ABC - segunda-feira , 29 de abril de 2024

Capital inicia inquérito epidemiológico no entorno do Polo Petroquímico

Polo Petroquímico Capuava fica no limite entre Santo André, Mauá e São Paulo. (Foto: Divulgação/PMSA)

A Prefeitura de São Paulo iniciou nesta segunda-feira (16/01) o inquérito epidemiológico que visa apurar os casos relatados de tireoidite de Hashimoto em moradores de áreas vizinhas ao Polo Petroquímico Capuava, que fica em Santo André, mas que faz divisa com a Capital e com Mauá.

O inquérito tem início com entrevista de 4,5 mil moradores de 1,5 mil imóveis que são escolhidos por sorteio nos bairros Parque São Rafael, São Mateus e Sapopemba. Paralelamente o estudo será realizado em bairros distantes do polo, como Jardim das Oliveiras, Itaim Paulista e Americanópolis, neste caso para análise comparativa dos resultados.

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O estudo é um desdobramento da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), instalada na Câmara Municipal de São Paulo no ano passado, à partir de denúncias de moradores do Parque São Rafael sobre a ocorrência de doenças que estariam relacionadas à poluição causada pelo Polo Petroquímico. Ficou acordada a realização do inquérito epidemiológico. A ideia é identificar se os moradores têm alguma doença na tireóide ou outro problema endócrino, se têm sintomas como dor de garganta, rouquidão, ganho de peso ou perda de cabelo, além de episódios relacionados a animais domésticos. A ação tem duração prevista de duas semanas, podendo se estender até 27 de janeiro.

Estudo realizado em 2010 aponta uma prevalência maior da tireoidite de Hashimoto no entorno de Capuav. Em áreas distantes do Polo a prevalência de TH era de 9,3% e AAT (Anticorpos Antitireoidianos) era de 17,6% e nas proximidades do Polo os índices foram de 3,9% e 10,3%, respectivamente, sugerindo que residentes apresentavam maior risco de desenvolverem tireoidites. Os ATTs são os principais indicadores da tireoidite de Hashimoto, presente em 95% dos pacientes.

O cronograma prevê uma série de ações, como análise das entrevistas, encaminhamento de moradores para a realização de exames no caso de apresentarem pelo menos três sintomas dos que estão listados no questionário, e análise do conteúdo pesquisado. O inquérito deverá estar completo em abril, segundo o cronograma fixado pela secretaria de saúde paulistana.

Vista aérea da localização do Polo Petroquímico. (Foto: Reprodução)

Para o endocrinologista e professor da especialidade na FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), Fernando Valente, o principal fator da tireoidite de Hashimoto é o hereditário, mas os fatores ambientais devem ser considerados. “O fator ambiental é menos claro, mas as doenças dependem de tudo a que a pessoa é exposta ao longo da vida. Se sabe hoje que há em número maior casos de doenças respiratórias, cardiovasculares (que são a maior causa de mortes) e de colesterol. Quanto ao diabetes – e isso estudos já mostram – que um em cada sete casos tem a poluição ambiental como fator desencadeante. Além disso, temos as alergias, doenças de pele e oculares que a gente imagina ter ligação ainda maior com a poluição”.

Quanto à tireoidite de Hashimoto ela é a causa número um do hipotireoidismo, que é o funcionamento em um ritmo menor da tireóide, produzindo menos o hormônio T4. “A tireoidite de Hashimoto é uma doença auto-imune, ou seja, em que o próprio organismo produz anticorpos que afetam o funcionamento da tireóide”, explica o especialista. Segundo o médico os sintomas são cansaço frequente, sono, inchaço, apatia, indisposição, pele seca e intestino preso. “Há casos em que afeta o ciclo menstrual e afeta a fertilidade, além de fazer subir o colesterol, então são várias implicações”.

O tratamento é feito através de medicamentos em que o paciente começa tomando uma dose do hormônio em comprimidos e, com os resultados de exames o médico vai regulando a concentração do remédio. “Fazendo uso correto, o paciente tem uma vida normal. Mas tem que tomar todo dia um comprimido em jejum e só tomar o café da manhã meia hora depois”.

O diagnóstico tanto da tireoidite de Hashimoto quanto do hipotireoidismo, quando já instalado, é simples e feito por exame de sangue. O problema, segundo Valente, é identificar o caso como um possível mal funcionamento da tireóide, porque os sintomas são inespecíficos. “A pessoa pode achar que está cansada porque dormiu pouco, que tem problema de memória porque está trabalhando muito. Mas esses sintomas devem ser observados como um todo porque eles afetam a qualidade de vida e reduz a produtividade. É preciso fazer exames laboratoriais para uma investigação e inclusive o SUS está bem aparelhado para isso”, completa.

Empresas dizem que não há comprovação de maior incidência de casos no entorno

O Cofip (Comitê de Fomento Industrial do Polo do ABC), entidade que reúne 17 empresas associadas – 13 delas funcionando dentro do Polo Petroquímico Capuava, sustenta que não há comprovação científica de que a tireoidite de Hashimoto esteja ligada a atividade industrial de polos petroquímicos. Em nota, o comitê informou que cumpre as legislações ambientais e que as empresas são sistematicamente fiscalizadas pelos órgãos de controle.

“Os levantamentos disponíveis e que dizem respeito às emissões, partem de um estudo técnico desenvolvido pelo órgão ambiental nos municípios paulistas para medir a evolução da qualidade do ar em relação aos materiais particulados (típicos de regiões com atividades industriais), que mostra uma melhora nos últimos anos no ABC em relação a regiões que abrigam outros complexos petroquímicos. Vale reforçar que as 17 empresas associadas ao Cofip são monitoradas constantemente e operam estritamente dentro dos padrões recomendados e exigidos pela legislação ambiental e autoridades competentes”, diz o Cofip em seu posicionamento.

“Estudos já publicados por instituições reconhecidas não indicam uma prevalência da tireoide crônica autoimune diferente nas áreas do Polo do ABC em comparação com outras áreas em São Paulo, Brasil e no exterior, onde não se situam polos petroquímicos. A literatura médica relaciona os casos da doença a fatores internos, como a ingestão de altos níveis de iodo. A hipótese de se relacionar a doença a fatores externos requer uma análise criteriosa, que deve ser comprovada por outros estudos científicos. Considerando que não existem até hoje indícios de correlação entre a atividade petroquímica e a doença de tireoide, no Brasil ou exterior, eventuais pesquisas e estudos complementares devem ser conduzidos por órgãos públicos competentes. O COFIP ABC e as empresas associadas estão à disposição para fornecer informações adicionais que eventualmente possam contribuir para o aprofundamento da questão”, conclui o comitê.

Veja a íntegra do inquérito epidemiológico:

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