ABC - quinta-feira , 23 de janeiro de 2025

Letalidade da PM aumenta no ABC e batalhões vão seguir cartilha da Rota

Solenidade de aniversário da Rota, onde foi apresentado o novo manual de patrulhamento. (Foto: Divulgação SSP)

Nesta segunda-feira (02/12), data em que a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) comemorou 133 anos, foi lançado o novo manual de patrulhamento tático deste batalhão que é considerado a elite da Polícia Militar paulista. Na ocasião foi anunciado que as demais tropas da PM vão utilizar o mesmo modelo operacional, o que foi criticado por especialistas em segurança pública e por defensores de direitos humanos, que sustentam que o modelo pode aumentar os confrontos e a letalidade policial. Dados da própria Secretaria de Segurança Pública mostram aumento de quase 26% da letalidade policial no ABC, sendo que a maioria das mortes decorrentes de intervenção policial foram cometidas por policiais militares e que estavam em serviço.

O comandante-geral da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas, disse que o novo manual de patrulhamento tático da Rota será importante no combate ao crime organizado. “Esse manual já existe há muitos anos, mas agora vem sendo aperfeiçoado. Qualquer instrutor de polícia estuda o manual da Rota. É uma cultura profissional boa para todos e o cidadão vai ver esse progresso nas ruas”, disse o comandante.
Entre as diretrizes do documento estão as aplicações das táticas modernas, aulas de patrulhamento orientado aos resultados para atender mais pessoas em regiões mais críticas, além da modernização de armas e equipamentos de comunicação. “É um trabalho de inteligência muito forte”, completou o coronel.

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Para Ariel de Castro Alves, advogado, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Bernardo e presidente de honra do Grupo Tortura Nunca Mais, seguindo a cartilha da Rota, os demais batalhões da PM podem ficar mais violentos. “A Rota, desde a década de 70, tem sua atuação marcada pelos abusos, torturas, alta letalidade e por forjar supostas resistências seguidas de morte, colocando armas frias nas mãos das vítimas e efetuando disparos para simularem confrontos inexistentes. Atuam com base nas forças armadas, como se a violência urbana fosse uma guerra, e os inimigos deles são jovens pobres e negros que moram em bairros periféricos. Então, essa padronização de todos os batalhões com a Rota só tende a amplificar ainda mais a escalada de violência policial no Estado”, aponta.

De acordo com a estatística da letalidade policial (veja quadro) o número de ocorrências fatais envolvendo policiais em serviço aumentou 136,36% desde 2022. Em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não houve ocorrências deste tipo e em São Caetano houve queda, mas nas demais cidades a letalidade policial aumentou, com destaque para Diadema, com alta de 100% e Santo André, de 57,14%.

Ariel de Castro Alves é ex-secretário nacional de Direitos Humanos. (Foto: Divulgação)

Para o advogado a violência tende a aumentar à medida que a polícia tem orientação para maior ostensividade. “A Rota tem a fama e o currículo de já chegar nas ocorrências com truculência e efetuando disparos. Com isso, os abusos e a matança devem aumentar. Polícia violenta não é polícia eficiente. A eficiência policial se mede pelos crimes prevenidos e esclarecidos, e não por abusos e assassinatos. Uma polícia violenta e descontrolada gera riscos para toda a sociedade”, completa.

O coronel da reserva e especialista em segurança pública, José Vicente da Silva, também não concorda que os batalhões de área, aqueles que mantém o policiamento de rotina na cidade usem o mesmo modelo que o batalhão de elite usa. “O manual da Rota é muito diferente do manual dos batalhões que fazem o basicamente um trabalho de prevenção. O trabalho da Rota é mais uma resposta a crime, principalmente de alto poder de fogo. A Rota trabalha geralmente com quatro policiais em uma viatura, tem um treinamento especial e armamento especial, enquanto que o patrulhamento trabalha com dois PMs com um armamento comum, a pistola. A atividade é diferente, quem está no batalhão de área visualiza uma série de eventos característicos da sua região, portanto uma diferença muito grande em relação a atividade da Rota, esse manual de patrulhamento deveria ser muito mais específico e exclusivo da Rota”, analisa.

Coronel José Vicente da Silva é especialista e pesquisador na área de segurança pública. (Foto: Alesp)

Silva vai mais fundo na crítica ao uso do manual da Rota pela PM de todo Estado conforme foi divulgado. “Realmente não vejo sentido nisso. O patrulheiro do policiamento de área precisa ter manual próprio, ainda que existam pontos em comum. O policial da Rota tem foco no criminoso e o patrulhamento comum tem foco no crime e na desordem. Foco no crime para prevenir atuando nos locais e horários de maior incidência. A Rota se preocupa com som alto, grafiteiros, briga de marido e mulher, bate boca de fregueses nos botecos, discussão de vizinhos, briga de trânsito, bêbados inconvenientes?”, indaga o especialista em segurança.

