Diante da repercussão dos últimos casos de violência dentro de escolas os diretores de colégios, secretários de educação e entidades representativas se reúnem para analisar a situação e novas formas de agir para conter a violência dentro dos colégios. Projetos que tratam de seguranças ou policiais armados dentro de escolas ganharam espaço esta semana, porém os gestores consideram que isso seria atacar o efeito e não a causa. Para eles a sociedade está doente e os recentes acontecimentos são resultado disso. Já a revista dos alunos em casos suspeitos é um pleito que ganha força, mas precisa de amparo legal.
Dois episódios recentes acenderam a luz de alerta para a segurança da comunidade escolar. O primeiro ocorrido no dia 27 de março, na escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, Zona Oeste da Capital quando um aluno da escola investiu contra várias pessoas, ferindo quatro delas e matando a professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos. O jovem foi detido. Na quarta-feira (05/04) um homem invadiu uma escola infantil em Blumenau (SC) e matou quatro crianças com golpes de uma machadinha. Logo depois se entregou à polícia.
A repercussão desses casos ocorridos no intervalo de nove dias, tomou conta do país. No Estado o deputado Guto Zacarias (União Brasil) defendeu que policiais militares de folga ou aposentados façam a segurança armada nas escolas, justificando que isso aumentaria a sensação de segurança. O deputado federal Delegado Palumbo (MDB) apresentou nesta quarta-feira (05/04) um projeto de lei que pode tornar obrigatória a utilização dos serviços de segurança armada em todas as escolas públicas e privadas do país.
A secretária de Educação de Diadema, Ana Lúcia Sanches, anunciou em entrevista exclusiva ao RDTv desta quinta-feira (06/04) a criação do Observatório de Segurança Educacional, um grupo multidisciplinar que envolverá integrantes da própria secretaria e da Secretaria de Defesa Social. O grupo de profissionais da Educação que acompanha casos de violência tanto na escola quanto fora dela, mas envolvendo alunos, foi incrementado e agora conta com 20 pessoas que têm um planejamento para passar por todas as escolas da cidade. A rede municipal de Diadema conta com 60 escolas e 28 mil alunos.
O Observatório é um avanço do programa Escola Protege, da prefeitura de Diadema, que capacitou servidores para o atendimento de casos de violência. No ano passado foram 800 atendimentos, neste ano já foram 200. Vinte alunos foram encaminhados para acolhimento institucional, o seja, a situação mais grave em que não há como manter a criança no convívio familiar. “Observatório é uma ação em conjunto com a Secretaria de Defesa Social, vamos construir grupos de reflexão e de atuação local. Vamos convidar a sociedade civil a participar. Ter dados e informações que nos amparem na tomada de decisão”, explica a secretária.
Ana Lúcia defende uma atuação do governo envolvendo toda a sociedade para identificar as causas da violência e agir antes que episódios trágicos ocorram. “Há um contexto de violência a que as crianças estão expostas. A gente já sabe disso pelo número de violações que tem chegado à escola. É uma demonstração que a violência está no ambiente privado, está na sociedade e a gente precisa falar da cultura de paz como contraponto, como remédio, como outro universo menos violento. Vamos lançar no dia 25 de abril o Observatório da Segurança Educacional, e à partir dele quatro grupos regionais envolvendo conselhos escolares, lideranças comunitárias, a GCM (Guarda Civil Municipal), para a gente entender os motivos, pensar alternativas, sensibilizar a sociedade para os alertas que estamos fazendo”, diz a secretária.
Os jogos eletrônicos, a internet e o uso do celular por crianças podem não ser os únicos fatores que levam às atitudes violentas, mas é certo que contribuem. “Seminário psiquiatria mostra o que significa a naturalização da violência por meio do jogo. As armas estão nos celulares,nos computadores e videogames . O jogo é coisa importante neste cenário e todas as mães lidam com isso”, diz a educadora que considera que a pandemia e o período em que as escolas ficaram fechadas aumentaram a exposição das crianças aos jogos e também à violência.
Ana Lúcia Sanches foi taxativa ao dizer que segurança ou policial armado dentro das escolas não vai resolver o problema. “Posso colocar mil, que não resolve. A gente tem na rede municipal câmeras com a GCM coordenando esse trabalho. Do ponto de vista técnico a gente precisa de apoio, mas a gente precisa entender a essência da questão. O nosso entendimento é contrário a esse (de colocar policiais armados nas escolas). Nós temos que lutar como sociedade para que todos os ambientes sejam de paz, mas especialmente o ambiente escolar. Diferente da escola estadual, onde os alunos são maiores e o ambiente é mais tenso, nas escolas municipais as crianças chegam vítimas de violação, elas não agridem ninguém. As crianças da educação infantil e do fundamental estão nesse momento difícil e precisam de proteção”, completa.
