ABC - terça-feira , 30 de abril de 2024

“Nanasa fechado é o retrato do descaso com o deficiente”, diz presidente da Acide

José Carlos Bueno, presidente da Acide e responsável pelo gerenciamento do Nanasa, conversou com o RD e falou sobre as dificuldades em captar recursos para o projeto

O atraso do governo do Estado este ano na aprovação da verba para o Programa de Educação Física Adaptada prejudicou as atividades do Núcleo de Natação Adaptada de Santo André (Nanasa), mantido pelo programa e até agora sem prazo para começar as aulas. José Carlos Bueno, presidente da Acide (Associação pela Cidadania das Pessoas com Deficiência), responsável pelo gerenciamento do Nanasa, conversou com o RD e falou sobre as dificuldades em captar recursos para o projeto, que precisa de R$ 920 mil para funcionar, mas só arrecadou 40% até agora. Bueno conta que os patrocinadores repassaram a verba para outras finalidades por causa do atraso do governo.

Na expectativa de Santo André inserir o Nanasa no orçamento do município, José Carlos Bueno diz que o descaso do Estado é apenas um dos retratos da falta de preocupação dos governantes sobre a questão do deficiente. Ressalta que o Estado comemora os 22 anos da Lei de Cotas, mas os obstáculos para o deficiente atuar no mercado de trabalho são gigantes, principalmente na mobilidade. A frota de transporte coletivo do ABC e a infraestrutura, como calçadas e rampas nos prédios, não estão adaptadas e isso gera enormes conflitos para o deficiente que precisa trabalhar. Confira alguns trechos da entrevista, também disponível no RDtv.

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RDtv: Como está o projeto Nanasa?

José Carlos Bueno: O projeto está parado desde maio porque houve um entrave burocrático do governo do Estado em analisar os projetos e isso acabou atrasando o início do calendário de 2013 do Nanasa. Isso fez com que nós parássemos porque não tínhamos condições de continuarmos pagando os profissionais para executar os trabalhos. Agora, estamos em fase de captação de recursos e está sendo uma briga muito complexa, pois a maior parte das empresas que vinham nos patrocinando acabou focando em outras entidades que já tinham projetos aprovados anteriormente. O projeto Esporte ao alcance de Todos é uma parceria entre o governo do Estado, Prefeitura e a Acide, esta última que formata o projeto para ser executado da melhor maneira possível. A parte do Estado foi dada por encerrada, agora o impasse está do nosso lado em captar os recursos.

RDtv: Quanto de recurso deve ser captado para que o projeto possa ser iniciado?

José Carlos: O projeto está num valor final de R$ 920 mil, e até agora conseguimos aproximadamente R$ 380 mil. Estamos tentando contato com outras empresas para conseguirmos pelo menos a metade do valor para darmos início ao projeto e no decorrer das atividades captar o restante do valor.

RDtv: Quantas pessoas são beneficiadas pelo projeto?

José Carlos: Atendemos cerca de 250 pessoas no curso de natação, de terça a sexta-feira, e mais 115 pais que fazem aulas aos sábados e domingos pelo projeto Nadando em Família. Além disso, possuímos uma lista de espera de 600 pessoas que desejam entrar para o programa que agora se encontra parado. Essas pessoas são de Santo André, São Bernardo, Mauá, São Caetano e de São Paulo, já que o programa é de nível estadual.

RDtv: Com o valor reduzido tem condições de iniciar o projeto?

José Carlos: Sim, mas teremos que fazer uma readequação do funcionamento baseado no valor reduzido. Nossa esperança é que até o final de agosto possamos retornar os trabalhos, pois é algo extremamente necessário para as pessoas com dificuldade de locomoção ou de encontrar um trabalho parecido na região.

RDtv: Como surgiu a ideia do Nanasa e quais foram as primeiras ações?

José Carlos: Era um grupo de pais e alunos com deficiência reunidos desde 1993 para questionar a utilização dos espaços públicos da cidade pelas pessoas com deficiência. A partir daí, passamos a utilizar uma raia no complexo esportivo Pedro DellAntonia, que era o único da cidade coberto e aquecido. Mas, no decorrer do tempo, outras pessoas ficaram sabendo do curso e apenas nesse espaço não seria possível realizar os atendimentos a todas as pessoas, que passavam de 50 pessoas. Começamos uma articulação através do Orçamento Participativo, na gestão do Celso Daniel, para ser construída uma piscina adaptada e aquecida nos padrões necessários para pessoas com deficiência.

RDtv: Então a Prefeitura cede o espaço, faz a manutenção e vocês bancam o projeto?

José Carlos: Na verdade a Prefeitura cede o espaço, alguns funcionários de limpeza e um suporte dos professores, e nós elaboramos o projeto e corremos atrás dos patrocínios. Ou seja, o grande abacaxi fica com a associação, porque é fácil ler um projeto, aprovar e falar agora vai atrás. Nossa diretoria é toda composta por voluntários engajados na causa, pois sentimos a causa na pele. A grande maioria dos membros da diretoria é deficiente ou tem filhos portadores de deficiência e sente as dificuldades no dia a dia.

RDtv: Para vocês, através da natação é possível o processo de inclusão?

José Carlos: Na verdade, a natação serve como ponta pé. Nós da associação realizamos uma série de atividades nesse período de um ano, com o piquenique no parque, onde chegamos a reunir 600 pessoas no parque Celso Daniel, além da festa junina. Buscamos a inclusão social, a busca pela cidadania com atividades fora da piscina.

