Artigo de Carolina Gabas Stuchi e Gabriela Paula Silva Alves:
Apenas três municípios do ABC elegeram vereadoras nas eleições municipais de 2016. Como se o fato de existir quatro municípios com câmaras municipais inteiramente masculinas não fosse por si só alarmante, o número somado de vereadoras eleitas na região agrava a situação: somente quatro vereadoras, sendo apenas três atualmente em exercício. Numa região em que 48% da população são mulheres, eleger quatro vereadoras significa que a representação feminina entre os vereadores nas câmaras municipais do ABC corresponde a 2,94%.
Nas três cidades que elegeram mulheres, Santo André, São Bernardo e São Caetano, as vereadoras são a única presença feminina entre os vereadores. Além do gênero, a questão racial também chama atenção: Ana Nice Martins (PT) foi a primeira mulher vereadora eleita autodeclarada preta em São Bernardo; e em São Caetano, Suely Nogueira (Podemos) é a única pessoa em cargo de vereança autodeclarada preta. O perfil das três vereadoras atuais é semelhante: todas estão na faixa do 45 a 60 anos, possuem pelo menos um curso de nível superior, bem como experiência política anterior.
De acordo com as informações coletadas nas páginas oficiais das câmaras municipais dos sete municípios, desde as eleições de 2004 foram eleitas apenas 28 mulheres como vereadoras, o que aponta para uma tendência de eleição de poucas mulheres na região. No total, Santo André, Mauá e Diadema elegeram cinco mulheres; São Bernardo três; Ribeirão Pires e São Caetano quatro; e Rio Grande da Serra elegeu duas mulheres.
O percentual de representação política de mulheres na região Sudeste é baixo. Em comparação ao Nordeste, parece demonstrar maior resistência em eleger mulheres para o legislativo, como corroboram os dados apontados pelos pesquisadores Luís Felipe Miguel e Cristina Monteiro de Queiroz da Universidade de Brasília. Na pesquisa do Instituto Alziras, o Sudeste também revelou um quadro grave de subrepresentatividade feminina nas prefeituras, abaixo de outras regiões e da média nacional – 9% de prefeitas, de uma média de 11,7% – mesmo com o maior número absoluto de Prefeitas – 145.
Santo André, por exemplo, apresenta em sua história apenas uma candidatura feminina para Prefeitura, Maria Antonieta Pincerato, em 1988, na época com a menor votação. No total, somente três mulheres foram prefeitas na região e as próximas eleições municipais de 2020 contam com quatro pré-candidatas, entre elas a atual e única vereadora de Santo André, Professora Bete Siraque (PT).
Há muitas hipóteses que tentam explicar o porquê do tímido sucesso das candidaturas femininas no cenário nacional. Apesar de as mulheres serem mais da metade do eleitorado, elas enfrentam diversos entraves ao seguirem a carreira política, como o tempo e a energia utilizada na rotina de trabalho doméstico e cuidados com a família, papel historicamente atribuído às mulheres. Os partidos, em geral, investem pouco nas candidaturas femininas e com isso perpetuam desigualdades dentro do partido, que repercutem na disputa eleitoral.
Desde 2009, com a alteração na legislação eleitoral – lei 9.504/1997 –, há uma política de cotas, de que cada partido ou coligação reserve o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Mesmo assim as últimas eleições foram marcadas pelas chamadas “candidaturas laranjas”, quando o partido lança candidatos apenas para preencher a cota e não há campanha efetiva.
Neste ano, com o fim das coligações para eleições proporcionais, como a de vereadores, e com a recente interpretação da legislação dada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo menos 30% dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita devem ser garantidos para as mulheres. É papel do partido estimular a presença real de candidaturas femininas, investindo em sua competitividade.
Apesar do baixo sucesso das candidaturas femininas no Brasil, o contexto internacional da pandemia da covid-19 nos convida a repensar as preferências eleitorais, especialmente pelo destaque das políticas produzidas para o enfrentamento à crise em locais governados por mulheres. A maioria dos países que, até o momento, controlaram o número de casos de contágio pelo vírus são governados por mulheres.
A chanceler alemã, Angela Merkel, desde o início, tratou a pandemia como uma guerra a ser enfrentada e virou exemplo para os países vizinhos pelo empenho na testagem da população. Já a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, criou um centro de controle da pandemia e mesmo com 24 milhões de habitantes, a ilha registra em cinco meses, sete mortes pelo vírus. Dessa forma, a própria atualidade tem apresentado dados importantes sobre o efeito das mulheres no governo.
As pesquisas na temática da corrupção, por exemplo, também ilustram esse cenário. Em 2018, os pesquisadores Chandan Kumar Jha (Le Moyne College) e Sudipta Sarangi (Virginia Tech) apontaram a essencialidade da presença das mulheres nos parlamentos para diminuição da corrupção. Esse foi o caso, por exemplo, do parlamento europeu, em que o aumento de mulheres em cargos legislativos resultou na redução da corrupção. Os estudos dizem que as mulheres não necessariamente são menos corruptas, mas mostram evidências de há tendências positivas nesse sentido.
A questão que se coloca, para as próximas eleições municipais, é de como ampliar a voz pública das mulheres de nossas câmaras e prefeituras municipais, uma vez que essa ampliação pode significar alterar positivamente o governo local, não somente pela questão da igualdade de gênero, mas também pela qualidade das políticas públicas produzidas quando mulheres estão em posições de poder.
* Artigo de Carolina Gabas Stuchi, professora de Políticas Públicas da UFABC, doutora em Direito do Estado pela USP e Gabriela Paula Silva Alves, aluna do Bacharelado em Ciências e Humanidades e bolsista de iniciação científica)