Com o aumento dos acidentes nas rodovias durante feriados prolongados, cresce também a preocupação com a ausência de políticas públicas que ofereçam suporte às vítimas de trânsito. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, entre os dias 17 e 21 de abril — período entre os feriados da Semana Santa e de Tiradentes — foram registrados 1.038 acidentes em estradas federais do país, com aproximadamente 1,2 mil pessoas feridas e 86 mortes.
Lucio Almeida, presidente do Centro de Defesa das Vítimas de Trânsito (CDVT), afirmou em entrevista ao RDtv que, diante desse cenário, a ausência do seguro obrigatório DPVAT deixa milhões de brasileiros desamparados. Criado em 1974, o seguro indenizava vítimas de acidentes de trânsito — independentemente da culpa — em casos de morte, invalidez permanente e despesas médicas. A arrecadação foi suspensa em 2020, durante o governo Bolsonaro, e, desde então, não houve reposição efetiva.
A tentativa de recriação do seguro, agora com o nome de SPVAT, proposta pelo governo Lula, não avançou no Congresso. Para Almeida, o tema virou alvo de disputas ideológicas, desviando o foco da proteção às vítimas. “Rotular o seguro como imposto foi um erro. O valor, de cerca de R$ 60 por ano, cobria danos graves e oferecia uma segurança mínima às famílias brasileiras”, afirma.
Os efeitos da extinção do DPVAT já são visíveis: aumentou o número de pessoas com sequelas graves após acidentes, e a ausência de indenização tem comprometido a subsistência de muitas famílias. Paralelamente, cresce o número de motociclistas — impulsionado pela demanda dos aplicativos de entrega —, grupo mais vulnerável no trânsito. Segundo o especialista, faltam campanhas de conscientização e ações efetivas de prevenção por parte do poder público.
Seguro volta à pauta em meio a tragédias recentes
O debate sobre a necessidade de um seguro obrigatório ganha força em um momento crítico, marcado por acidentes com grande repercussão. Um dos casos mais emblemáticos, noticiado pelo RD, foi a morte das jovens Isabela Priel Regis e Isabelli Helena de Lima Costa, ambas de 18 anos, atropeladas em 9 de abril na avenida Goiás, em São Caetano. Mesmo na faixa de pedestres, elas foram brutalmente atingidas por um Honda Civic a mais de 60 km/h — velocidade acima do limite da via — e arremessadas a cerca de 50 metros do ponto de impacto.
O motorista, Brendo Santos Sampaio, de 26 anos, foi preso em flagrante por homicídio. Após audiência de custódia, teve a prisão convertida em preventiva e segue detido enquanto aguarda julgamento.
Para evitar tragédias como essa, Almeida defende investimentos na conscientização dos motoristas e na melhoria da infraestrutura viária. “Cerca de 95% dos acidentes resultam do comportamento humano. A impunidade se fortalece diante da fragilidade do sistema. Casos como o de São Caetano, em que há a expectativa de o acusado responder em liberdade, ilustram falhas graves na responsabilização por crimes de trânsito”, pontua.
O especialista também critica mudanças recentes na legislação, como a ampliação da pontuação da CNH, inicialmente pensada para motoristas profissionais, mas que acabou sendo aplicada de forma genérica. Além disso, defende a criação de delegacias especializadas no atendimento a vítimas de trânsito, nos moldes das que já existem para casos envolvendo mulheres e idosos.
Entregadores ainda mais vulneráveis
Outro ponto sensível é a situação dos entregadores por aplicativo. Muitos não têm vínculo formal de trabalho e, por isso, ficam sem acesso a benefícios como o INSS em caso de acidente. Para Almeida, a criação de um modelo de previdência privada específica para esses profissionais pode ser uma solução viável.
Entre as medidas mais urgentes para enfrentar os problemas do trânsito, o especialista destaca a educação nas escolas. Embora a Lei nº 9.503/97, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), determine a inclusão do tema nos currículos escolares, Almeida afirma que a medida ainda não saiu do papel. “Falar de trânsito na escola é formar cidadãos mais conscientes. É uma política de longo prazo, mas essencial”, conclui.