
O Detran (Departamento Estadual de Transito) fechou mais cerco aos motoristas que costumam beber antes de dirigir. O órgão aumentou o número de fiscalizações na região, no comparativo do primeiro semestre do ano passado e o mesmo período de 2024. O resultado do aperto na fiscalização resultou em um crescimento de 66,2% no número de infrações por alcoolemia. Nos seis meses iniciais do ano passado foram 77 infrações e no último semestre somaram 128.
Em oito Operações de Direção Segura Integrada, como apoio da Polícia Militar e Polícia Técnico Científica, realizadas pelo Detran no ABC no primeiro semestre de 2023, foram 3.170 veículos abordados, em ruas, avenidas e rodovias da região. No mesmo período deste ano foram 5.240 carros parados nestas blitzes. Se aumentaram as infrações flagradas pela fiscalização, aumentaram também os casos de recusa dos motoristas ao teste do bafômetro. No ano passado foram 72 e neste ano 98.
Dirigir sob efeito de álcool – quando o teste do etilômetro aponta o índice de até 0,33 mg de álcool por litro de ar expelido – e se recusar a soprar o bafômetro são consideradas infrações gravíssimas, segundo os artigos 165 e 165-A do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), respectivamente. Em ambos os casos, o valor da multa é de R$ 2.934,70 e o condutor responde a processo de suspensão da carteira de habilitação.
Se houver reincidência no período de 12 meses, a multa é aplicada em dobro, ou seja, no valor de R$ 5.869,40. No caso da autuação por direção sob efeito de álcool, quando há nova ocorrência durante o período de suspensão da CNH, além da multa em dobro, o motorista responderá ainda a processo administrativo que poderá culminar na cassação do seu direito de dirigir, se forem esgotados todos os meios de defesa. Neste último caso, o sujeito terá de reiniciar todo o processo de habilitação para voltar a dirigir – e somente após transcorrido o prazo de 24 meses depois da cassação.
Já os casos de embriaguez ao volante, quando os motoristas apresentam índice a partir de 0,34 miligramas de álcool por litro de ar expelido no teste do etilômetro, são considerados crimes de trânsito. Os motoristas flagrados nessa situação são conduzidos ao distrito policial. Se condenados, além da multa de R$ 2.934,70 e da suspensão da CNH, eles poderão cumprir de seis meses a três anos de prisão, conforme prevê a Lei Seca, também conhecida como “tolerância zero”.
Legislação atualizada
Para o professor de Direito e Processo penal e coordenador do curso de Segurança no Trânsito, da Universidade São Judas, Pablo Moitinho de Souza, a legislação brasileira sobre as leis de trânsito foi atualizada, mas há essa possibilidade de recusa para os exames que podem aferir se o condutor consumiu ou não bebidas alcoólicas.
Souza diz que a lei seca vem para proibir os motoristas de dirigirem com a capacidade psicomotora alterada. É uma infração gravíssima leva a suspensão do direito de dirigir e também crime. “A fiscalização é feita com blitz e o motorista pode se recusar a fazer o teste porque a lei diz que ele pode se recusar a produzir provas contra si, porém seu estado pode ser verificado por testemunhas, dos próprios agentes que fazem a abordagem. Sinais claros podem ser identificados, como sonolência, odor etílico, equilíbrio, se a pessoa sabe onde está e outras atitudes podem ser observadas”, explica.
Para o professor, a fiscalização é importante para tirar das ruas o motorista que está sob o efeito de álcool, mas julga mais importante a realização de campanhas. Afirma que esse comportamento tem de ser evitado, as blitzes são importantes, mas campanhas são mais ainda, pois é preciso mudar a cultura de beber e dirigir.
“Os jovens são a maioria das vítimas dos acidentes, mas não são só eles, essa cultura tem de mudar e repetir sempre que se beber não dirija. Há quem diga que só bebeu uma cerveja e que isso não vai afetar sua capacidade de dirigir, mas é preciso se destacar em campanhas que o carro pode se tornar uma arma”, diz.