Escolas particulares querem mudança na lei para permitir revista de aluno
A violência na escola não é situação que ocorre somente em colégios públicos, prova que o episódio de Blumenau aconteceu em uma escola particular. A mobilização de pais cobrando reforço na segurança dos colégios tem levado a propostas como a de colocar guardas armados nas portarias, mas essa é uma questão que os gestores escolares não consideram, porém há um pleito para que haja uma mudança na legislação para permitir a revista de alunos e suas mochilas em situações em que há suspeita sobre o estudante.
“Precisamos enfatizar a cultura de paz, mas também de medidas emergenciais com o Poder Legislativo aprovando uma lei que nos permita olhar as mochilas e revistar os alunos. É preciso também tornar esses crimes dentro da escola, crimes hediondos, é preciso endurecer as penas, pois a escola é um ambiente sagrado, mas está vulnerável. Precisamos de medidas que reúnam as secretarias de Educação, de Segurança e de Ação Social e, sobretudo de mobilização da sociedade”, diz a mestre em Educação e diretora do Centro Educacional Paineira, em Santo André, e diretora regional para o ABC do Sieesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), Oswana Fameli.
“Falar apenas de colocar polícia armada na escola é uma discussão rasteira que não resolve o problema”, diz Oswana, que também admite que a comunidade escolar precisa de proteção. “Essa violência vem de fora, mas a escola está sendo um instrumento, um ponto vulnerável. Falta mais consciência pública e a presença da família”, completa.
Iolanda de Benedetto, coordenadora de 13 escolas da Rede ESI (Escola Scalabriniana Integrada), uma delas o Colégio São José, em Santo André, também considera que segurança armada não resolve. “Esta me parece uma solução simples para um problema complexo. Reforçar a segurança é importante, mas não garante (a segurança), como revistas na entrada também não garantem. Estamos falando de uma sociedade adoecida, comportamentos violentos em todos os lugares, radicalização e ódio por toda parte. Considero importante um reforço expressivo na segurança das subcomunidades virtuais, além da desconstrução de comportamentos violentos”, diz a educadora.
Para a coordenadora da rede de escolas particulares deve-se notar o aumento expressivo de casos de violência nas escolas. “São 22 ataques em 21 anos, me parece que 11 de 2019 para cá. É importante considerar essa crescente. As escolas estão fazendo o que podem, muitas assim como as nossas trabalham educação socioemocional, projeto de vida, rodas de conversa sobre sentimentos e emoções. Trazer para conversa franca temas como racismo, misoginia, xenofobia são fundamentais se queremos mudar de fato este cenário. A sociedade como um todo precisa caminhar neste sentido, junto com a escola”, analisa.
Para o educador e presidente da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares), Bruno Eizerik a sociedade está doente e os sinais disso estão por todo lugar, não apenas nas escolas. Ele considera impossível colocar catracas nas entradas dos colégios e revistar todo mundo, mas diz que em casos suspeitos a escola precisa ter esse amparo legal para fazer a revista e evitar o pior. “Não adianta colocar um policial em cada escola, também não precisa revistar todo mundo, mas hoje, se a equipe vê algo suspeito não pode revistar, tem que chamar a polícia”, explica ao enfatizar uma mudança legal sobre isso.
“É importante termos segurança, mas aí estamos combatendo os efeitos e não as causas. Os pais, se perguntar hoje vão querer gente armada na segurança, mas ao contrário disso precisamos valorizar a vida. Temos cada vez mais jovens cometendo suicídio ou se autoflagelando. Estamos diante de uma geração que não aprendeu a lidar com os limites. As famílias têm dificuldade de dizer não. Imagine pegar uma turma de 25 alunos e eles não terem limites. A escola ensina e a família educa, porém a escola pode colaborar com isso”, completa o Eizerik.
Crime de Blumenau pressiona prefeitos a tomarem providências
Enquanto Diadema não considera de forma alguma colocar agentes de segurança armados nas escolas, outras cidades adotam posições diferentes. À partir de segunda-feira (10/04) a Prefeitura de São Bernardo vai colocar em todas as 218 unidades escolares do município guardas civis municipais. A ação é emergencial, segundo a prefeitura e vigorará por tempo indeterminado.