RDtv: Existe algum outro projeto em execução, além do curso de natação?

José Carlos: Temos o projeto Nadar é Preciso, que já está funcionando, pois conseguimos totalizar os recursos e iniciar a fase de treinamento com 50 pessoas. Ou seja, o deficiente primeiro aprende a nadar e depois pode entrar em fase de treinamento e até participar de competições oficiais. Um tempo atrás estabelecemos contato com a prefeitura de Diadema para levarmos o programa Esporte ao Alcance de Todos para lá, mas esbarramos no problema da piscina não ser aquecida para que a pessoa tenha um relaxamento muscular e realizar plenamente do trabalho realizado.

RDtv: Algum projeto para o próximo ano?

José Carlos: A nossa maior intenção é que a Prefeitura de Santo André coloque no orçamento da cidade o equipamento Nanasa, pois em 11 anos apenas funcionou graças à mobilização da Acide e de empresas parceiras. Esse reconhecimento é para que projetos venham somar. Para isso, estamos mobilizando o pessoal da administração da Prefeitura, inclusive vamos marcar uma reunião com a Loló [Maria Ferreira de Souza, diretora de Humanidades] e com o Tiago Nogueira [secretário de Gabinete] para articular efetivação da colocação do Nanasa do orçamento da cidade.

RDtv: Qual sua avaliação sobre a articulação da Prefeitura com esse problema do Nanasa parado?

José Carlos: O pessoal está perdido e não sabe como solucionar. Foi divulgada uma nota no próprio site da Prefeitura, de que haveria uma força-tarefa para voltar às atividades em junho, mas nada foi feito e já chegamos ao terceiro mês de aulas paradas. Isso é complicado, pois as pessoas que praticavam a natação apresentavam evolução física e com o corte do trabalho, essas pessoas regrediram.

RDtv: Qual sua avaliação sobre acessibilidade na região?

José Carlos: Diria que a acessibilidade ainda está engatinhando e longe do ideal. Para o transporte público, por exemplo, existe uma lei federal para que todos os ônibus deverão ter plataformas até 2014. Santo André possui uma no máximo em 160 ônibus adaptados. Acho muito difícil alcançar a totalidade até 2014 e que as plataformas funcionem de fato.

RDtv: Esses ônibus funcionam na prática?

José Carlos: Ainda temos de lutar muito pra que isso aconteça plenamente. O espaço entre os horários é muito grande, às vezes o ônibus chega no ponto e a plataforma não funciona, pois está quebrada. Se a pessoa sai de casa com uma cadeira de rodas de casa para o trabalho, ela também tem horário a cumprir, se não se não consegue subir no ônibus porque a plataforma está quebrada, ela vai chegar atrasada. O pior de tudo é quando você embarca no ônibus, as pessoas olham de cara feia, pois acham que você vai atrasar o horário delas porque a plataforma demora para abaixar.

RDtv: Existe algum transporte especial para os deficientes na cidade?

José Carlos: Sim, Santo André possui oito vans, mas que não cumprem o papel de quando foram planejadas, que era para levar o deficiente ao trabalho, escola, lazer, porque deficiente também tem direito ao lazer. Com o déficit na área médica, estas vans ficaram destinadas ao atendimento médico e transporte dos deficientes aos hospitais. Pra piorar, as calçadas são horríveis, não estão adaptadas. Os idosos também são vítimas das calçadas mal cuidadas e não adaptadas.

RDtv: Quais os principais desafios enfrentados pelos deficientes?

José Carlos: A exposição fora de casa é a saída, mas sempre um grande desafio. Há 20 anos alguns movimentos de interação de pessoas portadoras de deficiência com a meta de que, se a cidade não se prepara, nós vamos ocupá-la do jeito que ela está. A partir disso, a sociedade tomou ciência que era preciso se preparar para receber as pessoas com limitações, já que qualquer um está exposto a se tornar deficiente, inclusive os jovens, como motoboys. É preciso saber que 25% da população tem algum tipo de deficiência.

RDtv: A Lei de Cotas completa 22 anos. A inclusão no mercado de trabalho tem ocorrido?

José Carlos: A lei está sendo cumprida, mas a passos de tartaruga. Os dados que temos demonstram que é muito demorado esse processo, pois o deficiente inserido no mercado de trabalho precisa de condições de mobilidade para chegar ao destino. As estações da CPTM, Metrô e ônibus estão pouco adaptadas para receber um cadeirante, por exemplo. Quantas estações da CPTM e do Metrô 100% estão adaptadas? Poucas. Se você vai pegar um transporte destes você precisa de ajuda e a pessoa que aparece, normalmente um vigia, ela não só está despreparada como corre risco de causar acidente com ela mesma.

RDtv: Em Santo André existe um Conselho Municipal para discutir a questão de pessoas com deficiência. Como é a atuação deste Conselho com vocês?

José Carlos: O Conselho é um canal ativo de direcionamento das questões das pessoas com deficiência. É um conselho paritário, formado metade por funcionários da Prefeitura e metade pelas entidades e associações, inclusive a Acide. No entanto não houve muita atuação para levar o projeto Esporte ao Alcance de Todos à frente, ele está sempre pendendo pra Prefeitura.

(Colaborou Iara Voros) 

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