Levantamento de dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação sobre desaparecimentos, mostra que o número de pessoas com mais de 60 anos desaparecidas aumentou 250% no ABC considerando o primeiro trimestre do ano passado e os três primeiros meses desde ano. O número saltou de seis casos para 21.
Os números mostram que dos casos registrados neste ano a cidade com maior concentração de ocorrências registradas foi Diadema, respondendo por sete casos, ou um terço do total de registros do ABC. Na cidade os bairros de Eldorado, Vila Conceição e Inamar, área do 4° Distrito Policial, foram os que concentraram a maioria das ocorrências. No primeiro trimestre do ano passado a cidade não tinha registrado nenhuma ocorrência do tipo.
Na sequência, considerando o registro de idosos desaparecidos neste ano, vem São Bernardo, que registrou cinco boletins de ocorrência no primeiro trimestre, sendo que no mesmo período do ano passado foram apenas dois casos. Santo André vem em seguida com quatro casos, contra um ano nos primeiros três meses do ano passado. Mauá teve um caso no primeiro trimestre de 2022 e três este ano. Ribeirão Pires teve dois casos este ano e nenhum em 2022. São Caetano não registrou desaparecimentos nem no primeiro trimestre de 2022 nem neste ano, mesma situação de Rio Grande da Serra.
Para a advogada e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) subseção de Santo André, Antonieta Rosa Nogueira Ferreira, o desaparecimento do idoso pode ter várias motivações, o primeiro deles é a situação da saúde física e mental da vítima, os demais podem estar relacionados a conflitos familiares e também esse idoso pode ser vítima de crimes.
“Não são raros os desaparecimentos de pessoas que tiveram algum tipo de apagão. Pessoas idosas que estão com algum grau de doença senil ou demência, podem se perder facilmente. Essas pessoas guardam registros de memória das imediações da sua casa, mas quando muda a cor de um prédio, ou surge um novo, eles podem se perder. Outra questão é a familiar, às vezes o idoso se vê no meio de um conflito familiar e sai para fugir daquele ambiente conflituoso, outras vezes a família não tem como cuidar, fica aquele empurra-empurra e o idoso se sente um fardo”, aponta Antonieta.
Outra situação apontada pela presidente da comissão da OAB andreense é a dependência financeira. “Tem muitos casos em que o idoso ajuda a manter o lar e ele não se furta em ajudar um filho ou um neto, mas tivemos casos aqui na comissão de situação em que o idoso tinha vários empréstimos consignados, alguns feitos para cobrir outros empréstimos e quando ele não consegue mais pagar se sente um peso para a família. Enquanto ele se sente útil, vai levando, mas quando se esgota essa possibilidade surgem os problemas”.
A advogada admite uma triste situação, a de que a polícia, quando informada dos desaparecimentos, não os investiga. “A polícia não vai atrás, alegam que tem que haver um lapso de tempo entre o desaparecimento e o registro. Parece que só há uma movimentação da polícia quando há crime envolvido fora isso, não vão atrás. Se a família tem algum recurso próprio para fazer as buscas, pode conseguir alguma coisa, mas se não tiver, não conseguirá reencontrar o familiar”.
O RD mostrou também que houve um aumento de 30% do número de menores de 18 anos desaparecidos no ABC. O advogado especializado em Direitos Humanos e ex-secretário Nacional da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves, disse que há falta de uma articulação nacional e da criação de um banco de dados, um cadastro nacional de desaparecidos. Da mesma forma quanto ao idoso, essa providência é mais do que necessária. Para Antonieta Ferreira é preciso se destacar as responsabilidades. “O Estatuto do Idoso diz que a responsabilidade pelo bem estar é da família, da sociedade e do Estado, mas é preciso um comprometimento maior da sociedade, como com a criação de centros de atendimento para o idoso. São necessárias ações preventivas, de amparo através de uma equipe multidisciplinar. Se o idoso tem esse local como referência, é onde ele pode buscar ajuda quando os laços familiares estão enfraquecidos”.
