Levantamento feito pelo RD no site do Tribunal Superior eleitoral (TSE) revela que a soma de abstenções, votos brancos e nulos no ABC no primeiro turno das eleições deste ano e as do pleito de 2020 se mantiveram bem próximas. Há quatro anos, 798.904 eleitores não foram às urnas ou optaram por não escolher nenhum candidato, número que caiu para 748.809 agora, uma diferença de 50.095 votos.
Quando se analisa apenas o número de abstenções, os percentuais entre os eleitores que deixaram de comparecer em quatro das sete cidades apresentaram poucas variações, ainda assim com índices bem superiores à média nacional, de 21,71%, que inclusive levou a presidente do TSE, Cármen Lúcia, a acender o alerta e afirmar que vai acionar os Tribunais Regionais Eleitorais para tentar entender o movimento.
Afinal, ao mapear as três últimas eleições, a taxa só foi menor do que em 2020, quando o não comparecimento de 23,15% foi atribuído à pandemia de Covid-19, inferior aos 17,58% de 2016. Na região, tanto neste ano quanto em 2020 os municípios da região estiveram acima, dois beirando os 30% (casos de Santo André e São Bernardo), ou bem próximos dos índices médios registrados no Brasil (veja números de cada cidade abaixo).
“A postura da ministra Cármen Lúcia em acender esse alerta aos tribunais para fazer uma análise mais profunda e cuidadosa do que esse panorama nos mostrou é super coerente e importante. Isso reforça o que já vem sendo dito por especialistas, de que as urnas estão dizendo que tem uma situação que precisa ser cuidadosamente analisada, porque a falta de interesse, de comparecimento nas urnas, e até mesmo aqueles que comparecem e anulam ou votam em branco, se somados, às vezes são maiores do que recebeu o candidato que venceu a eleição”, avalia o cientista político, mestrando em ciências sociais e membro do grupo de estudos sobre Segurança, Violência e Justiça da Universidade Federal do ABC (UFABC), Carlos Augusto Pereira de Almeida.
Para ele, a postura de eleitores que se ausentam, votam branco ou nulo seria uma forma de demonstrar falta de esperança nas promessas dos candidatos, que não raro se repetem “há 20, 30 anos” e efetivamente não viram realidade. “O que estamos vendo nos últimos anos não é normal, por isso é preciso entender o que está acontecendo. Então, quando a gente vê nas urnas esses números, que são exorbitantes, o que a gente tem em mente é que, a princípio, os eleitores não estão contentes, e muitas pessoas não estão querendo ir às urnas, porque já sabem que tanto faz em quem ela votar, seja A, B, C ou D, que não vai trazer nenhum benefício, nenhuma melhoria para a cidade”, avalia o cientista político.
Para além de fazer uma análise mais profunda em relação à questão das abstenções, conforme a preocupação explicitada pela presidente do TSE, o advogado, professor de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie e de Direitos Humanos do Damásio Educacional, Frederico Afonso, avalia que existem dois caminhos para tentar combater a ausência dos eleitores: acabar com a obrigatoriedade do voto ou estabelecer uma multa significativa para aqueles que optarem por não ir às urnas. “Aí vamos ver a migração da abstenção para os votos nulos e brancos. Isso em relação à preocupação da ministra do Tribunal Superior Eleitoral e também do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, no tocante à escalada de abstenções em muitas localidades. Em muitos municípios a somatória das abstenções dos votos nulos e brancos superaram o número de votos do vencedor na segunda eleição, coloquialmente chamado de segundo turno. A questão, preocupante, é justamente essa”, comentou.
Raio X das urnas
O número de abstenções em Santo André, cidade que tem o segundo maior colégio eleitoral da região e que elegeu Gilvan Júnior (PSDB) no primeiro turno, chegou a exatos 167.221, ou 28,67% entre os que estavam aptos a votar, índice bem próximo dos 28,88% de 2020, quando 164.266 não foram às urnas. Brancos e nulos somaram, respectivamente, 19.524 (4,69%) e 33.426 (8,03%) neste ano, contra 18.662 (4,61%) e 39.067 (6,72%) de quatro anos atrás.
A tendência se manteve no maior colégio eleitoral e município mais populoso do ABC, São Bernardo, que registrou disputa acirrada no primeiro turno entre Alex Manente (Cidadania) e Marcelo Lima (Podemos), que venceu a disputa final no último domingo (27/10). Conforme os dados do TSE, a cidade contabilizou 174.489 ausentes no primeiro turno de 2020, ou 28,73% dos aptos a votar, contra 167.365 (26,03%) agora. Somados a brancos (28.016) e nulos (54.367), nada menos do que 244.480 eleitores não escolheram candidato há quatro anos, número que agora caiu para 225.430, quando contabilizados brancos (20.516) e nulos (37.549).
