Mesmo com a mudança, aprovada em definitivo pela Câmara, de mudar o primeiro turno das eleições de ano de 4 de outubro para 15 de novembro e o segundo turno de 25 de outubro para 29 de novembro, alterando em 42 dias o calendário eleitoral, as questões em torno do pleito sendo realizado em plena pandemia da covid-19 ainda não estão solucionadas. O RDTv desta quinta-feira (02/07) ouviu três especialistas em direito eleitoral que colocaram suas opiniões e questionamentos sobre o processo eleitoral deste ano. Participaram do programa os advogados Anderson Pomini, Leandro Petrin e o Pró-Reitor de Administração e Planejamento da Fundação Santo André, Vander Andrade.
A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) alterou não apenas as datas do pleito, mas os prazos de convenções e desincompatibilização foram jogados 42 dias para frente no calendário eleitoral. Servidores pré-candidatos deveriam deixar seus cargos em 4 de julho, agora poderão ficar até 15 de agosto. Outra mudança está relacionada aos gastos institucionais de prefeituras. Se for comprovado que o gasto se destina ao combate a covid-19 ou orientação para os cidadãos essa ação pode acontecer, mas o especialista Anderson Pomini recomenda cautela. “Os prefeitos podem se aproveitar para enquadrar outros gastos institucionais nesta rubrica, é preciso ter muito cuidado. É natural buscar a promoção pessoal, mas cuidado para não colocar o próprio mandato em risco em razão desse uso”, alerta.
Mudança grande também ocorre na participação de estados e municípios. “No regime federativo existe o entendimento de que a legislação municipal jamais poderá interferir na regra. Mas agora a legislação municipal subsidiada por autoridades estaduais e nacionais poderá orientar manifestações políticas. A Justiça Eleitoral flexibiliza a legislação desde que subsidiada por autoridades sanitárias”, expõe Pomini.
Para o pró-reitor da FSA os municípios poderão interferir na eleição alegando números altos de infecção e mortes pela covid-19. Essa interferência deve estar baseada em análises técnicas e os estados também podem fazer a análise que será levada ao Congresso. “Quando se verificou a necessidade de adiamento, para empurrar 42 dias para a frente, se trabalhava com a possibilidade da curva descendente, todavia muitos críticos da norma apontam para o fato de que trabalhamos com o desconhecido, que pode vir a segunda onda. A mim me parece que a provocação pode feita pelo município que está apto o suficiente, mas que os estados também sejam sensíveis a esse processo”.
Para o professor Vander Andrade ainda faltam respostas para muitas perguntas, principalmente para aquelas relacionadas à segurança dos eleitores. “Estamos imaginando uma curva descendente nos meses de setembro, permitindo que cheguemos em novembro em condições mais adequadas. Já há indicadores que não se pode usar álcool gel e apertar o botão da urna. Teremos que ter uma logística que nunca antes foi vista, pois teremos um exército de 2 milhões de mesários, além dos militares que cuidam da segurança das urnas e toda essa logística vai ter que envolver proteção adicional como máscaras, álcool gel e luvas”, aponta. “O TSE já sinalizou que pode mudar o horário, a votação poderá ocorrer das 8 até as 20hs. Esse início pode ocorrer até 7 da manhã. Tem outra conjectura dos idosos votarem das 8 às 11hs, para garantir a questão do grupo de risco, ou que não participe ou vote em condição de segurança mais avançada”, listou o pró-reitor da FSA.
Vander Andrade considera que eleição por si só já é um fator de aglomeração. “Eu avalio que se perdeu a oportunidade para debater a questão da obrigatoriedade do voto. A pandemia vai ser elevada a causa justificadora do não comparecimento na eleição. Terá o dever de justificar, mas também se cogita a isenção da multa”, analisa.
Leandro Petrin destacou que há um espírito de colaboração entre os poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário num esforço para resolver os problemas não previstos trazidos pela pandemia. “Claro que estamos num momento excepcional, tanto é que o Congresso faz a emenda e ninguém falou no artigo 16 da constituição que não permite mudar as regras um ano antes da eleição. Superamos uma cláusula constitucional porque estamos num momento excepcional. Neste momento de polarização e revolta, onde uma parcela da população se volta contra os poderes constituídos, houve uma demonstração de diálogo institucional, um jogo democrático onde se prevalece o bom senso e no é a regra da queda de braço. Se discute, se debate, um poder cede aqui, outro cede ali e sai um acordo razoável para um período difícil e duro”, avalia.
Para o especialista em direito eleitoral Leandro Petrin, o mecanismo da eleição precisa ser bem pensado. “O uso da Biometria em pandemia pode trazer mais contaminação ou se vai conferir com o RG e Título de Eleitor? A Justiça eleitoral tem um orçamento que é aprovado um ano antes e quando se fez não se projetava pandemia e não tem recurso para EPIs e para alimentação dos mesários com o turno a mais, com mais voluntários, no caso de horário estendido. Além disso os convocados, pela pandemia, podem se negar a participar alegando grupo de risco e alguma doença. Por tudo isso a Festa da Democracia, como se costuma fazer referência a eleição, este ano, por causa das mortes não terá motivo para festa”, considera o advogado.
A pandemia também traz a dificuldade de se investir mais nos meios digitais de campanha deixando para os candidatos o desafio de angariar apoios sem estimular aglomerações. “Mas a dificuldade da campanha eleitoral será igual para todos”, comenta Petrin.
Pomini considerou também que seria a oportunidade de se dar início a um estudo sobre o voto via dispositivo móvel. “Hoje pagamos contas pelo celular, transferimos valores, porque o Congresso não se debruçou sobre isso?”, indaga. Vander Andrade também falou sobre esse tema, mas avalia que ainda há milhões de pessoas sem acesso ao sistema bancário e também a tecnologia. “Com o auxílio emergencial descobrimos o fato que mais de 60 milhões de brasileiros não tinham uma conta bancária”, conclui.