As recentes medidas anunciadas nas montadoras de veículos pesados da região, Mercedes-Benz e Scania envolvem milhares de trabalhadores que vão ficar em casa dias da semana ou meses, para adequação da produção à demanda atual. A situação é considerada um alerta para demissões em uma crise que tente a aumentar se nada for feito quanto à política de juros e o acesso ao crédito, fatores apontados como determinantes nesta crise do setor.
Nesta terça-feira (18/04) trabalhadores da Scania aprovaram em assembleia paradas programadas de dois dias por semana e férias coletivas de 10 dias em julho para ajustar a produção à demanda. A Mercedes-Benz também aprovou Layoff (suspensão temporária do contrato de trabalho) para 1,2 mil trabalhadores por dois a três meses. As duas medidas, negociadas entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e as montadoras, foram consideradas alternativas para a manutenção dos empregos.
“É um alerta amarelo”, descreveu o presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, Aroaldo Oliveira da Silva. Ele diz que a antecipação das vendas no ano passado, por conta da mudança de legislação das emissões, aliada à taxa de juros e o acesso ao crédito, principalmente para os autônomos, geraram a queda de vendas e as montadoras ficaram com produtos parados em seus pátios. Neste ano começou a valer o padrão Euro6, o que fez as empresas anteciparem a renovação de suas frotas antes da medida.
“Essa queda já era prevista, só que foi muito mais dura do que o esperado. Nós avaliamos que o difícil acesso ao financiamento, com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Finame, e os juros altos foram fatores determinantes para isso. Todo mundo aponta para a taxa de juros, essa é a grande questão que estamos negociando com o governo federal. Também debatemos algumas iniciativas que podem ser tomadas, tais como uma política de renovação da frota de caminhões, que é muito velha. Iniciativas como grandes obras de infraestrutura também dão perspectivas para o mercado, porém isso leva tempo. Até mesmo apenas a mexida na taxa de juros vai demandar alguns meses até que seu efeito seja visto no mercado”, analisa Silva.
Para o presidente da Agência, os governos do Estado e municípios também poderiam facilitar a troca das frotas de ônibus, mas mesmo assim a taxa de juros continua sendo fator determinante. “Essa é uma situação não apenas do ABC, montadoras como a Man, a Volvo e a Iveco também passam por isso. O importante é que, por enquanto os empregos estão garantidos”.
Na mesma linha o professor de pós-graduação em Administração da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e de Gestão Pública na FGV, Luis Paulo Bresciani, as medidas alinhadas por montadoras e sindicato, foram emergenciais para a manutenção dos empregos, mas elas devem ser breves. “Elas não podem se estender por muito tempo para que as pessoas possam voltar a seus postos de trabalho, impedindo assim o efeito cascata na cadeia de fornecedores. Esse é um sinal de alerta não só para o ABC, mas para todo o país; o segmento vem apresentando um desempenho bastante abaixo do que foi no ano passado e menor do que o período da pandemia, então são necessárias medidas urgentes”, analisa o professor que e também assessor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Bresciani avalia que ainda não há um risco tão sério a ponto de uma das montadoras de veículos pesados encerrarem definitivamente a produção, como ocorreu com as montadoras de automóveis como a Ford e mais recentemente a Toyota, que fecharam fábricas na região. “Não é um cenário de redução na demanda, mas de baixa porque o crédito está restrito e caro. Além disso tem uma restrição a mais que é a mudança do padrão de emissões do Euro5 para o Euro6, então as empresas renovaram frotas no ano passado”, explica.
O professor também acredita que mexer nas taxas de juros já trará resultado. “Sempre tem algo que se possa fazer, o acesso ao crédito a patamares civilizados é a principal alternativa. A taxa Selic afeta doas as compras e toda a indústria brasileira. Outra medida é estimular a troca de frotas, principalmente pelos poderes públicos”, conclui.