Se blitzes fossem realizadas por toda a região com vistas a apreensão de veículos com a documentação irregular, quase a metade dos carros registrados no ABC iriam parar nos pátios do Detran. Isso porque de cada dez veículos praticamente cinco estão com o licenciamento de 2022 ou mais antigos em atraso. Segundo o Departamento Estadual de Trânsito o ABC tem 1.728.680 veículos registrados sendo que os proprietários de 783.164 estão com um licenciamento ou mais não pagos, isso representa 45,30% da frota total de carros na região.
De acordo com os números do Detran, Santo André tem o maior percentual de automóveis rodando com dívida de licenciamento. Da frota de 553.584 carros, 261.724, ou 47,27% do total, não está com o licenciamento em dia. Mas o percentual não varia muito e, em geral, os números são bem parecidos em toda a região. A cidade com percentual menor de veículos irregulares é São Bernardo, que tem 612.474 carros registrados na cidade e destes 262.699 não têm licenciamento atualizado, ou seja, 42,89%.
Além da queda de receita para o Estado, a situação traz outros problemas como a superlotação de pátios que acarretam em problemas ambientais e de saúde, além da própria segurança no trânsito. Segundo David Pimentel Barbosa de Siena, professor de Direito Penal e coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) a situação revela as dificuldades econômicas da população e mostra ainda que esses veículos podem estar circulando em mau estado de conservação, colocando em risco a vida dos seus ocupantes e de outras pessoas no trânsito. “A falta de licenciamento pode indicar que o proprietário não está também fazendo a manutenção do veículo. Nem sempre isso ocorre, mas é um indicativo importante. O sujeito que não paga o licenciamento, normalmente é o que não se preocupa também com outras cautelas como as revisões periódicas nos itens de segurança”, analisa.
Os números podem ser maiores, já que fatalmente há outras centenas de carros que não estão registrados na região, mas circulam por suas ruas. Outros tantos passaram por diferentes proprietários e não foram transferidos. A falta de transferência é também considerada uma infração que implica em multa e pontos na carteira de motorista.
Do ponto de vista de recursos públicos, o não pagamento do licenciamento implica em dificuldades para o Estado fiscalizar o sistema viário. “Diferente dos impostos como o IPVA (Imposto Sobre Circulação de Veículos Automotores) a taxa de licenciamento é vinculada à segurança do trânsito, então quando se tem uma redução na arrecadação se compromete o recurso da fiscalização; cria-se então um círculo vicioso. Os veículos que não pagam licenciamento são os que mais representam riscos para o trânsito e se diminui a capacidade de fiscalizar, expondo a população ao risco”, avalia Siena, que também é delegado de polícia.
Entre as maiores causas de apreensão de veículos estão as infrações administrativas como a falta de licenciamento e isso gera outro problema que é o armazenamento dos automóveis com os pátios do Detran já superlotados. A demora em leiloar os carros, faz acumular ainda mais o volume, porque muitas vezes o valor das taxas e impostos acumulados superam o valor do automóvel que acaba abandonado pelo proprietário. David de Siena aponta que os pátios representam perigos ambientais, por conta da deterioração de baterias, vazamento de lubrificantes e combustíveis e ainda representam riscos para a saúde pública já que o acúmulo de água favorece a proliferação de insetos como o mosquito Aedes Aegypti, transmissor de doenças como dengue e chikungunya. “Esses veículos representam poluição ambiental e viram foco de doenças. Essa questão ultrapassa até a da segurança viária”, comenta o professor.
Em sua experiência como delegado, Siena comenta que o que mais se vê é o acúmulo de veículos nos pátios. A situação se contrasta com as ofertas numerosas de veículos à venda na internet onde o vendedor deixa claro que o carro não tem documento. Os anúncios vêm acompanhados de expressões do tipo “com papel puxado”, o que indicaria que não se tratam de produto de roubo ou furto, ou ainda “só para rodar”, onde o comprador fica ciente de que está comprando um veículo com documentos atrasados e cujos débitos são maiores do que o valor de mercado do mesmo, no qual ele vai rodar até ser parado em uma blitze e ser levado para o pátio. “Eu vejo muito em ocorrências que acompanho pessoas que estão com carro comprado em leilão. Mas tem dois tipos de venda nos leilões; os veículos com direito a documentação, que ainda podem rodar, e outros que são leiloados apenas para a retirada de peças e sucata, mas vemos muitos destes veículos que seriam sucata, rodando”, conclui o professor da USCS.