A presidente da comissão lembra que São Caetano, cidade vizinha e com maior população idosa do ABC, tem diversos Cises (Centros Integrados de Saúde e Educação) voltados para a pessoa idosa e na cidade não houve registros nos dois trimestres iniciais de 2022 e 2023. “A gente tem que pegar essas experiências que funcionam e copiar”, diz Antonieta. A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da OAB andreense realiza fóruns de discussão sobre as questões envolvendo os idosos e também mantém um curso de cuidadores, que já está na sua 13ª edição. O curso é voltado para famílias e para quem quer se profissionalizar como cuidador. São dadas noções de cidadania, de cuidados e, em parceria com a Anhanguera Educacional, são dadas as aulas para cuidados na área de enfermagem.
Investigação
Para o delegado de polícia, professor de Direito Penal e coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), David Pimentel Barbosa de Siena, não é que os desaparecimentos não são investigados, eles carecem de informações que muitas vezes faltam à investigação e também há falta de infraestrutura especializada. “O desaparecimento, pensando nas causas, normalmente está associado à conflitos familiares, está associado a problemas psiquiátricos, ou consumo de álcool ou outras substâncias. Há também a falta de comunicação de óbito, às vezes a pessoa morreu e a família não foi localizada”, explica o professor que reconhece que esse aumento de idosos desaparecidos é muito significativo, mas pondera que a base de cálculo – seis casos em 2022 e 21 casos neste ano- é muito pequena e por isso a variação.
Quanto à estrutura o delegado considera que o ABC precisaria de um atendimento especializado para atendimento a casos de desaparecimento. “Na Capital temos uma delegacia de desaparecidos, a 4ª delegacia do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) que é um setor especializado que só cuida disso e que tem um corpo de policiais mais bem treinado para isso. De certa forma a Capital está mais bem preparada, na nossa região não temos uma especializada, então quem acaba atendendo são as próprias delegacias e, por conta de excesso de ocorrências, de casos para investigar, do baixo efetivo da polícia civil, os policiais acabam tendo que fazer escolhas, priorizando casos em que tem morte aparente. Isso tudo pode levar a sub-notificação na medida que as pessoas imaginem que nada acontece”, diz o professor da USCS.
Tempo
O delegado diz que não existe prazo pré-determinado para que a ocorrência possa ser atendida e que esperar 24 ou 48 horas pode ser até prejudicial à investigação. “Atrapalha essa cultura de esperar as 24 horas, tem quem diga que é 48 horas, isso é folclore, não sei de onde tiraram isso que não está escrito em lugar algum, até porque não faz sentido. Na verdade é o contrário, quanto antes a situação for comunicada às autoridades melhor. O familiar que está reclamando pela pessoa, percebeu que tem alguma coisa estranha, sumiu por tempo relevante, não atende ligações nem mensagens, não acha pelo localizador de GPS, já faz o boletim de ocorrência pois a literatura mostra que quanto antes começar a investigação maiores são as chances da pessoa aparecer, quanto mais frio estiver o caso mais difícil vai ser de resolver porque as evidências vão se apagando”, completa o policial.
SSP
Em nota a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou que os idosos foram pouco mais de 5% do total de desaparecidos. “No ano de 2022 foram registrados 19.514 casos de pessoas desaparecidas em todo o Estado de São Paulo, incluindo as sete cidades que compõem o ABC, das quais, 21,64% possuíam de 0 a 17 anos, 71,64% de 18 a 65 anos, 5,01% acima de 65 anos e 1,71% sem idade informada. Até o momento, neste ano, foram registrados 6.821 desaparecidos, sendo 20,77% de pessoas com idades de 0 a 17 anos, 72,98% de 18 a 65 anos, 5,73% acima de 65 anos e 0,53% com idade não informada. Neste ano, 6.318 pessoas foram encontradas. A 4ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e Proteção a Pessoas) orienta para o registro imediato do boletim de ocorrência em uma delegacia da Polícia Civil ou via internet, por meio da Delegacia Eletrônica. Na Capital as investigações são feitas pelo DHPP, na Grande SP pelos setores de Homicídios das Delegacias Seccionais de Polícia e, no Interior, as apurações são de competência das Delegacias de Investigações Gerais (DIG)”, diz o órgão.
Ainda de acordo com a secretaria, o Estado conta com 22 Delegacias de Polícia de Proteção ao Idoso, sendo oito na Capital, oito na Grande São Paulo (três delas no ABC: São Bernardo, Diadema e Santo André), e seis no interior. As especializadas atuam conforme estabelecido pelo Estatuto do Idoso – Lei 10.741/03 e ficam responsáveis pela adoção de medidas para repressão e prevenção da prática de crimes contra essa população.