ABC - quarta-feira , 30 de abril de 2025

Falta de planos para área de cultura preocupa artistas e produtores da região

Teatro Lauro Gomes, em S.Bernardo, onde produtores evitam fazer espetáculos porque a Prefeitura não permite a divulgação com faixas (Foto: divulgação/PMSBC)

Artistas e produtores culturais estão preocupados com a indisposição das prefeituras em investir na área nesta gestão. A principal queixa é a falta de proximidade com os gestores municipais e de clareza sobre os rumos das novas gestões. Somente as prefeituras de Santo André e São Caetano responderam aos questionamentos do RD sobre os planos para o setor de cultura em 2025.

Para o músico e ator Jean Buenolevar, de Mauá, mesmo com a continuidade do governo Marcelo Oliveira (PT), falta ao município maior apoio às oficinas culturais. “Eu sou aluno das oficinas há seis anos e eram seis os professores concursados, agora um está afastado e os cinco que sobraram estão ‘segurando o rojão’. Em que pese tenhamos as batalhas de rima, os saraus são as oficinas que geram impacto. Vejo que nos últimos anos há uma falta de continuidade das políticas públicas e de valorização dos concursados”, diz.

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Segundo Buenolevar, faltam também investimentos em áreas como centros culturais e bibliotecas. “Eu passei na USP (Universidade de São Paulo) e estudei nos livros da biblioteca municipal, que hoje está sucateada”, diz o artista que estuda pedagogia e quer atuar como professor nesta área. A prefeitura de Mauá, não se manifestou sobre as ações na área de cultura para este ano. O orçamento do município para este ano é menor do que o do ano passado em quase R$ 550 mil.

Jean Buenolevar, músico e ator de Mauá (Foto: Rede Social)

A professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) Sílvia Helena Passarelli, integrante do Conselho Municipal de Cultura de Santo André, também considera que é preciso dar mais prioridade à área. Diz que o planejamento da pasta de Cultura do município ainda não foi apresentado, passados mais de dois meses da gestão.

CarnaCão

“A equipe ainda está sendo montada. Para o Carnaval, por exemplo, faltou divulgação. A única coisa que fizeram foi o CarnaCão, para os pets. Temos a biblioteca Nair Lacerda fechada, a Casa da Palavra fechada há quatro anos e falta pessoal para as bibliotecas ramais (dos bairros) que fecham às 17h, ou seja, o trabalhador não pode frequentar a biblioteca. Essa demora em formar a equipe nos estranha, pois se é um governo de continuidade, já deveria estar mais adiantado. Estou pessimista, mas torcendo para ser surpreendida”, analisa.

Em nota, a Prefeitura de Santo André diz que a Casa da Palavra e a Biblioteca Nair Lacerda serão entregues em abril. O comunicado também aponta que a área é uma das prioridades da gestão.

“Desde 2017, a Secretaria de Cultura de Santo André atua no sentido de identificar e fomentar as ações e fazedores de cultura da cidade partindo da premissa de “fazer com” em vez de “fazer para”. A valorização das iniciativas que emergem nos territórios é a base da política cultural do município. Para facilitar e democratizar o acesso dos artistas aos eventos, as contratações são feitas, majoritariamente, via editais e convocatórias; os equipamentos culturais são cedidos gratuitamente para ensaios, gravações e apresentações por meio do ‘Okupa Cultura’; o projeto ‘Canja com Canja’ foi retomado para ser vitrine e ponto de encontro de gerações da música; o tradicional Festival de Inverno de Paranapiacaba foi remodelado focando em artistas da cidade e região, dentre tantos outros exemplos. A partir de 2025, todo este trabalho será mantido e intensificado. As ações serão voltadas a identificar, fomentar, divulgar e registrar a memória das atividades que existem nos territórios de Santo André”, informa.

