Falta de capacitação de professores é entrave ao uso de tecnologia no ABC

São Bernardo investiu R$ 140 milhões no Programa Escola Conectada, destinado à tarefa de integrar a tecnologia ao processo de ensino-aprendizagem (Foto: Marcel Uyeta)

Ainda que amplamente disseminada fora da escola, a tecnologia ainda é um desafio para educadores que precisam implementa-la em salas de aula no ABC. Isso porque falta planejamento, seleção adequada de materiais, capacitação de educadores e o principal: recursos digitais que vão além do fornecimento de um computador ou iPad na rede municipal. Segundo a categoria, não existe um acompanhamento sério e são muitas as dificuldades quanto ao uso, formação e acompanhamento de novas tecnologias.

Professora da rede municipal de Santo André e diretora do Sindserv (Sindicato dos Servidores Públicos), Mirvane Dias diz que ao ouvir educadores da rede, foram relatadas diversas dificuldades referentes a novos recursos digitais, a exemplo da plataforma Teams, hoje bastante utilizada para reuniões e chats virtuais nas escolas. “Dizem que a formação de professores até acontece, mas é para poucos. Outros dizem que nas reuniões pedagógicas semanais (RPS) apenas há uma ‘pincelada’ sobre as formações e os professores são orientados a assinarem ata de formação que são totalmente inadequadas para as necessidades apresentadas”, diz.

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Há outro entrave a ser superado nas escolas, este referente ao fornecimento de equipamentos. Segundo Mirvane, a internet fornecida nas escolas de Santo André é extremamente ruim e, muitas vezes, não funciona. “Além disso, os notebooks que têm na escola eram do Estado e sequer dá pra usar”, relata. Para outros docentes, a dificuldade vai além, falta verba para compra de equipamentos básicos, como compra de canetão para quadro branco. “Muitas vezes os professores compram canetões de lousa e até giz com o próprio dinheiro, ou tiram xerox em casa das atividades para as crianças, porque não tem o que fazer”, comenta.

Duas TV’s interativas grandes foram entregues, mas que até agora também não houve formação sobre o uso. A justificativa apresentada foi de que “a demanda de coisas para se fazer está enorme, o que acaba dificultando o tempo necessário para capacitação”. Outros docentes dizem, ainda, que as turmas do 1° ano não têm direito a tablet, notebook, chip, TV digital e wi-fi, apenas podem usar o computador na sala dos professores. “Uma educadora disse que tentou passar vídeos sobre conteúdo, clipe de cantiga para os alunos, mas não conseguiu porque a Prefeitura bloqueia sites para download. Dos relatos acima, apenas uma educadora informou que teve ‘formação’ para uso da lousa digital”, relata Mirvane.

Segundo o Sindserv, é preciso atualizar e acompanhar a evolução dos professores, mas, isso deve ocorrer de fato para evoluir e não sobrecarregar mais o professor. “Temos docentes que relatam precisar ir para a escola, fora do horário de trabalho, para assistir cursos online, enquanto outros que são ‘obrigados’ a responder pesquisas e informes gerais, e são cobrados por inúmeros documentos online que precisam ser postados no drive da escola, também fora do horário do expediente, sem planejamento ou recurso oferecido”, diz.

Já a Prefeitura de Santo André diz que nos últimos anos foram entregues 23.500 tablets (com chip e acesso à internet) para alunos do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental e para todos os professores da rede municipal. Os aparelhos contam com a plataforma Teams e ferramentas da Microsoft. Além disso, a Prefeitura equipou todas as salas de aula com computadores, telas interativas e mesas interativas para educação infantil. Em 2023, aulas de robótica também foram iniciadas para alunos do 4º e 5º anos do Ensino Fundamental.

A Secretaria de Educação oferece, ainda, formação para profissionais da educação para modernizar a rede. A formação presencial para uso da tela interativa foi ofertada por representatividade, com participação de um/dois representantes de cada unidade escolar para multiplicar com os demais profissionais da equipe da escola. Quanto à mesa interativa, a formação é ofertada online a todos os professores de educação infantil pré-escola e professores da sala de recursos, pois o equipamento oferece aplicativos específicos para atender os alunos com deficiência.

Problemas estruturais

Em Diadema a situação se repete. Apesar do programa Escola Bem Cuidada estar ativo após diagnóstico que identificou série de problemas estruturais em diversas unidades escolares do município, docentes relatam falta de investimento e cuidado do poder público com o fornecimento de equipamentos digitais nas escolas. “Simplesmente não tem equipamento. Parece que ficamos parados no tempo, sem internet, sem um computador de qualidade e sem ter como investir nesse setor com as crianças”, relata uma professora que preferiu não ser identificada.

