
Dados das prefeituras do ABC revelam que a região conta com 1.581 pessoas em situação de rua, exceto Mauá, que não respondeu aos questionamentos do RD. Apesar da oferta de 1.982 vagas em albergues, a estrutura ainda é insuficiente em alguns municípios, como Rio Grande da Serra e São Caetano, onde sequer existem abrigos e/ou as vagas são limitadas a uma parte da população. Além disso, profissionais que atuam na área defendem que faltam escuta ativa, infraestrutura adequada e atendimento especializado para evitar mortes por recusa de acolhimento.
Reflexo disso foi registrado recentemente em Santo André, onde um homem em situação de rua foi encontrado morto na rua Primeiro de Maio, no Centro, durante a onda de frio. O caso foi registrado pela Polícia Militar na manhã de 30 de abril e, segundo a Prefeitura, a vítima recebia atendimento frequente do Centro POP (Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua) e das equipes de abordagem, mas resistia a qualquer encaminhamento médico.
Na ocasião, a administração municipal ainda destacou que havia suspeita de pneumonia ou tuberculose, o que “agravaria os efeitos da onda de frio registrada naquela semana”. No entanto, defensores da causa afirmam que a recusa ao acolhimento é, em grande parte, motivada pela falta de infraestrutura e de atendimentos adequados, além da escassez de serviços básicos. “Gostam de vender um serviço de qualidade, mas que na prática não funciona, e muitas vezes, isso acaba afastando as pessoas de aceitarem o acolhimento”, explica Thiago da Silva Quintanilha, coordenador regional do Movimento Nacional da População de Rua do ABC.
De acordo com levantamento feito pelo RD, Santo André lidera o ranking regional das cidades com maior população de rua, com 731 moradores em 2025, o que representa mais da metade da população de rua no ABC (57,06%). E para acolher a demanda, o município conta com uma Casa de Passagem, que tem capacidade para até 130 usuários e, durante o inverno, amplia para mais 50 vagas e outras 20 para animais de estimação.
Déficit de 115 vagas para acolhimento
São Bernardo, a maior cidade do ABC, possui 445 pessoas em situação de rua, e oferece apenas 330 vagas em albergues, número insuficiente para atender a demanda crescente – deixando 115 pessoas sem acolhimento. Apesar disso, Quintanilha reconhece que a gestão atual tem sido a única na região a promover avanços no diálogo, especialmente após a retirada do gradil na Praça Brasília, instalado pelo ex-prefeito Orlando Morando e considerado símbolo de violência contra a população de rua.
A colocação das grades ocorreu em outubro de 2024, e, embora a Prefeitura não tenha informado oficialmente o motivo da instalação nem se a praça seria fechada para reformas, o movimento nacional acredita que a medida foi adotada para afastar as pessoas em situação de rua que ali estavam há anos. “Começaram a dizer que os moradores de rua usavam e traficavam drogas no local, o que foi uma completa mentira e preconceito contra quem vive nessa situação”, afirma.
Para Thiago, a gestão de Orlando Morando, ao instalar o gradil, demonstrou postura de violência simbólica contra a população de rua, o que levou o Tribunal de Justiça a intervir. “Foi um grande retrocesso”, diz. Quintanilha destaca que, após meses de luta, a retirada das grades pela gestão de Marcelo Lima foi um passo positivo, mas defende que o diálogo deve ser ampliado para que ações concretas, como a ampliação das vagas e o fim da arquitetura hostil, sejam implementados.
Falta de vagas e infraestrutura
Em São Caetano, onde 74 pessoas vivem nas ruas, e em Rio Grande da Serra, que registra 61 moradores de rua, o cenário também é preocupante. A ausência de albergues adequados, as limitações para acolhimento e a recusa da população em aceitar as vagas disponíveis refletem a carência de estrutura mínima nos centros de acolhimento.
São oferecidos dois equipamentos de acolhimento em São Caetano: o Centro de Acolhida AEVIDA (30 vagas) e o Lar Bom Repouso (100 vagas). No entanto, os serviços são destinados apenas a homens. Segundo a prefeitura, de janeiro a maio deste ano, foram acolhidos 38 referenciados no AEVIDA, em vaga temporária, e sete no Lar Bom Repouso. No primeiro equipamento, a administração municipal informa que há um espaço pet para acolhimento de cães.
Em Diadema, onde aproximadamente 300 pessoas estão em situação de rua, a situação não é diferente. O município tem apenas dois centros de acolhimento noturnos, a ONG MAI e a TCC – Transitória Casa do Caminho, e cada unidade oferece 30 vagas, sendo 26 masculinas e 4 femininas na TCC, e 25 masculinas e 5 femininas na ONG MAI. Entre janeiro e maio deste ano, 230 pessoas receberam acolhimento, contudo, a cidade não possui um sistema de registro de recusas, e os profissionais informam que a oferta de acolhimento noturno depende da disponibilidade de vagas.
Em relação aos pets, Diadema ainda não possui serviço de acolhimento para animais, mas permite que usuários com animais de estimação acessem o Centro Pop, desde que o animal seja mantido sob guia e cuidado constante de seu tutor. No entanto, o acesso aos banheiros não é permitido.
Desconexão
O Movimento Nacional da População de Rua do ABC oferece cursos de capacitação para profissionais que atuam diretamente com a população em situação de rua, visam melhorar o atendimento e promover uma abordagem mais humanizada. Apesar disso, Thiago afirma que o movimento nacional tem enfrentado dificuldades em trabalhar com prefeituras do ABC devido à falta de abertura e diálogo.
“Não existe um entendimento entre as prefeituras sobre a importância de uma atuação conjunta. O Consórcio ABC, que deveria ser um elo entre as cidades, não tem dado resultados positivos”, critica o coordenador, ao defender que a falta de articulação entre os municípios dificulta a implementação de políticas públicas mais eficazes para lidar com a população em situação de rua, como o acesso à saúde, educação e trabalho, além do próprio acolhimento.
Para o coordenador, a capacitação dos profissionais que atuam nos centros de acolhimento e a ampliação do número de vagas são apontadas como as principais soluções para a situação. “A escuta ativa dessas pessoas é fundamental para entender as suas necessidades e promover ações que realmente ajudem na sua reintegração à sociedade”, conclui Thiago ao destacar a importância de uma abordagem mais qualificada e humanizada. “E estamos aqui para ajudar, basta quererem isso”, reforça.
Como buscar ajuda no ABC?
Pessoas em situação de rua no ABC podem buscar acolhimento e apoio nos serviços disponíveis em todas as cidades da região. Abaixo, estão as opções de serviços de acolhimento noturno e apoio durante o dia, em diversas cidades do ABC:
Centros POP (Centros de Referência Especializados para Pessoas em Situação de Rua) oferecem apoio durante o dia, com serviços como café, almoço, banho, guarda de pertences e documentos, além de apoio para regularização de documentação civil, busca de familiares e acesso a benefícios socioassistenciais.
São Bernardo: rua Floriano Peixoto, 1.002 – Centro.
Santo André: rua das Figueiras, 500 – Vila Bastos.
Mauá: rua Afonso Ponce, 210 – Centro.
Diadema: av. Antônio Piranga, 1088.
Albergues noturnos: durante a noite, os albergues oferecem acolhimento temporário, dependendo da disponibilidade de vagas.