Cognição
Segundo o enfermeiro, professor da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC) e com 12 anos de atuação no Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), Renan Tomas, a bebida alcoólica age no sistema nervoso central afetando os sentidos. “O álcool causa uma diminuição de toda a capacidade cognitiva, seja percepção, visão, reflexo, audição, fala, tudo isso”, explica.

Na análise de Tomas, mesmo que a legislação permita concentração baixa de álcool, não há nenhum nível seguro de consumo de álcool para quem vai dirigir. “A lei permite até 0,34 miligramas de álcool ou 0,6 decigramas por litro de sangue, isso já causa um efeito mínimo, mas na minha opinião deveria ser zero álcool”, comenta.
O especialista em socorro médico e urgências em vias públicas diz que a pessoa pode estar bebendo e, como não sente um efeito imediato, continua a consumir bebidas alcoólicas. “Tudo que a gente ingere tem um tempo de metabolização, isso é diferente de pessoa para pessoa, geralmente isso acontece em média em 30 minutos”, diz Tomas.
O enfermeiro diz que são comuns casos de atendimento de acidentes de trânsito com pessoas que aparentam estarem sob efeito de álcool. “A gente nunca pode afirmar sem ter um exame que comprove, mas se percebe sinais, como odor etílico, garrafas e latinhas no carro, mas apenas relatamos essa situação”, relata o enfermeiro sobre os procedimentos na hora do socorro. “São muitos casos de fatalidades em acidentes assim, quando não é o próprio motorista que vem a óbito é o passageiro ou ocupante de outro carro”, acrescenta.
Álcool diminui a atividade cerebral
Segundo o médico de família Pedro Paz Monteiro de Paula, de Rio Grande da Serra, o álcool interfere na comunicação entre os neurônios. Explica que álcool age como depressor no sistema nervoso central. Isso significa que interfere na comunicação entre os neurônios, diminuindo a atividade cerebral. Isso acontece porque o álcool aumenta a ação de um neurotransmissor chamado GABA (Ácido Gama-aminobutírico), o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central. Ele ajuda a reduzir a atividade excessiva dos neurônios, dá sensação de relaxamento, calma e reduz a ansiedade.
“É como se ele agisse feito um freio no cérebro, causa diversas alterações na pessoa. Altera a percepção, de modo que não é indicado dirigir veículos, pois diminui a capacidade de julgar distâncias, velocidade e reduz o tempo de reação; redução do campo visual, ocasiona visão turva e dificuldade de adaptação à luz e escuridão; a atenção é alterada, causando dificuldade de concentração, distração e sonolência; e os reflexos também ficam alterados, com respostas mais lentas aos estímulos, prejudicando a capacidade de frear ou desviar de obstáculos”, detalha.
Para o médico, qualquer quantidade, mesmo mínima de álcool, pode afetar a capacidade de dirigir com segurança. “A intensidade dos efeitos varia de uma pessoa, então existe gente que é mais tolerante aos efeitos do álcool, mas mesmo essas pessoas têm alterações na coordenação motora, no tempo de reação e julgamento, que são cruciais para uma condução segura. A tolerância ao álcool pode levar a uma falsa sensação de segurança, fazendo com que a pessoa se sinta apta a dirigir, no entanto, essa percepção é enganosa e pode ter consequências graves. Mesmo que uma pessoa não apresente sinais óbvios de embriaguez, como fala arrastada ou andar cambaleante, o álcool ainda pode estar afetando suas habilidades de dirigir. A tolerância ao álcool não significa imunidade aos seus efeitos”, diz o médico.
De Paula afirma que os primeiros sinais podem incluir alterações na fala, desinibição e leve perda de coordenação. “À medida que a concentração de álcool no sangue aumenta, os efeitos se intensificam, afetam a percepção, os reflexos e o julgamento”, completa.