Sobre a utilização dos equipamentos públicos de cultura, Santo André diz que todos os artistas que solicitam data são importantes e atendidos da mesma maneira, mediante formalização da solicitação e disponibilidade de agenda. Ainda assim, a maioria das solicitações efetivadas são de proponentes da cidade. As atividades realizadas pela Secretaria de Cultura atraíram cerca de 400 mil pessoas em 2024, segundo a Prefeitura. O orçamento de Santo André para a cultura neste ano ficou quase R$ 3 milhões superior ao do ano passado.

A administração andreense rebate crítica de Sílvia Helena de que os planos não teriam sido apresentados ainda. O município sustenta que os conselhos já estão cientes da programação, que as ações no Carnaval foram além do CarnaCão e que ainda que os eventos foram divulgados. “O planejamento da área foi apresentado durante reunião ampliada do Conselho Municipal de Políticas Culturais (CMPC) realizada no dia 25 de fevereiro. A pauta incluiu apresentação da nova equipe diretiva, organização programática da pasta e principais atividades até novembro. O encontro contou com mais de 100 participantes dentre representantes da sociedade civil, alunos das Escolas Livres e funcionários da secretaria. Sobre as atividades de Carnaval, o Cine Theatro de Variedades Carlos Gomes concentrou as ações da Secult. No dia 26 de janeiro foi realizado o grito de Carnaval com o show ‘Turnê 20 anos da Banda Estrambelhados’, tradicional grupo de São Luis de Paraitinga, por meio da circulação de projetos da Lei Paulo Gustavo – Ministério da Cultura e Governo do Estado de São Paulo, via Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas. Já em 03 de março, o Cine Theatro realizou a Matinê de Carnaval com abertura da Banda Lira e apresentação do Bloco do Madruga. O evento atraiu mais de 400 foliões de todas as idades, comprovando que a divulgação chegou ao público da cidade.

Batuque Abayomi, de Diadema, grupo de percussão formado apenas por mulheres. (Foto: divulgação)

Carnaval

A ativista social e coordenadora do Batuque Abayomi, Tânia Dandara, está mais pessimista em relação à nova gestão municipal em Diadema. Afirma que o Carnaval também foi uma demonstração de que o governo, na sua opinião, ainda não tratou a Cultura como prioridade.

“Até agora, a indicação é de retrocesso. Para o Carnaval não organizaram nada, solicitamos apoio da Guarda Municipal e do Departamento de Trânsito para os grupos saírem nas ruas e não tivemos amparo, os grupos se organizaram sozinhos, isso aponta que a relação será difícil. Os oficineiros estão se desligando dos centros culturais e até o momento os coletivos não tiveram nenhuma reunião com a Secretaria de Cultura. Eu estou torcendo para que esse pessimismo mude, porque cultura é saúde, é educação e favorece as famílias”, desabafa Tânia.

Perguntada sobre os investimentos, o plano para a cultura da nova gestão, a Prefeitura de Diadema não se pronunciou. O orçamento para a cultura, de acordo com a Lei Orçamentária Anual aprovada pela Câmara, está R$ 1,6 milhão maior neste ano.

Êxodo em São Bernardo

O RD relatou em fevereiro os problemas na relação dos produtores culturais que trazem apresentações para os teatros de São Bernardo. A divulgação mais eficiente, segundo os produtores ouvidos pela reportagem, é aquela feita através de faixas fixadas em diferentes pontos da cidade, porém desde o ano passado a Prefeitura arranca as faixas assim que são colocadas, com isso a divulgação fica prejudicada. As produções começaram a ter problemas com menos público, prejuízos e alguns produtores, acostumados a trazer espetáculos musicais, de teatro e stand-ups, resolveram se afastar de São Bernardo.

O produtor Jorge Abud disse ao RD que, mesmo após a reportagem publicada em fevereiro, a postura da administração em relação à divulgação dos espetáculos continua a mesma. “São Bernardo não trata nós produtores com a dignidade que merecemos; eles não perceberam ainda que quem traz a programação somos nós”, critica. A Prefeitura não se manifestou sobre a situação no mês passado, como também não atendeu ao pedido de informações da reportagem sobre o plano de cultura para este ano. O orçamento para a pasta de Cultura neste ano ficou R$ 3 milhões acima do previsto para uso no ano passado.

