Menos de 1% dos drogados conseguem atendimento no ABC

ABC tem pouquíssimas opções de clínicas terapêuticas para tratamento de dependentes químicos / Foto: Arte RD

O atendimento voltado para munícipes que sofrem de alcoolismo ou dependência química está longe de ser ideal no ABC. As prefeituras acompanham, atualmente, o tratamento de 3.125 pacientes (sem contar os pacientes de Mauá e Rio Grande da Serra, que não responderam o questionamento do RD). No entanto, o contingente que não consegue controlar o vício em álcool e outras drogas ilícitas e até ilegais é muito maior.

Segundo a estimativa do médico Arthur Guerra de Andrade, presidente-executivo do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) e docente de Psiquiatria da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), 10% da população adulta, em média, bebe demais, enquanto 8% dos adultos perderam o controle sobre o uso de drogas. A região possui 2.456.515 habitantes, o que elevaria o número de pacientes que necessitam de ajuda à casa dos milhares. “Há uma demanda maior do que o atendimento. Temos várias pessoas buscando ajuda e o que elas encontram é, essencialmente, o modelo CAPS (Centros de Atenção Psicossocial)”, afirma.

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Para Guerra, o CAPS é apenas uma solução paliativa para o tratamento de desintoxicação. “É um modelo útil especialmente para os pacientes que conseguem ter um controle ambulatorial, mas para aqueles que necessitam de controle hospitalar não há bons resultados com o CAPS, somente com leitos hospitalares”, continua.

Outra crítica é quanto à internação. “Muitos buscam tratamento onde seja contemplada a internação. Se não for pelo governo, eles vão buscar este tratamento em clínicas psiquiátricas. Se o paciente é rico, ele vai pagar, mas se o paciente não for, ele dança”, critica. “Então como uma solução depende de políticas públicas de saúde, o que tem um grande viés político, mas que não tem atenção, o resultado é essa calamidade”, diz.

Em São Bernardo, o vendedor J. S. D, que pediu para não ser identificado a fim de preservar a esposa alcoólatra, é um dos familiares que, diante da dificuldade para internar a companheira em uma clínica pública, recorreu ao serviço particular. “Para conseguir internação [no sistema público] é uma briga. O médico não quer internar porque o Estado não quer mais custo. E o tratamento de dependentes químicos não dá voto”, dispara o morador do bairro Pauliceia, que enfrenta o problema em casa há anos.

Arthur Chioro, secretário de Saúde de São Bernardo e coordenador do GT (Grupo de Trabalho) do Consórcio Intermunicipal do ABC, confronta o número de doentes e garante que o universo de pessoas que precisam de acompanhamento psiquiátrico e internação em clínicas de desintoxicação é muito menor do que o estimado por Arthur Guerra. Chioro também rebate as críticas ao modelo de atendimento. “Estruturamos um sistema de saúde que dá conta de atender os nossos dependentes. E há um esforço regional nesta tratativa, pois não vejo, no ABC, grandes reclamações de que há gente abandonada na rua porque o governo não está cuidando”, afirma.

Familiares de pacientes se dizem abandonados

“É uma luta. Viver com uma pessoa alcoólatra é matar um leão por dia”, resume o vendedor J. S.D., que vive com a esposa há quase 25 anos, oito deles com muito esforço para ajudá-la a vencer o vício. Enquanto dava entrevista, por telefone, o vendedor articulava a sétima internação da companheira. “A decisão foi da família, porque quem usa álcool nunca acha que está doente”, conta J.S.D, que se sente abandonado.

Porém, o tratamento custará, pelo menos, R$ 1 mil por mês, visto que a família já não consegue internação para a paciente na rede pública. “Se eu levá-la ao pronto-socorro, por exemplo, eles não atendem. E em São Bernardo o sistema é bom, mas não dá resultado, porque deixam o doente internado por dois ou três dias apenas”, reclama J.D., que agora irá pedir ajuda dos parentes para ratear os custos da mensalidade do tratamento da esposa, internada várias vezes em clínicas no Interior do Estado.

A mesma situação acontece com o vendedor ambulante José Pereira, em Santo André, que teve de aumentar o número de horas trabalhadas e até o preço do milho que vende para bancar os R$ 3 mil de mensalidade da clínica onde o filho está internado. “Já internei outras três vezes e procurei o sistema de saúde público, mas não adiantou. Eles não dão a atenção que o viciado precisa. O meu filho saía do hospital e voltava a andar com os mesmos amigos e esposa, que também é usuária de cocaína e crack”, conta.

Sem conseguir internar o filho de 27 anos, a dona de casa Sonia Toledo, em Santo André, não sabe até quando terá de manter as portas de casa fechada para evitar novas fugas do dependente, que também sofre de esquizofrenia desde 2008.

“Agora ele está calmo, porque está medicado, mas continua a sensação de desespero. Me pergunto: ‘será que ele vai sair?’ Porque uma hora eu vou ter de abrir a porta para lavar roupa e fazer outras tarefas domésticas”, preocupa-se a mãe, que pediu ajuda ao RD dias atrás para conseguir atendimento para o filho na rede municipal.

Sonia afirma que não tem condições de bancar o tratamento na rede particular, pois estima que o valor da mensalidade gire em torno de R$ 10 mil. Sem alternativa, ela busca amparo judicial para conseguir internar o jovem na rede pública local. “O advogado já orientou a pedir um laudo médico para interná-lo. Mas o NAPS (Núcleo de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas) não fornece laudo para ninguém, porque eles alegam que já tiveram muitos problemas”, comenta Sonia, que terá de pagar também para conseguir provar que o filho não tem condições de avaliar se quer ou não se livrar do crack.

