ABC - quarta-feira , 8 de maio de 2024

‘A Cordilheira dos Sonhos’ abre Festival É Tudo Verdade

Cem carros com convidados poderão assistir nesta quarta, 23, a partir das 20h30, à sessão de abertura do Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. É a 25ª edição do evento criado por Amir Labaki, e simultaneamente a essa abertura presencial, no Belas Artes Drive-in, do Memorial da América Latina, os demais espectadores também poderão assistir, remotamente, ao novo documentário de Patricio Guzmán, A Cordilheira dos Sonhos, no site etudoverdade.com.br.

O festival prossegue até 4 de outubro com sessões gratuitas, remotas. O filme de encerramento será anunciado nos próximos dias. A competição brasileira, com dez títulos, ocorre sempre às 21h, a partir do dia 24, com reprise no dia seguinte, às 15h, seguida de debate às 17 h. Da competição internacional participam 12 filmes, que serão exibidos, diariamente, às 18h.

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O É Tudo Verdade tem sessões não competitivas e sobre as mostras tradicionais – Foco Latino, O Estado das Coisas -, o público encontra os detalhes no site. No total, serão exibidos 60 títulos, entre curtas, médias e longas, em competição e fora de concurso. São filmes que dialogam entre si, de forma a abrir uma janela para a compreensão do Brasil e do mundo. A ordenação desse discurso no inconsciente do público é a proposta do curador. Amir Labaki tem sido guerreiro na defesa do gênero.

Jorge Bodanzky retorna aos anos 1960, à própria juventude, para revisitar a criação da Universidade de Brasília e o que sobrou dos sonhos daquela geração em UnB – Utopia Distopia. Em Atravessa a Vida, João Jardim mostra uma escola de ensino médio no interior de Sergipe. Os alunos diante do Enem. A escola está em reforma, e o detalhe é significativo diante de tudo o que está ocorrendo no País. Meu Querido Supermercado, de Tali Yankelevich, também começa com uma obra. O supermercado está sendo montado e o espectador é apresentado a meia dúzia de funcionários. Quem disse que eles não podem discutir o mundo de forma sensível e até intrigante, profunda? Logo de cara, uma pergunta: o que sonham essas pessoas? O que sonham os estudantes de João Jardim? O que sonhavam – mudar o Brasil? – os universitários que vivenciaram a utopia da UnB, transformada em distopia pela repressão da ditadura militar?

O sonho atravessa a programação dessa edição do festival que, desde o início, sofreu os efeitos da pandemia. O Brasil tem sido penalizado e, como se não bastasse o coronavírus, o País sofre os efeitos dos incêndios florestais e do desmatamento. O Pantanal arde, os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia e o governo diz que está tudo bem. O chileno Patricio Guzmán também tem algo importante a dizer. A Cordilheira dos Sonhos encerra a trilogia que começou com A Nostalgia da Luz e prosseguiu com O Botão de Pérola. Logo na abertura, a voz do próprio Guzmásn tenta dar conta da emoção que ele sempre sente ao regressar ao Chile – mora na França – e cruzar a Cordilheira dos Andes.

O deserto em A Nostalgia da Luz, o oceano em O Botão de Pérola e a Cordilheira – “Se essas pedras falassem, o que nos diriam?”, pergunta-se o diretor. Sua proposta é antropomorfizar a pedra, fazer a Cordilheira falar para que ele próprio siga debatendo a tragédia chilena. “Pátria dulce y triste”, como escreveu o grande poeta Pablo Neruda.

Para Guzmán, não existe outro tema – o Chile, utopia, distopia. A utopia, o governo da Unidade Popular de Salvador Allende. A nacionalização das minas de cobre, a maior riqueza do país, a inclusão dos mais pobres. A distopia – o brutal golpe de Estado do General Pinochet. Os mortos e os desaparecidos, os milhares de prisioneiros encerrados no Estádio Nacional. A ditadura chilena nunca assumiu esse fardo pesado – os mortos foram contabilizados como “erros”. O Chile de Pinochet virou cenário de um experimento econômico, o neoliberalismo da Escola de Chicago e seu guru, Milton Friedman. Pinochet matou e prendeu para que não houvesse nenhuma oposição a seus ministros da Fazenda e das Finanças.

Roubou, e foi condenado por isso, mas essa é outra história.
Não existe outro tema para Patricio Guzmán – o Chile e sua tragédia. Dessa vez ele divide a memória com outro personagem raro. Durante 37 anos, um certo Pablo Casas documentou a repressão no Chile. Armado com uma câmera ele foi às ruas e, esquivando-se dos golpes da polícia, às vezes de forma clandestina, filmou tudo o que se passava no Chile. Casas mostra as estantes atulhadas de filmes e vídeos. É como uma cinemateca que só coleciona material comprobatório dos crimes da ditadura. A Cinemateca que, no Brasil, está a perigo. Guzmán consegue o prodígio de fazer a Cordilheira falar. O que diz sobre o neoliberalismo no Chile tem tudo a ver com o Brasil.

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