A temporada de fortes chuvas, ventos e descargas elétricas mal começou e o ABC já registrou uma vítima fatal atingida por uma árvore em queda, no domingo (15/01), em Santo André. Longe de serem as vilãs da história que repete o enredo todos os anos, as árvores são as que mais sofrem, seja estranguladas pelo concreto na sua base, seja em suas copas com as podas drásticas, ou ainda por doenças e infestação de cupins. Esses problemas da saúde das árvores poderiam ser minimizados com um acompanhamento, mas na maior parte da região as cidades não tem um controle sequer de quantas são as árvores nas suas áreas urbanas.
No domingo. após uma chuva forte. uma árvore caiu sobre uma casa na Vila Lutécia, em Santo André e tirou a vida do morador Jason Nunes. Moradores ouvidos pelo RD disseram que relataram a situação daquela árvore e de outras no bairro para a Defesa Civil, mas a Prefeitura negou ter pedidos para a remoção da mesma e informou que a árvore em questão foi prejudicada por ação dos próprios moradores. De acordo com a administração, a árvore teve as raízes cortadas e estava seca, o que teria contribuído para a queda.
Só em Santo André foram registradas 72 quedas no ano passado, segundo a Prefeitura. O município não tem levantamento atualizado sobre as árvores, mas garante que são feitas vistorias técnicas. “Quando diagnosticado risco de queda ou problemas fitossanitários insolúveis, o manejo é realizado em caráter de urgência. Para atender a alta demanda de manutenção de poda e supressão de árvores, não só no período de chuvas de verão, mas em todos os momentos, o manejo arbóreo foi intensificado”, diz o município em nota. O número de quedas em 2022 foi considerado baixo se comparado ao de anos anteriores. No ano passado a Prefeitura afirma que plantou 2.386 mudas.
A situação não deve melhorar já que há indicação de temporais até sexta-feira (20/01) e a Defesa Civil emitiu inclusive alertas sobre isso para todo o Estado. Para ambientalistas, os municípios precisam acompanhar melhor a situação fitossanitária das árvores para evitar acidentes como o de domingo.
Marta Marcondes, bióloga e professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), afirma que cada cidade deveria ter um plano de arborização. “Eu sei que São Paulo tem um que é bem feito, mas na prática, a gente vê que não é aplicado. Desses planos deveriam constar quais os tipos de árvores deveriam ser plantadas, o que no caso do ABC seriam exemplares da Mata Atlântica, e temos vários que se adaptariam bem às áreas urbanas. Os planos também deveriam esclarecer como devem ser feitas as podas e não permitir as decapitações que vemos por aí e que desequilibram as árvores”, comenta a ambientalista.
Para Marta, outra providência seria estimular a educação ambiental e fazer com que os moradores se sintam também responsáveis pelas árvores da sua rua, dividir esse cuidado com o poder público e com as concessionárias de serviços públicos, como a Enel, que faz poda.
A bióloga ressalta que hoje se vê muitas árvores com a base enforcada pelo concreto da calçada e tem muita gente que pede para remover a árvore de frente da casa. Mas quando está calor, todo mundo quer a sombra de uma árvore, pois são nossas parceiras quando melhoram a qualidade do ar, reduzem a temperatura, garantem umidade. “A árvore tem de ser tratada como ente querido, pois nos protege, então tem que ser estimulada essa posse responsável também. Quanto aos municípios a conservação e o plantio devem fazer parte dos Planos Diretores das cidades como um compromisso”, diz.
O advogado e ambientalista, Virgílio Alcides de Farias, diz que as árvores devem ser consideradas um patrimônio do município. “Como patrimônio elas devem ter manutenção periódica. A Prefeitura tem que verificar se é uma árvore própria para área urbana. Todo ano é uma situação já anunciada, sempre acontecem quedas. Uma vez que o município não faz manutenção acontecem esses acidentes todos os anos. A Prefeitura não pode, ela deve verificar a condição de todas essas árvores e plantar. A OMS (Organização Mundial de Saúde) determina um mínimo de 12 metros quadrados de área verde por habitante, mas isso não é cumprido. Cercados de concreto vivemos em ilhas de calor”, comenta.
Segundo Farias, a Lei Específica da Billings determinou que a área verde dos municípios situados nesta área de mananciais, o que inclui praticamente todo o ABC, deve ser preservadas nos mesmos patamares do ano 2000, mas isso não acontece. “Os municípios e os órgãos de controle continuam aprovando empreendimentos nestas áreas, completa”.
Inventário
Em São Bernardo, a verificação da situação das árvores depende do chamado dos moradores. Por meio de nota, o Paço diz que peritos técnicos da Secretaria de Serviços Urbanos realizam vistorias periódicas para levantamento da situação das árvores, de acordo com os pedidos recebidos da população. Essas vistorias determinam se a espécie arbórea deve ser suprimida ou receber podas de adequação. O tempo de resposta depende do estado fitossanitário da árvore. Em casos de emergência, a remoção é imediata. Em 2022, houve registro de queda de 140 árvores. No período, a Prefeitura removeu 2.155 espécies e replantou outras 2.339”, informou a administração, em nota. O paço não mencionou se tem um levantamento sobre todas as árvores plantadas em áreas urbanas.
A Prefeitura de Diadema conta que não tem inventário das árvores da cidade. A cidade registrou no ano passado 16 quedas de árvores e em nenhum destes acidentes houve vítimas.
Já em Mauá, o inventário está 80% pronto. O município tem hoje 9,74% de cobertura vegetal. “Ao fazermos o inventário informamos quando há árvores com problemas, cujo percentual está em cerca de 10%, sendo a maioria delas por questões de poda. Tanto a Secretaria do Meio Ambiente quanto a Defesa Civil podem atestar a remoção de árvores. De acordo com o decreto municipal 8.190/2016, a poda drástica pode resultar em multa de até 100 FMP (Fator Monetário Padrão), por exemplar, enquanto a supressão por exemplar arbóreo exótico é de 150 FMP, e de 200 FMP, quando nativo, também por exemplar. Em 2022, a administração municipal plantou mais de mil árvores. O Manual de Arborização Urbano, disponível no portal da prefeitura, estimula e orienta quanto ao plantio de árvores”, informa a Prefeitura, que, no entanto não informou quantas quedas ocorreram em 2022.
Santo André diz que possui programas de incentivo ao plantio, inclusive com acompanhamento técnico, como Meu Bairro Mais Verde; Plano de Substituição Gradativa de Árvores Inadequadas; Amigos da praça, entre outros. Quanto a remoções elas são analisadas pela Prefeitura que pode ser aceitar ou rejeitar o pedido. “É vetado ao munícipe a poda ou corte de árvores em vias e logradouros públicos sem a devida autorização. A Lei 9.789/2015 estabelece critérios ainda mais rigorosos para a fiscalização e compensação/reparação ambiental para os casos de supressão, especialmente em áreas particulares ou em áreas de preservação permanente ou na Macrozona de Proteção Ambiental. Para essas situações, é necessária autorização ambiental emitida pelo Semasa.
A punição para poda irregular em Santo André é de 150 FMP´s (Fatores Monetários Padrão) por indivíduo. Já a derrubada da árvore sem autorização gera multa de 300 FMPs, por exemplar. Em residências e em área de manancial, mais de 200 árvores foram cortadas ou podadas de forma irregular no ano passado, segundo a administração. A prefeitura também afirmou que plantou 3.130 árvores no ano passado.
As prefeituras de São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não responderam.