Em 6 de novembro de 2014, o diretor regional da Odebrecht Realizações Imobiliárias, Rodrigo Costa Melo, responsável pelo contrato da obra do Porto Maravilha (foto), no Rio, enviou e-mail a seu superior, Antonio Pessoa de Souza Couto, diretor-superintendente da unidade do Grupo Odebrecht, em que pedia R$ 1 milhão para “Turquesa”. O dinheiro seria propina na obra de revitalização da região portuária do Rio, uma das maiores Parcerias Público-Privadas executadas pela Concessionária Porto Novo, formada por Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia.
Cinco dias após o pedido, Couto responde ao subordinado: “Ok”. Ato-contínuo, o diretor ligado à obra de Porto Maravilha escreve para Paul Altit, líder empresarial da Odebrecht Realizações: “PA, seguindo o processo, solicito sua aprovação para a operação”. Altit responde e copia Ubiraci Santos, um dos responsáveis pelo controle na holding do Setor de Operações Estruturadas, apontado como “departamento da propina”: “Ok Bira”.
Com a aprovação de suas chefias, Melo envia em e-mail para a secretária Maria Lúcia Tavares, do Setor de Operações Estruturadas, e solicita a entrega do dinheiro em duas parcelas.
A troca de mensagens dos executivos da Odebrecht, em quatro níveis hierárquicos, as planilhas de registro de pedido e registro de pagamentos fazem parte do rol de provas descobertas pela Operação Lava Jato de que a distribuição de propina foi institucionalizada no grupo e envolvia desde diretores responsáveis pelas obras até seu presidente, Marcelo Odebrecht – afastado do cargo desde que foi preso.
“Trata-se de um sistema institucionalizado e profissionalizado, com observância à hierarquia empresarial, e que admitidamente assume contornos sub-reptícios ao se valer de codinomes para preservar a identidade dos destinatários”, afirmou a Polícia Federal.
Para investigadores, foi a institucionalização operacional dos pagamentos que arrastou mais de 50 executivos do grupo a buscar a delação premiada e fez com que o acordo com a força-tarefa do Ministério Público Federal fosse a única saída para tirar Marcelo Odebrecht da cadeia e afastar o risco de falência do Grupo Odebrecht.
Além de políticos do PT, PMDB e PP – legendas já alvo da investigação -, partidos como PSDB também podem ser implicados pelas delações.
Desvantagem
Os procuradores da Lava Jato consideram, no entanto, que as provas encontradas contra a Odebrecht colocam a empreiteira em desvantagem nas negociações de uma delação premiada. “Na mesa de negociação de uma delação, é como numa negociação comercial ou entre um casal: quem mais quer menos pode”, afirmou um dos investigadores, em reservado.
O caso da propina nas obras do Porto Maravilha – já conhecido desde março, quando foi presa a ex-secretária do Setor de Operações Estruturas Maria Lúcia Tavares – é emblemático para mostrar, segundo os investigadores da força-tarefa, que o grupo continuava a praticar crimes mesmo depois de iniciada a Lava Jato, em março de 2014.
As descobertas da operação e uma provável delação de executivos do grupo também podem levar a Polícia Federal e o Ministério Público Federal a irregularidades além da Petrobrás.
Além de guardar registros de propina para agentes públicos e políticos nos contratos de refinarias e plataformas, os arquivos do Setor de Operações Estruturas têm dados sobre pagamentos em obras de estádios da Copa de 2014, como o Itaquerão, em São Paulo, em negócios de transporte (concessões de aeroportos e rodovias), no setor de saneamento e outros.
Codinomes
As ordens de pagamentos têm identificação de executivos responsáveis pelos pedidos, os contratos relacionados, unidades envolvidas nas despesas, nomes dos superiores que autorizavam pagamentos, beneficiários, contas usadas e valores envolvidos. Tudo cifrado, com uso de codinomes, siglas e senhas, com objetivo de ocultar a sistemática financeira montada no grupo.
Para a força-tarefa, a descoberta do Setor de Operações Estruturadas é a prova mais contundente da corrupção “profissionalizada” das empreiteiras do cartel que atuou na Petrobrás entre 2004 e 2014.