O coronel da reserva da PM de São Paulo e pós-graduado em Direitos Humanos, Adilson Paes de Souza, destaca que o modelo de atuação da Rota é inspiração para outros batalhões, mas ele não acredita que somente aplicar o novo manual vá aumentar a violência policial, que já acontece com certo apoio de vários governos. “Não creio que por si só esse manual da Rota vá provocar um estímulo maior ao abuso dos Direitos Humanos. Temos uma polícia que estimula a letalidade através da impunidade e de suas atitudes. Isso não é só em São Paulo, na Bahia, onde o governador é do PT, temos a polícia que mais mata proporcionalmente no país. A verdade é que a insegurança atrai votos e os governantes tentam vender uma solução mágica. O próprio governo federal embarca nisso, também porque dá voto”, analisa.

Coronel Adilson Paes de Souza diz que faltam investimentos em apuração e na ouvidoria. (Foto: Reprodução)

Para Souza falta investimento em sistemas de controle e na ouvidoria das polícias. “Não houve nenhum avanço, temos um sistema blindado e avesso ao controle civil onde os sistema de freios não funciona. Os policiais acusados de crimes graves são invariavelmente absolvidos. A Ouvidoria precisa de mais poder para oferecer as denúncias e não apenas pedir a apuração pelas próprias polícias dos casos que a ela chegam”, completa.

Homem é atirado de ponte após abordagem feita por PMs de Diadema

No mesmo dia do lançamento do novo manual da Rota, imagens de violência policial foram o assunto principal desta terça-feira (03/12). O principal caso foi protagonizado por policiais militares que atuam no 24° Batalhão da PM, em Diadema. Eles teriam perseguido um motociclista até ultrapassarem a divisa do município com a Capital. Depois de rendido, o homem que aparece desarmado e dominado pelos policiais é simplesmente atirado de uma ponte caindo em um córrego.

A Secretaria de Segurança Publica divulgou nota informando que os policiais envolvidos nesta ação foram afastados do trabalho nas ruas. “A Secretaria da Segurança Pública determinou o afastamento imediato de 13 policiais militares envolvidos na ocorrência. A instituição repudia veementemente a conduta ilegal e instaurou um inquérito para apurar os fatos e responsabilizar todos os agentes. A Polícia Militar reitera seu compromisso com a legalidade e não tolera desvios de conduta”, diz a nota.

Momento em que policial joga homem de uma ponte e ele cai em córrego. (Foto: Reprodução)

O episódio repercutiu em várias instâncias do poderes Executivo e Judiciário do Estado. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) reprovou a atitude dos policiais militares. “A Polícia Militar de São Paulo é uma instituição que preza, acima de tudo, pelo seu profissionalismo na hora de proteger as pessoas. Policial está na rua pra enfrentar o crime e para fazer com que as pessoas se sintam seguras. Aquele que atira pelas costas, aquele que chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte, evidentemente não está à altura de usar essa farda. Esses casos serão investigados e rigorosamente punidos. Além disso, outras providências serão tomadas em breve”, disse em sua rede social.

O secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite, gravou vídeo para também dizer das providências tomadas contra os policiais envolvidos na ação. “Ações isoladas como essa não podem denegrir a imagem de uma instituição que tem quase 200 anos de bons serviços prestados para a população no Estado de São Paulo. Não vamos tolerar nenhum tipo de desvio de conduta”, disse em sua página no X (antigo Twitter).

O episódio acontece 27 anos depois de um dos maiores escândalos envolvendo a Polícia Militar e que culminou com vários PMs da mesma unidade, o 24° Batalhão da Polícia Militar, acusados e condenados por agressões e pela morte do conferente Mário José Josino, em março de 1.997. As imagens foram feitas por um cinegrafista amador. O caso que ficou conhecido como o episódio da Favela Naval foi considerado um divisor de águas e a ouvidoria das polícias foi formalmente instalada após o ocorrido.

Apesar dos avanços como o uso de armas não letais, câmeras corporais e os canais de denúncia como a própria ouvidoria, quem estuda o comportamento da segurança pública e a atuação da polícia diz que a situação pouco mudou. “Tantos anos depois e voltamos a Diadema com a mesma situação, isso mostra que o sistema não teve mudança nenhuma e perpetua um sistema que não funciona. Temos uma polícia que estimula a letalidade e um confronto, por isso vemos verdadeiros absurdos e assistimos a piora da segurança pública”, comentou o coronel reformado da PM e mestre em Direitos Humanos, Adilson Paes de Souza que é autor da tese de doutorado: “O policial que mata: um estudo sobre a letalidade praticada por policiais militares do Estado de São Paulo”.

No caso do rapaz jogado no córrego, não houve registro de ocorrência e o rapaz, não identificado, teria conseguido sair da água suja do córrego alguns metros adiante. Nem a Secretaria de Segurança Pública ou o comando da PM têm informações sobre ele ou seu estado de saúde. “O que vemos é a preocupação do governo em tentar limpar a imagem da PM, porém ninguém se preocupou em saber o que aconteceu com aquele jovem. Como também não aconteceu nada com o policial que atirou em outro rapaz na Zona Sul porque ele furtou sabão para lavar roupas. O rapaz morreu com 11 tiros, e o autor dos disparos alegou legítima defesa”, completa o coronel Adilson Paes de Souza.

Veja vídeo…

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