O relator da Medida Provisória que cria o Rota 2030, novo programa de estímulo ao setor automobilístico, defende a ampliação dos incentivos para as montadoras, com impacto maior do que a renúncia de R$ 1,5 bilhão ao ano estimada pelo governo. Depois de um intenso debate, o programa acabou sendo aprovado com menos benefícios do que o setor esperava.
Agora, o deputado Alfredo Kaefer (PP-PR), fala, entre outros pontos, em aumentar o porcentual máximo que pode ser abatido no pagamento de impostos e a redução de IPI também para carros que não sejam elétricos.
O relator também defendeu a criação de um programa de refinanciamento de dívidas (Refis) específico para o setor automobilístico, cujo objetivo seria auxiliar a indústria de autopeças. “Aquele Refis (aprovado no ano passado) não contemplou as empresas que deviam acima de R$ 15 milhões. É algo que a gente tem de discutir com a Fazenda”, afirmou.
Durante a conversa com a reportagem, o relator lembrou várias vezes o Inovar-Auto, programa que foi questionado na Organização Mundial do Comércio (OMC) mas que, segundo Kaefer, era melhor para o setor automotivo. Para ele, devem ser discutidos até descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros nacionais, justamente o ponto que foi condenado pela OMC.
Na formatação do Rota 2030, com aconselhamento do Itamaraty, o governo tomou cuidado para não prever nenhum tipo de diferenciação entre carros produzidos no Brasil e os importados e evitar novos problemas com o organismo.
“No Rota não há redução de IPI, por exemplo, como o Inovar tinha. Penso que, se a indústria automobilística vier com um demonstrativo claro de que teremos fortes investimentos não só em pesquisa e desenvolvimento, como investimentos industriais, podemos produzir um Rota 2030 com variáveis melhores”, afirmou.
Impostos
Outra mudança que ele pretende avaliar é a flexibilização das regras que permitem a redução de impostos. No texto da MP, podem ser abatidos por ano 10,2% do que for investido em pesquisa e desenvolvimento. Kaefer analisa tanto o aumento desse porcentual como permitir que o abatimento seja relativo a qualquer valor investido.
A ampliação dos benefícios e do custo fiscal deve encontrar resistência no Ministério da Fazenda. Um integrante da equipe econômica disse que o governo trabalhará para defender com argumentos técnicos a proposta que foi enviada, que é a que tem espaço fiscal para ser colocada em prática.
O Rota 2030 foi criado por Medida Provisória no início de julho para substituir o Inovar-Auto, que acabou no fim do ano passado. As discussões em torno do programa duraram mais de um ano e resultaram em uma queda de braço – muitas vezes pública – entre os ministérios da Fazenda e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Enquanto o primeiro defendia o fim dos programas automotivos, o segundo queria ampliar os benefícios fiscais. A renúncia foi mantida no mesmo R$ 1,5 bilhão por ano do Inovar-Auto, mas as exigências para as montadoras conseguirem os mesmos benefícios ficaram maiores.
Kaefer deve apresentar seu relatório em outubro. A Medida Provisória tem de ser aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado até dia 14 de novembro, prazo em que perderá a validade.
‘Inovar-Auto era melhor porque tinha redução de impostos’, diz Kaefer
Além de ampliar benefícios tributários para o setor automotivo, o que aumentaria o custo do Rota 2030 para além da renúncia de R$ 1,5 bilhão por ano estimada pelo governo, o relator da MP que cria o programa, deputado Alfredo Kaefer (PP-PR), tem intenção de criar um programa de refinanciamento de dívidas (Refis) específico para auxiliar principalmente o setor de autopeças. O deputado recebeu a reportagem na quinta-feira, após se encontrar com o secretário da Receita, Jorge Rachid, que aproveita toda oportunidade para defender a redução das renúncias fiscais para a metade dos atuais R$ 270,4 bilhões.
A seguir, trechos da entrevista.
Houve disputa entre os Ministérios da Fazenda e da Indústria sobre o tamanho da renúncia fiscal do programa. De que lado o sr. Está?
Tenho de ficar do lado do equilíbrio, mas lógico que sou de um ideário liberal desenvolvimentista e gostaria de tratar do assunto com esse viés. Muita gente confunde dizendo que são benefícios, mas penso que são incentivos que, em troca, têm benefícios para a sociedade em uma área extremamente importante para o Produto Interno Bruto (PIB). Há um efeito cascata com mais empregos, renda e impostos.
O setor reclamou que o Rota 2030 ficou mais pendendo para a Fazenda, ou seja, com menos benefícios que gostariam.
