População em situação de rua cresce 23% em três anos no ABC

Número de moradores de rua cresce no ABC sobrecarregando trabalho social das entidades e também das prefeituras. (Foto: Banco de Dados)

De dezembro de 2020 até novembro de 2023, ou seja, em praticamente três anos, a população em situação de rua cresceu 23% no ABC. Os números são do CadÚnico do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Essa alta não é acompanhada pelo aumento de políticas públicas ou de contingente de entidades que são parceiras do poder público no atendimento dessa faixa da população.

De acordo com o ministério a maior alta foi em Ribeirão Pires, com 103,3%. Lá, segundo o CadÚnico eram 33 famílias em dezembro de 2020 número que saltou para 76 em novembro último. Depois vem São Caetano com alta de 62,9%. Santo André teve um acréscimo de 38,9% na população de rua. São Bernardo é a que tem a maior população em situação de rua do ABC; eram 1.085 famílias no final de 2020 e em novembro passado eram 1.160, alta de 6,9%. Em Rio Grande da Serra a alta foi de 32,6% e em Diadema, de 27,9%.

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O aumento da população em situação de rua, aumenta também o trabalho dos serviços sociais e de saúde por parte das prefeituras e também das organizações não governamentais que fazem o atendimento desse público. A Pastoral do Povo de Rua, da Igreja Católica, é um desses serviços de atendimento que não recebe nada do poder público para atender a essa população.

O padre Ryan Holke, que coordena o Vicariato Episcopal, criado em 2019 para reunir todo o atendimento social da Diocese de Santo André, diz que o alimento não falta, mas falta para essa população outros tipos de atendimentos como nas áreas de saúde e assistência social que são atribuição das prefeituras. “O alimento se consegue e temos dezenas de grupos das pastorais que vão a pontos específicos, onde essa população de encontra, mas falta um atendimento integral que é muito importante, como os dos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Há uma constelação de fatores que afligem essa população, como a drogadição, o tratamento de doenças mentais, a falta de condições de moradia e principalmente saúde. O ABC tem um déficit muito grande de moradia, e há quem tem casa, mas é como um barraco, ou seja, em condições muito precárias”, explica.

Segundo o padre, o perfil majoritário da população de rua do ABC não é de famílias, em geral a maioria é de pessoas sozinhas, embora haja famílias vivendo nas ruas. Quando há crianças há uma rede de proteção que age rapidamente com a coordenação dos conselhos tutelares. “Se verifica fácil a violação de direitos das crianças e a rede no ABC é bem estruturada. Temos muitos casos de crianças que estão nas ruas, mas não são moradoras da rua, elas têm casa, mas perambulam de dia pelas ruas. O nosso maior problema são os adultos”, diz Ryan Holke.

Há uma dificuldade maior de abordar um adulto que também precisa aceitar abrigo e ajuda. A abordagem fica difícil porque essas pessoas circulam de cidade em cidade. “A missão da igreja é de estar presente e caminhar com eles e para isso contamos com as políticas públicas e as organizações sociais. A pessoa não deixa de ser um cidadão porque está na rua e o caminho para sair dessa situação é longo, quanto mais a rede de apoio estiver estruturada melhor será o resultado”, diz Holke.

Nos últimos anos diversas instituições assistenciais fecharam as portas na região por falta de recursos e isso, segundo o padre é mais uma razão para o aumento de pessoas vivendo nas ruas. “De que forma o Estado vai garantir o atendimento que sempre foi feito em parceria com as entidades se agora não as temos mais? Da mesma forma as pastorais perderam muitos voluntários durante a pandemia da covid-19. Por isso a Diocese está fortalecendo as ações. Essa população precisa ser vista, a maior dor, nos contam essas pessoas, é ser ignorado na rua, isso machuca muito”, completa Holke.

Política

Para o professor de filosofia da UFABC (Universidade Federal do ABC) e doutor em Educação, Daniel Pansarelli, a questão política do país e a economia empurraram milhares de famílias que já estavam na linha da extrema pobreza para as ruas. Situação que foi agravada com a pandemia. “Desde o começo do século XXI os indicadores sociais vinham melhorando. Nos primeiros 16 anos desse século houve avanço nos indicadores econômicos, primeiro no governo Fernando Henrique, depois nos governos Lula e Dilma, o primeiro privilegiou o crescimento econômico depois vieram políticas sociais. Há indicadores sociais claros disso; entre 2012 e 2014 chegaram às universidades estudantes dos extratos C e D, isso é devido à políticas de inclusão. Isso parou no governo Temer para uma nova tentativa de avanço econômico que foi continuada no governo (Jair) Bolsonaro, mas que não deu resultado nem econômico, nem social, foi um desastre para os dois lados”, analisa o professor da UFABC.

“O que se vê agora é resultado destes últimos anos. Resta saber o que o terceiro governo Lula vai tomar e se serão suficientes para estancar o empobrecimento da população. Há medidas concretas como a valorização do salário mínimo, mas os efeitos levam um tempo para serem captados. O giro da economia traz oportunidades de emprego e renda, possibilitando que a população deixe a rua. Ninguém mora na rua porque quer”, continua Pansarelli.

Para o professor não é apenas o atendimento à população de rua que fica prejudicado à medida que esse público aumenta. Toda a infraestrutura fica sobrecarregada e a população pobre, que tem casa, também sofre. “Esse aumento da população em situação de rua gera um desgaste para todo o equipamento público e para o terceiro setor. O ônus prejudica toda a sociedade na medida em que se gasta mais no atendimento à saúde. Me parece que é urgente que se volte a tomar medidas para que, junto com o avanço da economia, se possibilite o avanço no desenvolvimento social do país para diminuir a desigualdade. O ABC tem uma condição bastante importante para isso, pois é região de pujança industrial e produtiva ainda muito forte, ainda que tenha perdido espaço na indústria, mas ainda é privilegiada”, completa.

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