimento no primeiro trimestre. Para se ter uma avaliação adequada, temos que ver o que o governo vai fazer num ambiente econômico mais difícil. O teste que mostrará se o arcabouço é robusto ou não vai acontecer caso o crescimento do PIB, por algum motivo, volte para zero ou para abaixo de 1%. O governo fará um esforço para entregar as metas de superávit nos próximos três anos? Se o crescimento diminuir e exigir esforços fiscais para gerar os resultados primários prometidos, o que o governo vai fazer? Nesse momento, ainda não sabemos. A aprovação do arcabouço fiscal é uma ótima notícia, mas ele precisa ser testado para que o mercado tenha realmente confiança nas finanças públicas do Brasil.

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