Mesmo com acordo, herdeiro ficará preso
Cinco meses depois da assinatura de um termo de confidencialidade com o Ministério Público, primeiro passo para iniciar um acordo de colaboração premiada, o empresário Marcelo Odebrecht (foto), ex-presidente da maior empreiteira da América Latina, permanece atrás das grades. Mesmo confessando o que sabe, o “príncipe” das construtoras ainda terá de cumprir uma pena de dez anos de prisão.
A década será subdividida em quatro períodos de dois anos e meio. O primeiro será cumprido no regime fechado – descontado o um ano e meio cumprido em Curitiba -, depois ele passará para o semiaberto, seguido da prisão domiciliar e, enfim, do regime aberto.
Quando a Lava Jato chegou perto das empreiteiras, ao identificar o cartel de empresas que tinha o controle e dividia as obras da Petrobrás, em novembro de 2014, investigadores já olhavam para Marcelo Odebrecht como líder do grupo. No “clube vip”, era a empreiteira que tinha a maior fatia dos contratos com a petrolífera.
As primeiras delações confirmaram a desconfiança da força-tarefa da Lava Jato ao apontarem a empresa como protagonista do esquema de corrupção, desvios e cartel na Petrobrás.
Durante os primeiro anos da Lava Jato, a empreiteira negou ilícitos e participação no cartel. O ex-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando Santos Reis chegou a dar entrevista na qual disse que o grupo não fazia “nada errado”. “Está todo mundo esperando o momento em que vão nos pegar, mas nós não fizemos nada errado”, afirmou o executivo em abril de 2015. Hoje, Reis é um dos que colaboram com o Ministério Público.
Dois meses após a declaração, em 19 de junho de 2015, Marcelo Odebrecht foi preso durante a 14.ª fase da Lava Jato. Batizada de “Erga Omnes”, que em latim significa “vale para todos”, a operação capturou não apenas o então presidente da empreiteira, mas executivos ligados à cúpula da empresa.
Preso, Marcelo se recusava a colaborar e chegou a ser acusado pela força-tarefa de tentar atrapalhar as investigações.
Delatora
A situação piorou com a delação da secretária Maria Lúcia Tavares. Ela relatou que trabalhava no Setor de Operações Estruturadas, departamento oficial que cuidava das propinas do grupo, segundo as investigações. A delação deu origem à Operação Xepa, 26.ª fase da Lava Jato, em março deste ano. Dias antes, o herdeiro da Odebrecht havia sido condenado pelo juiz Sérgio Moro, que conduz a investigação na primeira instância, a 19 anos e 4 meses de prisão.
Com a descoberta do “departamento de propina” e a corrosão financeira do grupo, Marcelo Odebrecht passou a ser pressionado a colaborar. Por trás das negociações estava seu pai, Emílio Odebrecht. Em maio, a empresa firmou o termo de confidencialidade.
Após cinco meses de negociação, na primeira semana de outubro, cerca de 15 acordos eram dados como concluídos – caso de Benedicto Barbosa Júnior e César Ramos Rocha. Até sexta-feira passada, advogados da maior parte dos 80 executivos que negociam delação ou algum tipo de colaboração já haviam terminado a fase de acerto e analisado, pela última vez, os anexos que contêm o que cada funcionário deve relatar à Procuradoria-Geral da República, comandada por Rodrigo Janot.
Homologação
Com a assinatura, os procuradores podem começar a colher os depoimentos formais dos executivos para, depois, enviar o material para homologação ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.
Só depois da homologação dos acordos, procuradores podem usar o material da delação para pedir a abertura de investigações ou oferecer denúncias com base nos relatos dos executivos. Como não há prazo legal para que o relator no Supremo homologue a delação, a previsão é de que os primeiros efeitos concretos da colaboração da Odebrecht apareçam apenas no início do ano que vem.
“Tudo que é bom é difícil. Tudo que é fácil não é para nós”, escreveu Marcelo Odebrecht em e-mail enviado a executivos da empreiteira, anos antes de ser preso e enfrentar um dos processos de delação premiada mais longos e duros da Operação Lava Jato.
