
No próximo sábado (24/6), Nabil Bonduki e Carlos Neder promoverão debate com o tema O que a esquerda e o campo progressista têm a propor para o Brasil? Como o título sugere uma interrogação, vou tentar nesse espaço aludir algumas reflexões pertinentes ao assunto, como será possível a esquerda participar no futuro de campanhas eleitorais com abordagens mais abrangentes e generosas, sem recorrer ao antigo axioma do “nós contra eles”?
O campo socialista teria desprendimento para reconsiderar a tese do golpe contra o governo de Dilma Rousseff, uma vez que tal evento obedeceu aos ritos e prazos processuais exigidos por lei e até mesmo passando pela anuência da Câmara dos Deputados e Senado Federal, com a devida supervisão do Supremo Tribunal Federal, e validada como sendo legítima pela maioria esmagadora dos brasileiros? Conseguiria fazer o mea-culpa, inclusive admitindo que a camarilha que dilapidou a Nação participou ativamente dos quatro mandatos do Partido dos Trabalhadores?
Levaria em conta que defender os direitos laboriosos, não significa referendar uma Justiça Trabalhista que chega a revogar, através de suas sentenças, princípios elementares da matemática e física newtoniana, destruindo empresas, várias delas, nascidas do sonho de jovens moradores de bairros periféricos que lutaram arduamente por suas emancipações econômicas?
Que a ilha de Cingapura pode oferecer modelos de desenvolvimento mais profícuos aos interesses do País do que a icônica Cuba? Que a concepção de luta de classes, tal como foi idealizada, não mais representa a essência das dinâmicas sociais, hoje baseada em novas tecnologias e globalização do conhecimento e informações? (Até porque não há qualquer outro exemplo bem-sucedido de sociedade gerida unicamente pelo trabalho. Além disso, os gigantes socialistas, China e Rússia, acabaram transformando-se em referência para a direita radical).
Que foi um erro avalizar o movimento bolivariano, que destruiu a economia e oprime ferozmente o povo venezuelano? Que o Estado deve ser idealizado para servir o cidadão, ao invés de impor modelos ideológicos e premissas doutrinárias? Que as administrações públicas tenham como o principal objetivo universalizar serviços de qualidade que efetivamente melhorem a vida das pessoas? A esquerda estaria preparada para compreender que chegamos ao fim de um ciclo e agora necessita reformular seus pensamentos e práticas para que os legados libertários não sucumbam como um conjunto de ideais demodês e anacrônicos?
Aceitaria o fato de que Barack Obama, inspirado por concepções liberais, se tornou a grande figura humanista da política do século 21? Abandonaria a prepotência e arrogância de ambicionar a condição de classe dirigente, aliás, sobrevivendo sem a inevitabilidade de estar lastreada a um líder carismático? Em suma, urge a necessidade de a esquerda modernizar seus postulados, no sentido de mais ouvir do que falar, mais aceitar do que impor, mais caminhar lado a lado do que liderar. Enfim, ser parte de algo, ao invés de sua justificativa. Humildade, devoção e vocação para defesa da coisa pública e interesse da coletividade.
Nilton Cesar Tristão é cientista político e diretor do Instituto Opinião Pesquisa