A eleição de Tite Campanella (PL) em São Caetano, onde não existe segundo turno, significa a continuidade no poder do grupo liderado pelo atual prefeito José Auricchio Júnior (PSD), que em dezembro encerra seu quarto mandato à frente da Prefeitura. Ainda assim, em que pese o número de abstenções na eleição deste ano, com 29.103 (20,17%) eleitores que não foram às urnas, ser inferior aos 34.963 (24,53%) de 2020 a cidade fica próxima ou acima da média nacional dos índices registrados nas duas eleições. Dos eleitores que foram às urnas há quatro anos, 4.261 (3,96%) não escolheram nenhum candidato e outros 8.680 (8,07%) anularam seus votos.
Diadema, cidade onde Taka Yamauchi (PMB) impediu a reeleição que significaria o quinto mandato para José de Filippi Júnior (PT), as abstenções no primeiro turno deste ano subiram em números absolutos para 87.407 (25,82%), ante 85.407 (25,95%) de 2020. Por outro lado, as urnas registraram queda no número de votos brancos e nulos no intervalo de quatro anos: 24.765 (6,56%) anularam os votos e outros 15.980 não optaram por nenhum nome; neste ano foram, respectivamente, 17.027 (6.74%) e 11.479 (4,55%).
Assim como em São Bernardo e Diadema, a eleição em Mauá também foi decidida em segundo turno no domingo (27/10) e levou o petista Marcelo Oliveira a um segundo mandato após vitória sobre Atila Jacomussi (União Brasil). Aliás, foi a única vitória do PT no ABC e também na Região Metropolitana de São Paulo, que agrega 39 cidades, inclusive a Capital. Para não fugir à regra dos municípios com os maiores colégios eleitorais da região, Mauá registrou abstenções superiores à média nacional no primeiro turno tanto agora quanto em 2020. No dia 6 de outubro último, 76.851 (24,13%) deixaram de ir às urnas, enquanto quatro anos atrás 72.020 (23,5%) não compareceram. Brancos somaram 14.093 (6,18%) em 2020 e 12.672 (5,25%) agora; nulos, foram, respectivamente, 27.171 (11,59%) e 22.032 (9,12%).
Cidade com o segundo menor colégio eleitoral do ABC, Ribeirão Pires decide a eleição no primeiro turno e reelegeu Guto Volpi (PL) para mais quatro anos à frente da Prefeitura. Os números mostram que houve uma queda de abstenção em relação ao índice registrado há quatro anos, quando o vencedor do pleito foi Clóvis Volpi, pai do atual mandatário e que inclusive recebeu menos votos – 25.905 –do que a soma de abstenções, brancos e nulos, que chegou a 34.059. Ainda assim, as abstenções de 2020 chegaram a 22.466 (24,83%) ausentes, que caíram agora para 17.733 (19,56%). Brancos e nulos de quatro anos atrás somaram 11.593 e, de 2024, 6.935.
Rio Grande da Serra é a cidade com menos habitantes na região e também a que tem o menor colégio eleitoral entre as sete cidades, mas nem por isso os índices de abstenção estão distantes, para cima ou para baixo, do que a média nacional registrada em 2020 e 2024. Há quatro anos, 7.903 (22,33%) eleitores não foram às urnas, número que caiu agora para 5.781(17,03%). Na soma de brancos e nulos, foram 3.138 há quatro anos e 2.636 nesta eleição.
Em relação aos números, Frederico Afonso avalia que o eleitor brasileiro tem a característica de “queimar o primeiro voto”, com a convicção de escolher determinado candidato, mesmo que este não tenha a dianteira na pesquisa, mas não “gosta de perder” e em eventual segundo turno abre mão da própria convicção do que queria apenas para não votar em um derrotado. “Então, talvez se ele votar em um vitorioso ele tenha uma esperança. Esses números mostram um desânimo total, mas não queria esses. Os partidos perderam de fato a sua ideologia, é importante a ideologia partidária, mas se perderam. As coligações são completamente contraditórias no País, não há uniformidade, não tem sentido, mas são os bastidores dos acordos já visando 2026, não 2024. Então entendo a preocupação da ministra, mas não acredito que seja o TSE que conseguirá refletir isso.”