A briga para ser a número um em vendas no mercado brasileiro sempre existiu, mas nunca foi tão abertamente declarada como agora. Executivos das três maiores fabricantes em condições de disputar o posto deixaram de usar meias palavras, como “liderança não é objetivo, é consequência”, para expor seus desejos.
Além da meta de chegar (ou permanecer) na liderança, os três presidentes das principais montadoras do País têm em comum o fato de serem jovens para as posições que ocupam (entre 44 e 48 anos), comandarem as operações da região e não só a brasileira e terem presidido as respectivas marcas na Argentina, principal parceira comercial do Brasil.
Dois deles são argentinos – Pablo Di Si, da Volkswagen, e Carlos Zarlenga, 44 anos, presidente da General Motors Mercosul -, e dois são casados com brasileiras – Di Si e o italiano Antonio Filosa, presidente da FCA América Latina.
Filosa, também de 44 anos, assumiu o cargo em março e já esquentou a disputa. Diz que a FCA, que junta Fiat e Jeep, será líder do mercado ainda este ano. Já a Fiat, sozinha, só deve voltar ao posto que já ocupou por 14 anos em 2020, quando tiver completado a renovação da linha de produtos. A marca italiana detém hoje 12,5% das vendas de automóveis e comerciais leves.
No grupo Fiat há 20 anos, Filosa trabalhou no Brasil por 12 anos e, em 2016 e 2017 comandou as operações argentinas. Seu ritmo de trabalho é frenético. No início do mês, quando se encontrou com um grupo de jornalistas em São Paulo, seu primeiro filho, Filippo, tinha oito dias de vida. “Ele não me viu em sete deles”, brincou.
Nos planos da Fiat estão também o lançamento de utilitários-esportivos. Sua coligada Jeep, especialista no segmento, já tem o Renegade e o Compass, ambos com bom desempenho em vendas. Detalhes de investimentos e produtos, contudo, só serão revelados no dia 1º de junho, na Itália, quando o presidente mundial da FCA, Sergio Marchionne, anunciar o próximo plano global do grupo.
A líder GM, com 17% da fatia do mercado, vai defender seu reinado também com a renovação de seus produtos. “Até 2022 serão 20 lançamentos”, informa Zarlenga, que preside o grupo desde setembro de 2016. No número de novos produtos, igual ao da VW, também “haverá muitos SUVs” e a substituição da maior parte da linha atual, como Onix, Prisma e Montana.
Ex-jogador quer levar VW à liderança
Jogador da categoria de base do argentino Huracán por três anos, Pablo Di Si era zagueiro e volante quando o time venceu o campeonato nacional de futebol juvenil da Argentina, em 1987, por pontos corridos. “Nossa equipe não era a melhor, mas éramos unidos e jogávamos de fato como um time, por isso vencemos”, diz o hoje presidente da Volkswagen América do Sul e Brasil, que quer usar a mesma tática para levar a marca de volta à liderança do mercado brasileiro.
Filho único, Di Si sempre teve apoio para os estudos por parte dos pais, que lamentavam o fato de terem sido obrigados a deixar a escola quando crianças para ajudar a família. Quando ele era pequeno, o pai trabalhava no porto e a mãe como costureira. “O que ganhavam ia para minha educação, mas, vivendo num país volátil como a Argentina, não era muito fácil.”
Aos 17 anos, Di Si conseguiu uma bolsa de estudos nos Estados Unidos após enviar, por correio, fitas VHS com sua performance para diretores de atletismo de 20 universidades. Os EUA se preparavam para sediar a Copa do Mundo de 1994 e queriam estimular o futebol.
Di Si foi chamado por todas elas para entrevistas e escolheu a Loyola University, de Chicago. Treinava cinco horas por dia, estudava e de madrugada trabalhava na Varig, transportando malas dos passageiros que chegavam em um voo às 4h. “Muitas vezes deixava de jantar para economizar dinheiro.”
Após dois anos no time universitário, a direção da Loyola lhe deu a opção de manter a bolsa ligada ao futebol ou trocá-la por outra só para estudos, pois tinha boas notas. Optou pela segunda. Formou-se em Administração e Finanças, fez mestrados e MBAs e trabalhou em empresas como Abbott, Monsanto, Kimberly-Clark, CNH e Fiat.
Na Fiat permaneceu por quase dez “intensos” anos, entre EUA e Brasil, e participou do processo de compra da Chrysler e das negociações com o governo de Pernambuco para a construção da fábrica da Jeep.