Em Ribeirão Pires, quem vive da cultura também relata problemas. Letícia Destro produziu, com recursos da Lei Paulo Gustavo, o curta-metragem ‘Estopa – A lenda’, que conta a história de um cachorro. Violentamente agredido e quase morreu, mas graças a ajuda de protetores se recuperou e foi por mais de 10 anos um cão comunitário, cuidado pela comunidade. Para cumprir as exibições do curta, uma exigência do edital, Letícia tentou exibir o filme na Escola Municipal Carlos Rohm. Depois de apresentar documentos, trocar diversos e-mails com os responsáveis pela Cultura e Educação, não conseguiu o aval e desistiu. Em uma parceria com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Letícia acabou por exibir o filme na sede da entidade.

Escola municipal Carlos Rohm, onde produtores tentaram exibir documentário e desistiram (Foto: divulgação/PMRP)

Filme

Letícia pensou em fazer a contrapartida, que é etapa do edital exigida por lei, em uma escola, porque entende que o documentário que fala sobre o cachorro vítima de maus tratos, e sobre a questão de forma mais ampla, é didático para exibir nas escolas para a conscientização de crianças e adolescentes.

“Conversei com a direção da escola, apresentei o projeto, e pediram para falar com a Secretaria de Educação, troquei vários e-mails desde 17 de janeiro. Sugeriram só uma data que a minha equipe não podia e pedi uma nova, e não consegui mais contato. Muitos dos projetos da lei Paulo Gustavo foram exibidos na EMARP (Escola Municipal de Artes de Ribeirão Pires), mas achamos que seria importante descentralizar”, relata Letícia.

A produtora cultural disse que houve apenas uma reunião do pessoal da cultura com a secretaria, mas em que não foram apresentados os projetos para este ano, que apenas foram tratadas questões referentes à eleição do Conselho Municipal. Ribeirão Pires não se posicionou sobre os planos de cultura para este ano.

São Caetano

São Caetano respondeu apenas sobre os equipamentos que dispõe. “A Secretaria Municipal de Cultura de São Caetano do Sul (Secult) é composta pelo Departamento de Cultura, a Estação Cultura (atualmente desativada, passa por reformulação), a Casa do Artesão Reinaldo Joaquim Gomes e a Escola Municipal de Bailado Laura Thomé junto aos teatros municipais Paulo Machado de Carvalho e Santos Dumont. A Cultura ainda conta com o trabalho em conjunto da Fundação das Artes e da Fundação Pró-Memória, esta que é responsável pela gestão do Centro de Documentação Histórica, Museu Histórico Municipal, Pinacoteca Municipal, Espaço Cultural Casa de Vidro e Espaço do Forno. O prédio que abriga a sede da Secretaria de Cultura também compreende a Fundação Pró-Memória, a Pinacoteca Municipal e a Academia de Letras. A Praça do Professor, no mesmo complexo cultural, acomoda ainda o Espaço Cultural Casa de Vidro e o Teatro Municipal Santos Dumont”, enumera a Prefeitura.

Além destes espaços São Caetano mantém a A Casa do Artesão, instituída em 2001 com o objetivo de estimular a produção manual e de ser um mecanismo de desenvolvimento econômico e inclusão social. São cerca de 3.700 itens à venda, em diversos materiais, como madeira, porcelana, decoupage, telas, malhas em tricô e crochê, carteiras e bolsas, sabonetes, velas, aromatizadores, terrários no vidro, quadros e caixas customizadas, porta-joias, tábuas e bandejas decoradas, artigos para cama, mesa e banho, objetos místicos e religiosos, peças feitas com materiais reciclados. A loja oferece garantia de troca de mercadorias em caso de defeito. São 402 artesãos inscritos. Outras informações: https://cultura.saocaetanodosul.sp.gov.br/. O orçamento deste ano para a pasta de Cultura cresceu R$ 1,6 milhão se comparado com o de 2024.

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