“Não sei quem é”, disse Ana Maria Comparini Silva, ao ter em suas mãos a foto do prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior (PSDB), em sua casa simples no bairro residencial Fazenda Grande, de classe média baixa, em Jundiaí, São Paulo (foto). Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), porém, a moradora doou para campanha do tucano o valor de R$ 293 mil durante a eleição municipal em 2016.
Em um percurso de praticamente duas horas, o RD foi ao endereço de Ana Maria, cujo nome consta na investigação instaurada pelo MPE (Ministério Público Eleitoral), por enxergar indícios de irregularidades nos repasses destinados a Auricchio durante a disputa pelo Palácio da Cerâmica. A Promotoria conseguiu autorização do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) para a quebra do sigilo bancário da doadora.
Em Jundiaí, a reportagem se deparou com uma casa simples, que não ostenta qualquer tipo de luxo. O muro da residência está sem acabamento, pichado e com a cor laranja dos tijolos. Toda estrutura, porém, não condiz com o artigo 21 da resolução nº 23.463/2015 do TSE, o qual prevê que a soma de doações de pessoas físicas é limitada a 10% dos rendimentos brutos declarados no Imposto de Renda do ano anterior ao período eleitoral.
Por essa razão, como Ana Maria doou R$ 293 mil a Auricchio, deveria registrar, em 2015, um rendimento bruto superior a R$ 2,9 milhões. No entanto, o MPE constatou que a moradora não apresentou declaração do Imposto de Renda em 2014 e 2015, o que ampliou a suspeita de irregularidades e impulsionou o pedido de quebra do sigilo bancário, medida contestada pela defesa. As investigações seguem sob segredo de Justiça.
Após tocar o interfone da casa, Ana Maria atendeu ao RD e negou que tivesse o valor de doação e menos ainda um rendimento milionário. Em seguida, ela passou o telefone do trabalho da filha, Rita de Cássia Silva, para falar em seu nome. O número do contato é da Globo Contábil, com sede em São Paulo. Segundo a prestação de contas do TSE, a mesma empresa foi contratada por Auricchio na eleição do ano passado, por R$ 20 mil.
A reportagem ligou para o número informado por Ana Maria e contatou imediatamente Rita na empresa. Em seguida, a funcionária solicitou que a advogada Marina Chaves Alves falasse em nome da família. Por sua vez, a defesa informou que não poderia entrar em detalhes sobre o caso, em razão do sigilo profissional, mas questionou a ação do MPE pela quebra do sigilo bancário da cliente.
“A Ana Maria sequer é parte desse processo, e sim as pessoas que foram eleitas (chapa de Auricchio e do vice-prefeito Beto Vidoski, também do PSDB). Ela figura como testemunha e consideramos uma ilegalidade e violação aos direitos fundamentais a quebra do sigilo bancário e estamos questionando na Justiça”, pontuou a advogada.
Segundo o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), o que há no processo investigatório até agora são provas documentais as quais demonstram que Ana Maria não teria idoneidade financeira para fazer uma doação nesse nível. O processo ainda esta na fase de instrução processual, que inclui o depoimento de testemunhas.
O RD tentou localizar o proprietário titular da Globo Contábil, por esclarecimentos, mas as atendentes informaram que essa pessoa não se encontrava no local e disseram que deixariam recado, sem retorno posterior. Também houve contato com a Secretaria de Comunicação Social da Prefeitura de São Caetano, em busca de uma nota de Auricchio, porém, não houve retorno por parte da assessoria.
Vizinhos relatam desempregos no bairro
Pelo bairro Fazenda Grande, em Jundiaí, o RD conversou com moradores próximos à residência de Ana Maria. A pergunta foi se eles conheciam alguém capaz de fazer uma doação de quase R$ 300 mil e se um dia teve um rendimento milionário pelas redondezas. “Se há milionário aqui, não estou sabendo. Aqui há muitas pessoas pobres”, constatou Jefferson de Souza, de 25 anos e desempregado.
Há 13 anos como morador do bairro, um mecânico desempregado, que pediu para não ter seu nome divulgado, também estranhou a existência de alguém capaz de aplicar tal doação nas proximidades. “Eu desconheço. Aqui é um bairro de classe média baixa e há bastante gente desempregada por aqui. Bem que essa pessoa poderia doar esse dinheiro para mim”, brincou.
Para advogados, cassação de prefeito é descartada
Mesmo que o MPE venha a comprovar irregularidades na doação de R$ 293 mil de Ana Maria à conta eleitoral de Auricchio e Vidoski, o risco de uma cassação da chapa tucana do comando da Prefeitura de São Caetano é praticamente nulo. “O candidato não tem obrigação de saber a capacidade financeira do doador”, descreveu o advogado Luiz Sílvio Moreira Salata, em junho.
Para o advogado Thiago Tommasi, não há risco de cassação de uma chapa eleitoral por conta de valor doado em excesso por uma pessoa física. “A penalidade se aplica ao doador. A legislação eleitoral é clara quanto àquele que não tem capacidade financeira. Se uma pessoa não tem rendimentos brutos (compatíveis com o valor de doação), em tese, tomaria uma multa de cinco a 10 vezes do valor doado em excesso”, descreveu.
O MPE solicitou a quebra do sigilo bancário de Ana Maria junto ao TRE-SP. Logo depois, a defesa da doadora impetrou um mandado de segurança contra a ação dos promotores, com pedido liminar solicitando a antecipação da decisão do tribunal, sob a alegação de violação aos direitos constitucionais à intimidade e à inviolabilidade de seus dados pessoais, porém, teve a liminar indeferida.
Em seguida, a defesa de Ana Maria ingressou novamente ao TRE-SP, desta vez por meio de um agravo regimental, em que questiona a decisão anterior. No entanto, o juiz Luiz Guilherme da Costa Wagner rejeitou este novo pedido judicial, ao avaliar que não havia evidência de ilegalidade no parecer favorável ao MPE. Mesmo assim, o magistrado determinou que a investigação prosseguisse em sigilo.