Em 2014, foi contratado pela Volkswagen para presidir a filial argentina – o primeiro sul-americano a comandar o grupo na região. Na sequência foi eleito para a presidência da Câmara da Indústria e Comércio Brasil-Argentina, o que o levou a um encontro com a chanceler Angela Merkel, que no ano passado esteve no país para conhecer os processos locais de licitação.
Era a primeira vez que a Argentina recebia uma autoridade da Alemanha e ele, mesmo não falando alemão, acabou “fazendo o meio-campo” nos encontros entre ela, o presidente Mauricio Macri e executivos de várias companhias. “Nesse episódio cresci muito profissionalmente, foi um grande aprendizado”.
Em outubro passado, Di Si assumiu a operação da montadora no Brasil, a quarta maior da marca. Em sua mesa no escritório da fábrica em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, ele mantém a foto que tirou ao lado da chanceler.
Missão
Uma de suas metas é colocar a Volkswagen de novo na liderança do mercado brasileiro. A marca ocupou o posto por mais de quatro décadas, mas há 17 anos não consegue mais esse título. Segundo analistas do mercado, seus produtos já não atraíam os consumidores. Nesse período, as marcas que mais venderam carros foram Fiat (de 2001 a 2003 e de 2005 a 2015) e General Motors (2004, 2016 e 2017).
Alguns de seus antecessores também tentaram recuperar o posto de número um, mas não conseguiram. Di Si chegou ao Brasil num momento de recuperação de mercado e tem a seu favor um plano de 20 lançamentos até 2020 anunciado por seu antecessor, David Powels, como parte de um programa de investimento de R$ 7 bilhões.
A estratégia que ele escolher para posicionar esses modelos num mercado cada vez mais competitivo é que fará a diferença. Autonomia da matriz para definir os produtos que quer para o mercado brasileiro ele já tem.
Dos novos carros, 13 são de produção local, 2 serão feitos na Argentina e 5 virão de fora. Dessa lista já chegaram o hatch Polo e o sedã Virtus, fabricados em São Bernardo, e o utilitário-esportivo (SUV) Tiguan, importado do México.
“Só com essas três novidades conseguimos crescer quase 40% em vendas neste ano, enquanto o mercado total cresceu 20%”, comemora Di Si, que vê chances da marca chegar ao topo ainda este ano, “sem fazer loucuras”, ou seja, sem prejudicar os resultados financeiros.
O grande salto deve ocorrer com a chegada dos quatro SUVs previstos. É o segmento que mais cresce em vendas no País, mas foi deixado de lado pela Volkswagen nos últimos anos.
O primeiro SUV nacional será o T-Cross, de médio porte, que será produzido em São José dos Pinhais (PR) a partir do fim do ano. Uma versão compacta será feita na Argentina (o Tarek), com a nova Amarok. O Atlas, de maior porte, virá dos EUA.
Entre as demais novidades estão um compacto com características de “aventureiro” que também será feito no ABC paulista, e o Gol com câmbio automático. Em breve também chegará o substituto desse modelo que foi campeão de vendas por 26 anos e este ano ocupa a sexta posição. O Polo já está na quarta.
Gabinete
Quem conhece Di Si diz que ele é uma pessoa inquieta, que gosta de ocupar espaços e sempre tem a agenda lotada de compromissos que incluem palestras em bancos, visitas a concessionárias e aos portos para conhecer a infraestrutura local.
“Ele é do estilo que fala e faz. Se tiver de dizer não, diz, o que torna o relacionamento mais claro com a rede”, afirma um grande concessionário que prefere não se identificar. “Não é uma pessoa de gabinete.”
Também tem se reunido com fabricantes de peças. A empresa enfrenta gargalo no fornecimento de alguns componentes que, com a demanda maior têm provocado fila de espera de até quatro meses para alguns modelos, como o Virtus.
A fábrica do ABC já opera em três turnos e uma ampliação está nos planos futuros. Na filial de São Carlos, onde são produzidos motores, foram abertas neste mês 155 vagas.
“A lição que aprendi como jogador, de que só se consegue vencer trabalhando como um time, eu levo para a vida toda e é com essa filosofia que queremos ser líderes novamente, envolvendo toda a equipe, fornecedores e concessionários”, afirma Di Si, hoje com 48 anos. “Um time grande nunca joga pelo segundo ou terceiro lugar, joga para ganhar o campeonato.”
Com a alta nas vendas de janeiro a abril – para 107,8 mil unidades -, a marca subiu da terceira para a segunda posição no ranking nacional e está 17.890 veículos atrás da líder GM. Há um ano, a diferença era de 30,9 mil unidades. Sua participação no mercado é de 14,6%, ante 17% da concorrente.