ABC tem mais de 56 mil analfabetos; Rio Grande da Serra lidera índice

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Apesar de avanços em algumas cidades, o analfabetismo ainda é uma realidade preocupante no ABC. Isso porque, de acordo com o Censo Demográfico 2022, divulgado pelo IBGE, Rio Grande da Serra registrou a maior taxa de analfabetos na região, com 4,2% da população com 15 anos ou mais sem saber ler e escrever — o que representa 1.489 pessoas. A cidade supera a média regional, que é de 3,2%, e concentra parte dos 56.023 moradores analfabetos nas sete cidades do ABC.

Os dados mostram desigualdade histórica entre os municípios da região, especialmente quando comparado com os índices de cidades vizinhas. Em Rio Grande da Serra, o índice está acima, inclusive, da média nacional, que é de 7%, e revela um desafio persistente para as políticas públicas locais de educação. Já nas demais cidades, a situação varia: Mauá e Diadema também apresentam taxa de 3,2%, seguidas por Ribeirão Pires (2,8%) e São Bernardo (2,4%).

A disparidade revela um problema estrutural. Para a professora Andrea Menarbini, da Fundação Santo André, os índices são reflexo direto de um histórico de negligência com o direito à educação. “O hoje é consequência do ontem. O direito à educação foi sistematicamente mitigado no Brasil, e isso se reflete nas taxas atuais de analfabetismo”, afirma. Segundo ela, não basta aplicar métodos padronizados de alfabetização sem considerar o contexto social dos alunos. “Ainda há gestores que acreditam que basta aplicar uma técnica para que a criança aprenda. Isso ignora décadas de pesquisa educacional”, explica.

A professora ressalta, ainda, o impacto de teóricos como Emília Ferreiro, Magda Soares e Arthur Gomes de Moraes, que transformaram a compreensão sobre o processo de alfabetização. “Todos os alunos são capazes de aprender, desde que tenham acesso a uma escola que respeite sua individualidade”, pontua. Para ela, alfabetizar é muito mais do que ensinar a ler e escrever: é formar sujeitos críticos, conscientes e capazes de interagir com o mundo.

Além das condições da escola, fatores como moradia precária, insegurança alimentar e carência afetiva interferem diretamente na aprendizagem. “A escola reflete a sociedade. Os problemas sociais entram pela porta da sala de aula junto com os alunos”, reforça Andrea.

Caminhos e iniciativas locais

De acordo com a docente, a mudança deste cenário exige mudança a formulação das políticas públicas. “Decisões precisam ser construídas com os profissionais da educação. O professor é quem conhece a realidade da sala de aula e deve ser ouvido desde a criação do currículo até a formação continuada”, defende Andrea. Investimentos em infraestrutura, valorização docente e envolvimento das famílias também são apontados como pontos-chave.

Na ponta das ações práticas, prefeituras da região têm lançado iniciativas para enfrentar o analfabetismo. Em São Caetano, uma das cidades com menor taxa do país, o Proalfa (parceria com o Instituto Mauá de Tecnologia) atende jovens e adultos de 20 a 90 anos com defasagem de aprendizagem. Segundo a prefeitura, o maior obstáculo ainda é localizar e motivar pessoas a retomarem os estudos, muitas vezes impedidas por vergonha ou falta de tempo.

Santo André também tem ampliado os esforços. A cidade aderiu ao Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo, fortaleceu a EJA com formações para educadores e busca ativa de alunos, e mantém o Mova (Movimento de Alfabetização) em parceria com o MEC. Além disso, integra o ensino fundamental a cursos profissionalizantes, e realiza ações contínuas para recuperação e avaliação da aprendizagem.

São Bernardo, por sua vez, prioriza a alfabetização nos primeiros anos do ensino fundamental. Com a criação da Escola de Formação Professora Marta Silva Nascimento Teixeira, a cidade intensificou a qualificação dos educadores e implementou programas como o LEEI e o Alfabetiza Juntos, ambos vinculados ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. A meta para 2025 é ambiciosa: garantir que 90% dos alunos do 1º e 2º anos sejam leitores com compreensão.

Já Mauá tem como meta garantir o direito à educação em áreas vulneráveis, onde ainda existem bolsões de pobreza. Com taxa de analfabetismo de 3,26%, abaixo da média nacional e estadual, o município integra o Programa Brasil Alfabetizado e mantém 20 salas de EJA em 12 escolas municipais, atendendo quase 600 alunos. A cidade também promove formações periódicas para educadores e participação ativa em conselhos escolares.

Desigual, mas possível de mudar

Apesar dos dados escancararem uma realidade bastante desigual, mostram que, com iniciativas do poder público, planejamento e escuta ativa dos profissionais da educação, é possível avançar. Como resume a professora Andrea Menarbini: “O compromisso com o aprendizado de todos, a valorização do professor e o diálogo com as famílias são o caminho para uma educação transformadora”, afirma.