A medida foi tomada após reunião do prefeito Orlando Morando (PSDB) com os secretários de Educação e Segurança Urbana, Silvia Donnini e Carlos Alberto dos Santos, respectivamente. “Tendo em vista os últimos acontecimentos em Blumenau, onde quatro crianças foram assassinadas e outras cinco ficaram feridas dentro de uma escola, tomamos essa medida emergencial para garantir não só a segurança dos estudantes e profissionais da educação como também a tranquilidade dos pais e responsáveis. Nosso objetivo é que nossas 80 mil crianças possam aprender e voltar para a casa em segurança”, disse Morando, que pediu também ao governo do Estado o reforço da segurança na cidade.
O prefeito de Ribeirão Pires, Guto Volpi (PL), reuniu nesta quinta-feira (06/04) gestores e profissionais da segurança e da educação para traçar novas estratégias de prevenção e combate à violência nas escolas e em seu entorno. Ações integradas entre as polícias Militar, Civil e Guarda Municipal, aperfeiçoamento dos sistemas de vigilância, com a criação de
“botão do pânico” para unidades de ensino, e fortalecimento do programa APSE (Apoio Psicossocial Escolar) da prefeitura estão na lista das medidas anunciadas.
“O momento é delicado e preocupante. Os episódios de violência que costumamos a ver em outros países batem à porta de nossas cidades. Precisamos planejar e trabalhar pela segurança em nossas escolas, sem distinção entre as redes pública e privada. Isso a gente vai fazer de forma conjunta, humanizada, com diálogo e a modernização dos instrumentos utilizados”, disse Volpi. O aplicativo Ana, que já é usado por mulheres que possuem Medida Protetiva, pode ser adaptado para o uso das unidades escolares. “Vamos levar a todas as nossas escolas e a iniciativa privada também pode por. O custo é baixo. Quando acionado, em uma situação de emergência, o dispositivo vai tocar direto nas polícias e essa é uma alternativa que estamos próximos de implantar”, destacou o chefe do Executivo.
O APSE realizou 900 atendimentos desde que foi criado em 2021. No ano passado foram relatados 18 situações de bullying, neste na, somente entre fevereiro e março já foram 30 relatos acolhidos.
Santo André também reforçar as rondas da GCM nas escolas. O prefeito Paulo Serra (PSDB) se reuniu nesta quinta-feira (06/04) com representantes da Secretaria de Educação, Secretaria de Segurança Cidadã e Secretaria de Infraestrutura e Serviços Urbanos para discutir a questão da segurança nas unidades da rede municipal de ensino. Ficou definido que, a partir de segunda-feira (10/04), haverá reforço nas rondas escolares da Guarda Civil Municipal em todas as escolas da rede, levando, portanto, a uma presença mais efetiva das forças de segurança neste locais.
Além disso, a Prefeitura de Santo André vai ampliar o monitoramento por câmeras, hoje presente na em 95% das escolas, para todas as unidades. Santo André tem programas na rede municipal de ensino que atuam na prevenção de casos de violência. “Uma das iniciativas é o programa Con_Viver Bem. Trata-se de uma equipe de 20 psicólogos itinerantes que trabalham nas creches, Emeiefs (Escolas Municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental) e Centros Públicos de Formação Profissional de toda a rede com o objetivo de proporcionar apoio emocional para professores, alunos, equipes gestoras e a comunidade escolar. Há ainda um outro projeto chamado Acolhendo Emoções, desenvolvido no Centro de Atendimento Educacional Multidisciplinar (Caem), que conta com equipe de psicólogos que atendem os alunos da rede que apresentam queixas ou dificuldades de ordem psicoafetivas ou socioemocionais”, diz a prefeitura, em nota. Santo André tem 127 escolas municipais que atendem 42.485 alunos.
Estado
A Secretaria da Educação de São Paulo informa que no ABC há cerca de 226 mil alunos, distribuídos em 316 escolas. Em nota sobre o tema, a Secretaria de Educação informa que, sempre que necessário, a gestão da unidade escolar e do programa Conviva atuam em parceria com os equipamentos da rede de proteção do Estado e do Município, como CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), Conselho Tutelar, Vara da Infância e Juventude e Polícias Civil e Militar para solucionar conflitos no ambiente escolar.
Ainda de acordo com a pasta estadual as escolas contam também com patrulhamento da Ronda Escolar, e em casos de ameaças os gestores das unidades registram boletim de ocorrência para que a polícia investigue. “As unidades são orientadas a instalar câmeras, conforme diretriz do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar – Conviva SP. Os equipamentos são espelhados com o Centro de Operações Integrada – o COI da Polícia Militar, com intermédio do Gabinete Integrado de Segurança e Proteção Escolar (Gispec), composto por servidores da Educação e da Polícia Militar, que contribuem para o planejamento das estratégias de segurança em toda a comunidade escolar e fomento da cultura da paz”, diz a pasta.