O que o governo apresentou no Rota 2030 não é o mesmo que o Inovar-Auto, que era melhor para o setor. O Inovar trazia redução de impostos que acabavam refletindo no preço do produto, beneficiando o consumidor. No Rota, não há redução de IPI, por exemplo. Penso que se a indústria automobilística mostrar claramente que teremos fortes investimentos não só em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), como investimentos industriais, acho que podemos produzir um Rota 2030 com variáveis melhores do que estão aí.
O sr. acha possível trazer no relatório redução do IPI não só para carros elétricos?
Aceno com essa possibilidade, sim. É um jogo matemático. É possível ter redução num determinado imposto que pode ser compensado com outros ganhos. Vender mais carros é mais ICMS para os Estados, ISS para os municípios, outros impostos federais. Estou aberto a essa conversa se estiver convencido de que é extremamente vantajoso para o sistema produtivo nacional.
O Rota 2030 prevê que 10,2% do que o setor investir em P&D poderá ser abatido no pagamento de impostos. Isso pode ser ampliado no relatório?
O Inovar-Auto chegava a 30%. A ideia é discutir isso.
O sr. acha que os incentivos têm de ser dados para além dos investimentos em P&D?
Sim. Dentro do Rota 2030 há investimentos que terão ganhos de médio e longo prazo, com redução de poluentes, melhoria de tecnologias. Mas não há demonstração de que haverá aumento no tamanho das fábricas, criação de mais empregos. O Inovar-Auto tinha isso muito mais claro e esses ajustes podemos produzir.
O sr. pretende incluir no relatório uma diferenciação de imposto para carros importados? O Inovar-Auto foi condenado na Organização Mundial do Comércio (OMC) justamente por dar tratamento tributário diferenciado.
Tínhamos de ter tido mais argumentos com a OMC porque não estávamos criando desequilíbrios. Temos de discutir isso porque queremos exportar bastante e manter regras competitivas de importação, mas o jogo tem de ser igual.
Então a ideia é fixar alíquotas de IPI diferentes para carro importado e nacional?
Veja, não é uma ideia. O que eu acho é que a gente tem de levar isso para discussão.
O sr. pretende acolher quais emendas apresentadas?
Não fiz essa análise. Ainda estamos discutindo temas mais abrangentes. Certamente vamos conversar com o setor de autopeças, por exemplo, que foi atingido frontalmente pela crise. Muitos estão com inadimplência fiscal, não têm acesso a crédito. E aquele Refis (aprovado em 2017) não contemplou as empresas que deviam acima de R$ 15 milhões. É algo que temos de discutir com a Fazenda.
O sr. acha necessário um refinanciamento de dívidas para as autopeças?
É preciso discutir o assunto.
O Rota tem custo de R$ 1,5 bilhão ao ano. Dentro do desenho que o sr. pretende, de ampliação de incentivos e de um novo Refis, qual será o custo do programa?
O benefício só vai acontecer se houver mais produção, bom desempenho na indústria. Você não está dando um subsídio. Vai criar produção e arrecadação em cima de algo que não teria. Estou exigindo contrapartidas que vão dar ganho à cadeia.
Deputado responde a várias ações na Justiça
Deputado federal no terceiro mandato e concorrendo à reeleição, Alfredo Kaefer (PP-PR) foi escolhido no início do mês como relator da comissão especial destinada a analisar a medida provisória que institui o Rota 2030. Apesar de ter sido aprovado pela liderança do governo, Kaefer indica disposição em debater mudanças no texto que contrariam a visão da área econômica de Michel Temer.
O parlamentar do Paraná não é conhecido na Câmara como representante de interesses do setor automobilístico, mas sim da área agrícola, na qual se consolidou como empresário.
Ele era dono do Grupo Diplomata, grande produtor de frangos. Nos últimos anos, a empresa chegou a ter a falência decretada – e revertida recentemente na Justiça – e entrou em processo de recuperação judicial.
A crise na empresa fez com que Kaefer deixasse de ser um dos parlamentares mais ricos entre os eleitos em 2014. Na ocasião, ele declarou à Justiça Eleitoral ter R$ 108 milhões em bens. Nestas eleições declarou ter só R$ 1,3 milhão.
A explicação para a queda de 98% é que Kaefer enfrenta vários processos envolvendo seus negócios.
No início do ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ofereceu duas denúncias contra o parlamentar no Supremo Tribunal Federal (STF), uma delas por suposta prática de lavagem de dinheiro e financiamento de sua campanha à Câmara.
Ainda assim, ao menos cinco processos contra ele já foram retirados do STF e enviados para outras instâncias com base no foro privilegiado.
“Não tem lavagem de dinheiro, não tem nada. É uma acusação infundada”, defendeu-se o deputado à época. Ele está no PP, mas já passou pelo PSL e pelo PSDB.