Acordo acelerará envio de delação da Odebrecht a Teori
A colaboração entre o Grupo Odebrecht e a Lava Jato está na reta final. Previsto para ser firmado ainda neste mês, o maior acordo já feito pela operação – 53 executivos negociam delação e 32 depõem como lenientes (colaboradores a quem não são imputados crimes) – terá logística diferente para evitar vazamentos e permitir o envio para homologação do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, antes do recesso de fim de ano, em 20 de dezembro.
A Procuradoria-Geral da República informou aos advogados do grupo as penas a serem impostas e, agora, aguarda a resposta das defesas com os depoimentos já tomados. Depois, cada colaborador será ouvido pelos procuradores apenas para confirmar o teor do depoimento entregue por seu advogado.
Embora fosse alvo dos investigadores desde 2014, quando foi citada pelos primeiros delatores da Lava Jato – o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa -, a Odebrecht recebeu o primeiro golpe com a prisão do ex-presidente da empreiteira Marcelo Odebrecht, em junho do ano passado. Em março deste ano, a Suíça liberou o envio da quebra de sigilo das contas do grupo mantidas no país europeu.
Meses depois, as fases Xepa e Acarajé, da Lava Jato, descobriram o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht – segundo a força-tarefa da operação, um “departamento de propina” que recebia as demandas do grupo para os pagamentos e garantia a entrega do dinheiro. Além desse setor, também foram identificados offshores usadas pela maior empreiteira da América Latina para camuflar repasses no exterior e um banco adquirido para movimentar dinheiro proveniente do sistema financeiro paralelo.
Embora o Setor de Operações Estruturadas tivesse vida e modus operandi próprios, a palavra final era de Marcelo Odebrecht, herdeiro do patriarca Emílio Odebrecht. Na negociação com o Ministério Público, procuradores insistem para que Marcelo não se exima da responsabilidade de coordenar o “departamento de propina”.
Estrutura
A reportagem mapeou cargos e as áreas de atuação de executivos que negociam colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República. Além do núcleo mais próximo à família Odebrecht, são funcionários que vão de presidentes de empresas e diretores de áreas de negócio a secretarias da Construtora Norberto Odebrecht, Odebrecht Ambiental, Odebrecht Óleo e Gás, Odebrecht Realizações Imobiliárias, Odebrecht Defesa e Tecnologia, Braskem, além de braços internacionais da empresa.
Dos 53 executivos que negociam delação, ao menos sete são ligados à cúpula do grupo, sendo três deles ex-presidentes da holding: Emílio Odebrecht, atual presidente do Conselho de Administração do grupo, Marcelo Odebrecht e Pedro Novis. A lista inclui ainda dois ex-presidentes da Braskem, 14 diretores executivos e 30 diretores ou ex-diretores.
A PF e o Ministério Público identificaram os executivos que trabalharam em dez braços do grupo e tiveram comunicações suspeitas. Parte negocia delação e vai cumprir pena após prestar os depoimentos. Outros devem relatar o que viram ocorrer na empresa na condição de lenientes. Há também diretores de contrato, hierarquicamente distantes da cúpula do grupo. Todos, independentemente do cargo, tiveram algum contato com o esquema alvo da Operação Lava Jato.
Alcance
Além das bilionárias obras da Petrobrás, a Odebrecht é alvo de investigação em ao menos outros 38 contratos espalhados pelo Brasil com União, Estados e municípios. Há casos delatados anteriores a 2002, o que significa que não ficam circunscritos apenas a épocas em que o PT ocupou o governo federal. Há, por exemplo, relatos de irregularidades nas décadas de 1980 e 1990. Pelo que já foi noticiado do acordo até agora, devem ser implicados na delação mais de 100 políticos.
A considerar os cargos ocupados pelos executivos nos últimos anos, devem ser relatadas irregularidades em obras de construção, infraestrutura, óleo e gás, empreendimentos imobiliários, petroquímica e defesa não só no Brasil, mas em pelo menos sete países.
Marcelo Odebrecht resistiu a aderir à colaboração premiada. O empreiteiro chegou a chamar delatores de “dedo-duro”. “Primeiro, para alguém dedurar, ele precisa ter o que dedurar. Isso eu acho que não ocorre aqui. Segundo, tem a questão do valor moral”, disse o empresário à CPI da Petrobrás, em setembro de 2015, três meses após ser preso pela PF.