De acordo com a docente, são poucas as escolas da rede municipal que possuem internet wi-fi ativa e computadores em funcionamento. “A internet que funciona é da administração, então acabamos usando para criar uma atividade ou outra para os alunos, isso quando o professor tem pré-disposição para fazer a atividade, porque sequer oferecem alguma formação ou incentivam para isso acontecer”, salienta a docente.

Em nota, a Prefeitura diz que o programa Escola Bem Cuidada descentralizou recursos para reparos e reformas nas escolas municipais. Além disso, diz ter feito outros investimentos necessários, como a constituição de dois centros de formação e retomada do programa Adolescente Aprendiz, com atendimento de 700 adolescentes.

Em Mauá, os professores que precisam utilizar a internet em sala de aula nas escolas também relatam dificuldades. “A internet não funciona e quando precisamos ou temos que rotear do próprio celular ou levar o material já salvo em algum pen drive ou dispositivo que não precise acessar a internet”, diz um professor que preferiu não se identificar. Apesar disso, a Prefeitura diz que todas as escolas da rede contam com internet Wi-fi. Em relação ao treinamento de professores, o docente diz não existir. “Só na pandemia que um professor ajudava o outro a usar as plataformas pra conseguir desenvolver atividades remotas, mas não existiu e nem existe treinamento para professores”, afirma ao contrariar a Prefeitura que diz dispor de equipe de Tecnologia da Informação em seu quadro para treinamento de profissionais em sala de aula.

Desafio da classe digital

Carlos Alexandre Felicio Brito, docente no curso de pedagogia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e Coordenador Institucional do PIBID junto à USCS, reafirma a necessidade de formação e capacitação dos docentes para um melhor desempenho em sala de aula. “Fizemos um diagnóstico para entender como os professores pensam, quais suas maiores dificuldades, e de fato precisam não só de uma capacitação, mas formação continuada para um melhor desempenho em sala”, afirma.

Dentro do sistema de ancoragem e objetivação, Brito esclarece que sem a formação, os professores estão presos a ideia do uso limitado do computador, mas ainda que na área periférica do subconsciente, existe a ideia da acessibilidade ao uso da tecnologia em sala de aula. “Sabe-se da importância de fazer o uso da tecnologia, mas como fazer? Existe uma autoavaliação, autogerenciamento, em que dá para perceber qual sua limitação, e sem um acompanhamento ou ensinamento, não se pode levar aquilo adiante, então cabe ao poder público investir nesse tipo de capacitação para não deixar os professores e até mesmo os alunos para trás”, afirma.

Desde a pandemia, quando o trabalho em sala de aula passou a ser remoto, o professor afirma que mais docentes passaram a buscar algum tipo de formação, tecnólogo ou algum curso que ajudasse na questão da capacitação. “Só aqui na USCS sentimos a procura crescer bem mais que o normal, porque as pessoas querem se capacitar, se atualizar. Mas para isso é importante que exista um investimento, uma pré-disposição para o uso benéfico e racional das redes e plataformas”, afirma.

Investimento digital

Em São Caetano, o investimento em tecnologia envolve oferecimento de chromebooks para alunos do Ensino Fundamental e Médio, além de internet Wi-Fi 6 em todas as unidades escolares. A estrutura de trabalho é em nuvem, e há salas de aula online disponíveis através da plataforma Google For Education. Todas as ações e investimentos em tecnologia educacional são planejados para atender todas as salas de aula dentro do mesmo segmento educacional. A formação contínua dos professores se dá por meio do Cedigi, Centro de Pesquisa, Formação e Inclusão Digital com cursos oferecidos aos professores e gestores.

Com investimento de quase R$ 140 milhões, São Bernardo criou o Programa Escola Conectada, destinado à tarefa de integrar a tecnologia ao processo de ensino-aprendizagem. Para isso, a administração também realizou entrega de chromebooks para estudantes do 4ºs e 5ºs anos do Ensino Fundamental, além de chromebooks aos professores, notebooks às equipes gestoras, e desktops para os laboratórios de informática. A cidade mantém qualificação técnica dos profissionais da educação, por meio de cursos, oficinas e palestras ministradas por profissionais da rede, de instituições parceiras da sociedade civil e por formadores externos e formação continuada, nas modalidades on-line e presencial, além de ambiente virtual de aprendizagem.

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