Uma brecha no texto em discussão na Câmara sobre prisão de condenados em segunda instância tem provocado impasse até mesmo entre defensores da medida. O motivo da polêmica é que a proposta pode ter um efeito ampliado e afetar não só ações na área criminal, mas também antecipar o pagamento de dívidas cobradas na Justiça, aumentando despesas para União, Estados, municípios e empresas. O assunto será tema de reunião marcada para esta terça-feira, 26, na casa do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com a presença de parlamentares e do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Atualmente, há duas propostas distintas sobre o assunto em debate – uma na Câmara e outra no Senado. A que está sendo analisada pelos deputados está mais avançada: uma proposta de emenda à Constituição (PEC) de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP) passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na semana passada. Já a versão em discussão pelos senadores ainda não foi votada.
De acordo com Manente, sua proposta prevê a execução antecipada da pena para todas as ações que chegarem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assim, um Estado condenado a pagar precatórios, por exemplo, teria de quitá-los antes do julgamento final em instâncias superiores. Esses valores a serem pagos por governos estaduais e municipais somam atualmente R$ 141 bilhões.
“É justo alguém ter um precatório e demorar 20 anos para receber? O Estado em alguma hora tem que pagar”, afirmou Manente ao Estadão/Broadcast. “Os governadores têm declarado apoio à condenação em segunda instância. Imagino que eles não queiram que a condenação seja só para inimigo político.”
Parlamentares que defendem a Lava Jato, porém, veem a extensão do efeito da PEC para ações cíveis como uma tentativa de “melar” a discussão. Em caráter reservado, a avaliação é de que a brecha pode gerar uma reação contrária de Estados endividados e de empresas.
Aprovação
Mesmo com o impasse, o senador Oriovisto Guimarães (Pode-PR) disse que a intenção é aprovar as duas medidas em discussão no Congresso. “Os senadores estão comprometidos em aprovar a PEC da Câmara quando chegar ao Senado. Por outro lado, querem a aprovação imediata do projeto de lei do Senado, que altera o Código de Processo Penal. Por esse projeto, tratar exclusivamente do crime, ser mais rápido e não ter nenhum conflito com a PEC da Câmara”, disse.
No Senado, parlamentares críticos à prisão em segunda instância dizem que, se a regra valer para condenados em ações penais, a mesma medida precisa ser adotada para todo mundo. “A gente não pode ter dois pesos e duas medidas. Vamos fazer uma emenda constitucional para criminal e cível. Segunda instância morre, e que o Supremo só discuta constitucionalidade”, afirmou o senador Omar Aziz (PSD-AM), em sessão na semana passada.
Articulação
Uma articulação envolvendo Alcolumbre e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem como objetivo fazer andar o texto de Manente e “enterrar” o projeto de lei em discussão no Senado, que trata de prisão em segundo grau apenas para a área penal. Uma PEC depende da aprovação de 308 deputados e 49 senadores, enquanto um projeto de lei apenas da maioria simples nas duas Casas legislativas.
De acordo com o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), os líderes vão fechar um acordo nesta terça: uma Casa vota sua proposta e a outra espera. “Texto tem. O que vai se esperar é pela estratégia consensual”, afirmou Gomes.
No cenário desenhado pelo líder do governo, o Senado deve aguardar a votação na Câmara e criar uma comissão para acompanhar o tema, a exemplo do que ocorreu durante a tramitação da reforma da Previdência.
Segundo Maia, a ideia é discutir um texto de consenso entre as duas Casas. “Pode ter acordo que essa é a PEC que vai caminhar na Câmara e depois no Senado. Esse acordo pode fazer”, disse o presidente da Câmara.
Após aprovação na CCJ da Câmara, a PEC ainda precisa passar por uma comissão especial antes de ir ao plenário da Casa. Só depois deverá ser analisada pelo Senado. “Não estou brigando por protagonismo”, afirmou Maia.