Onde conseguir ajuda

Santo André
NAPS (Núcleo de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas)
Rua Gertrudes de Lima, 488, Centro.
Tels: 4992-3668 e 4990-5294

Serviço de Emergência Psiquiátrica em Hospital Geral (Centro Hospitalar Municipal)
Endereço: av. João Ramalho, 326 – vila Assunção
Fone: 4433-3628

São Bernardo
CAPS Vila Euclides
Rua Pedro Jacobucci, 500 – vila Euclides – São Bernardo
Fone: (11) 4122-4000

CAPS Rudge Ramos
Rua Sacramento 191- Rudge Ramos – São Bernardo
Fone: (11) 4365-4714

São Caetano
CAPS Jordano Pedro Segundo Vincenzi
Avenida Senador Roberto Simonsen, 502, bairro Santo Antônio
Fone: (11) 4224-5307

Diadema
CAPS Espaço Fernando Ramos da Silva
Rua Oriente Monti, Centro
Fone: (11) 4044.7387

Mauá
CAPS Mauá
Rua Luís Lacava, 249
Fone: (11) 4516-3510

Ribeirão Pires
CAPS Ribeirão Pires
Rua Aurora 103
vila Suissa

Clínica particular não sai por menos de R$ 3 mil

O ABC tem pouquíssimas opções de clínicas terapêuticas para tratamento de dependentes químicos, cuja internação não sai por menos de R$ 3 mil. Duas delas são a Bezerra de Meneses e Recanto do Riacho, ambas em São Bernardo. Mesmo assim, o vendedor J.S.D. está à procura de um segundo lugar que possa ajudar a recuperação de sua esposa alcoólatra, diz que. “ Essas aí não saem por menos de R$ 4 mil, na verdade”, afirma.

Inacessível para a maioria das famílias com dependentes de drogas e álcool, o que faz com que estas clínicas sejam tão caras é, além do confinamento, a presença de um psiquiatra e de um médico.

Uma alternativa mais econômica é a internação em clínicas terapêuticas, que são coordenadas por profissionais de atendimento psicossocial. “Nestes casos é possível encontrar mensalidades a partir de R$ 1 mil”, diz o vendedor.

Projeto de internação involuntária divide opiniões

No último dia 3, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou a implantação do sistema de internação involuntária de dependentes químicos em estado grave. A medida, que deveria ser colocada em prática duas semanas após o anúncio, prevê a criação de equipes compostas por médicos, promotores e juízes, que avaliarão as condições do paciente e informar a necessidade ou não de internação do viciado.

O anúncio, no entanto, divide a opinião de especialistas de Saúde, profissionais de Direito e familiares. O secretário de Saúde de São Bernardo, Arthur Chioro, é contra o projeto. “É uma medida para fingir que o problema não existe, porque internar obrigatoriamente não resolve nada. Não se resolve o problema trancando as pessoas. Quando ela retornar ao convívio social, depois de seis meses, ela vai voltar para os mesmos amigos e mesmos traficantes”, acredita.

O secretário de Saúde defende um acompanhamento mais presente no cotidiano do paciente, pois a recuperação, segundo ele, vem por meio da construção de um projeto de vida. Além do tratamento, Chioro defende a prevenção por meio de orientação aos jovens e também o trabalho nas comunidades, a fim de envolver também as famílias no processo de recuperação.

Favorável ao projeto, o presidente da OAB de São Caetano, Adilson Paulo Dias, explica que a medida será voltada apenas para as pessoas sem condições de manifestar vontade própria, por conta do uso abusivo de substâncias químicas. “Depende muito da pessoa que vai ser internada. A internação vai ser daquela pessoa que não tem condição de manifestar a vontade dela. São aquelas pessoas que estão com estágio muito avançado da doença”, diz.

Dias afirma que até o momento ainda não houve movimentação na sede e também nas outras subseccionais da Ordem em relação à implantação da internação à força. “Esse trabalho é mais específico na Cracolândia, em São Paulo, pois aqui em São Caetano não temos um grande número de pessoas nestas condições”, ressalta.

Arthur Guerra de Andrade, presidente-executivo do CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) e professor da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), afirma que o Brasil está atrasado no quesito em relação a diversos países, que já adotam a prática de internação à força de viciados em estado grave.

Brasil atrasado
“De forma geral, a internação involuntária é um procedimento médico realizada no mundo todo há muitos anos que obedece a critérios super objetivos. A visão médica não vai deixar esse paciente se matar. O médico, no mundo todo, não acha que é um direito do ser humano se matar, pois entende que esse paciente está doente e tem de ser internado. Depois daquele momento de fissura e excesso, quando estiver recuperado, o paciente vai dizer: ‘ Obrigado, doutor”, defende Andrade, ao afirmar que a internação à força é um procedimento de emergência frente à situação gravíssima.

A internação involuntária é o maior desejo da dona de casa Sonia de Toledo, que sofre com o vício do filho de 27 anos, em Santo André. Além do uso abusivo do crack, o rapaz sofre de esquizofrenia e, quando faz uso da droga, permanece desaparecido por dias – situação que levou a dona de casa a amarrá-lo a uma barra de ferro, neste mês de janeiro, diante da negativa dos profissionais da rede pública em internar compulsoriamente o jovem.

“Esse negócio de querer ser internado não tem cabimento, porque a pessoa doente não tem discernimento para saber o que é melhor. Ela só quer saber de droga, droga e droga. O viciado não está em condições de querer ou não querer. Se meu filho estivesse bem, ele não iria pra rua, ficar na chuva para ser maltratado e judiado pelos outros”, argumenta a mãe.
 

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