Na última quarta-feira de 2.021, dia 29/12, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o projeto de lei que transfere para os municípios a responsabilidade de legislar sobre as APPs (Áreas de Preservação Permanente), antes atribuição dos estados. Para a bióloga e coordenadora do Projeto IPH (Índice de Poluentes Hídricos) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e integrante do Coletivo A Voz dos Rios, Marta Marcondes, o projeto pode significar um atraso nas leis ambientais e pode agravar situações como enchentes e deslizamentos de terra com perda de vidas.

Para Marta Marcondes há necessidade de que os gestores estejam alinhados com a preservação destas áreas e não permitam ocupação dos morros, encostas e margens de rios. “Devemos proteger as APPs que podem ser cobertas ou não por vegetação nativa pois a função é a preservação principalmente dos recursos hídricos e a estabilidade geológica. A vegetação no topo de morro estabiliza o solo, encosta tem que ser coberta de vegetação para dar estabilidade e as margens de rios têm que ser cobertas de vegetação porque essas são áreas alagadas. Essas coisas não têm acontecido porque se tivessem nós não teríamos situações a de Franco da Rocha no domingo e nesta segunda-feira (dias 30 e 31/01)”, disse a especialista. A cidade da Grande São Paulo foi a mais atingida pelos temporais do final de semana registrando oito das 24 mortes do Estado.
“Como não tem vegetação para segurar acontece o deslizamento ceifando a vida de pessoas e na margem do rio, no momento em que temos a chuva o rio vai buscar o seu caminho. Quanto mais largo o rio maior deve ser a preservação”, aponta a professora da USCS que critica duramente a mudança na legislação. “No final de 2021 fomos surpreendidos por essa nova lei que altera a lei 2.621/2.012 que significa que cada município, independente de que bacia que ele esteja, pode determinar o que quiser para a sua área de preservação permanente. Se não for um município que pense efetivamente o que é se preservar as áreas vamos estar nas mãos de pessoas que muitas vezes não têm o entendimento e o conhecimento técnico sobre o processo todo e aí vamos ter situações piores do que a que nós vimos”.
“Infelizmente nós não temos um planejamento urbano as nossas cidades do ABC; elas cresceram sem e, infelizmente, no que existe hoje essas APPs não fazem parte do planejamento. Ainda não conseguimos solucionar um problema que tem mais de 70 anos. Já sabíamos o que ocorreria se ocupasse topo de morro, e margens de rios. Hoje precisamos de políticas públicas habitacionais que sejam reais e que pensem as periferias das nossas cidades. As pessoas vão para lá morar, por falta de opção. Os municípios têm que fazer a alocação dessas pessoas dentro de uma cidade que tem encosta e topo de morro e ainda como fazer a preservação dessas áreas”, continua a bióloga e ambientalista.
Marta Marcondes sugere estudos para realocar as famílias que moram em áreas de risco com um planejamento habitacional. “Tem que ser feito estudo de imóveis desocupados ou com passivos fiscais, que estão em regiões centrais e que poderiam ser conjuntos habitacionais populares para onde a população de área de risco poderia ser remanejada. Pensar numa obra de engenharia em topo de morro ou encosta ia gastar muito para fazer e, dependendo da quantidade de chuva, isso tudo pode também vir abaixo”.
As ações também não podem ser feitas unicamente por uma cidade, os prefeitos e gestores ambientais de cada município devem conversar entre si. “Os municípios têm que conversar para que se ajudem, para que conversem com as universidades que estudem esse processo. Temos aqui na USCS, tem a Federal do ABC a Faculdade de Engenharia, FEI, e a Mauá. Esses técnicos têm que ser ouvidos para um planejamento urbano senão todo dezembro, janeiro e fevereiro vamos ficar chorando a perda de vidas”, diz a pesquisadora.
Como a lei diz que é o município o responsável pelas APPs, se ele não fizer o controle não será punido. “Quem fiscaliza é o próprio município, pela legislação não tem uma fiscalização superior. Se está no Plano Diretor, o município pode fazer. Essa lei nos deixa com o coração muito apertado. Será que o gestor público vai estar integrado com as questões de preservação? E se não estiver? E se tiver outros interesses além daqueles? Pode ser como por o lobo para cuidar das galinhas”, conclui Marta.