ABC - segunda-feira , 29 de abril de 2024

TRF-2 anula usucapião de parte de uma ilha de Paraty disputada desde o Império

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), no Rio, decretou rescisão de sentença da Justiça Federal em Angra dos Reis que, em 1985, concedeu usucapião a duas famílias sobre uma área de 68,2 mil metros quadrados na Ilha do Araújo, em Paraty, no litoral sul do Estado. A decisão do TRF-2 acolheu ação movida pela Advocacia-Geral da União.

A rescisão foi determinada pela 3ª Seção Especializada do TRF-2, que acompanhou o voto do relator, desembargador Ricardo Perlingeiro (Ação Rescisória nº 0004338-34.2014.4.02.0000/RJ).

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A ação foi proposta pela AGU em 2014 e inicialmente negada pelo Tribunal. A Uniãorecorreu com base em voto divergente no julgamento, obtendo agora a vitória.

O pedido de usucapião, informou a AGU por meio de sua Assessoria de Comunicação, havia sido ajuizado em 1974.

As duas famílias sustentavam que estariam na linha sucessória da posse das terras desde 1876, ou seja, desde o Império.

Segundo os advogados das famílias, o direito ao título teria se constituído antes da vigência da Constituição de 1967 e da Emenda nº 1/1969, que incluiu as ilhas oceânicas como bens da União.

Mas a União comprovou que ilhas, no mar territorial ou não, sempre foram consideradas pela legislação, mesmo antes de 1969, como ‘bens públicos’. Além disso, enfatiza a AGU, é o particular quem deveria provar a posse da terra pela cadeia de títulos sucessórios ou por título hábil.

“Traçamos toda uma linha genealógica de legislação patrimonial, desde o Império, para mostrar que a premissa inicial de usucapião neste caso estava equivocada. Obtivemos uma decisão unânime”, explica o advogado da União Daniel Levy de Alvarenga, da Coordenação de Patrimônio e Meio Ambiente da Procuradoria Regional da União da 2ª Região, que integra a AGU.

Primeira lei sobre terras devolutas é de 1850

O entendimento favorável à União se deu a partir de um histórico das normas legais disciplinando o direito sobre as chamadas terras devolutas, ou seja, as terras públicas sem destinação, desde a edição da Lei nº 601, de 1850, a primeira a regulamentar a matéria.

De acordo com a lei da época do Império, as aquisições de terras poderiam ser efetuadas apenas por compra, revalidação de sesmarias lotes distribuídos no período colonial pelo rei de Portugal, ou por concessão da coroa.

Com a Proclamação da República, essas terras passaram ao domínio público, excluídas aquelas que já pertenciam a particulares.

Ainda segundo a AGU, como preceito constitucional, a impossibilidade de os terrenos insulares se tornarem propriedade particular foi estabelecida na primeira carta da República, de 1891. Em 1932, o Decreto nº 22.250 reconheceu também o domínio público das ilhas marítimas, situação ratificada em 1938, pelo Decreto-Lei nº 710.

Na sequência, o Decreto-Lei nº 9.760/1946 preservou o domínio da União sobre as ilhas, embora excluindo as áreas que, por título legítimo, pertençam a estados, municípios e particulares. Esse reconhecimento foi confirmado na Constituição de 1967, por meio da Emenda nº 1, de 1969.

A mesma disposição foi mantida na Constituição de 1988, que, no artigo 20, inciso IV (quatro), estabelece como bens da União ‘as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal’.

Destinação das terras será decidida após trânsito em julgado
As duas famílias que perderam o usucapião pela decisão do TRF-2 ainda podem entrar com recurso. Elas terão 30 dias para recorrer, prazo que ainda não foi aberto. Somente depois que o processo transitar em julgado é que a Secretaria de Patrimônio da União poderá decidir de que forma a União usará as terras.

De todo modo, a AGU já requereu que seja determinado liminarmente ao Cartório do Registro de Imóveis de Paraty a anotação sobre a existência dessa ação rescisória, ‘a fim de salvaguardar os interesses de terceiros e prevenir responsabilidades’.

De acordo com a AGU, a expectativa é de que a decisão do TRF-2 se confirme no trânsito em julgado, uma vez que casos similares, ocorridos anteriormente em Ilha Grande ou na Ilha Redonda – ambas também em Angra dos Reis -, ‘já foram decididos favoravelmente ao interesse público’.

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