Na opinião de especialistas em saneamento e em gestão pública, a privatização da Sabesp, aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo, no dia 6 de dezembro, não vai trazer vantagem alguma para consumidores, prefeituras e o meio ambiente. Ao contrário, segundo as análises, irá custar mais caro. No ABC, as prefeituras não se manifestaram ainda sobre o que vão fazer, se vão renovar contrato com a Sabesp a partir da venda da estatal ou se vão criar empresas próprias para cuidar do saneamento.
Para Amauri Pollachi, engenheiro e presidente da APU (Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp), a universalização do saneamento, que significa 99% de acesso à água e 90% de tratamento de esgotos está próxima, e atingir essa meta em 2029 já estava nos planos da Sabesp, independente da privatização. “Em Diadema, por exemplo, o tratamento de esgoto está em 72% porque falta apenas fazer um coletor tronco no Ribeirão dos Couros para ligar à ETE (Estação de Tratamento de Esgotos) do ABC que fica na divisa de São Caetano com a Capital. Santo André tem 99% de tratamento, quase a mesma coisa em São Bernardo, então está tudo muito próximo”.
Para Pollachi, decreto estadual deste ano retirou dos municípios autonomia sobre o saneamento e eles serão obrigados a se submeterem a um único controle além disso as cidades terão que revisar seus contratos de concessão. “Em Santo André que a Sabesp assumiu em 2019 e vai até 2059, vão querer alterar para 2060. Em Diadema, que começou em 2014 vão querer avançar mais 16 anos, e tudo isso sem nenhuma contrapartida para o município então, se as deficiências estão sendo atendidas eu diria que a vantagem da privatização é zero”.
O especialista em saneamento considera uma aventura a proposta do governador Tarcísio de Freitas. “Essa coisa de dizer que a tarifa vai cair é inédito na administração pública. O que vai acontecer é que o governo vai tirar do dinheiro que receberá pela venda da estatal para dar para a empresa e pagar o custo desta tarifa mais barata, é como vender um carro e continuar pagando a gasolina para o novo dono usar. Isso é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Onde houve privatização as tarifas sobem acima da inflação e a qualidade do serviço piora muito”.
Tarifa
Estudo feito pela APU e outras entidades ligadas ao saneamento, aponta que na cidade do Rio de Janeiro, a tarifa social de água é 102% maior do que a praticada pela Sabesp, em Campo Grande (MS) é 172% maior. Essas duas cidades o serviço é privatizado.
Se acordo com o presidente a APU nem os motivos arguidos pelo governo são válidos como justificativa da privatização. “A empresa é lucrativa, tem capacidade de investimento, então para que vender? Esse é um PIX de R$ 30 bilhões para o governo do Estado. Hoje a Sabesp investe 75% do lucro na expansão da rede, principalmente nos municípios mais pobres e nas ligações de água para a popualção mais carente e só 25% são distribuídos como dividendos. Com a venda a empresa vai querer um retorno rápido e deixará de investir”, analisa.
Autarquias
Pollachi explica ainda que os contratos de concessão, assinados com a Sabesp pelos municípios, têm uma cláusula que os anulam automaticamente que é justamente a que trata da privatização então todos terão que fazer novos contratos. “Veja se eu vou fazer uma lei nova para convenio com empresa privada e não vou ter nenhuma contrapartida, porque eu mesmo não faço o serviço?”, diz sugerindo que cidades possam criar ou recriar empresas públicas para a distribuição de água e coleta de esgotos.
Para o professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) nas áreas de filosofia, política e ética, e especialista em políticas públicas, Daniel Pansarelli as cidades e principalmente o ABC vão perder muito com a privatização. “A história tem nos ensinado que o processo de privatização é um equívoco. A gente tem problemas em absolutamente todos os serviços privatizados; são falhas constantes nas linhas de trem privatizadas, as rodovias privatizadas têm o pedágio mais caro do Brasil, temo as ocorrências recentes com energia elétrica e a gente pode pensar, mas não vai encontrar uma privatização que tenha tido um sucesso, então então me parece que é um equívoco esse esforço do Estado se desfazer do patrimônio”, analisa.
Economicamente não haverá vantagem para o São Paulo na opinião de Pansarelli. “Obviamente não há porque se privatizar o que tem sido lucrativo para o Estado e qual vai ser o meio de não se tornar deficitário para iniciativa privada? Ela vai recorrer o Estado por subvenção? Se for vai continuar saindo o recurso do Estado ou vai se deteriorar a qualidade do serviço, que é o que acaba acontecendo em muitos casos? É essa necessidade de baratear os custos que a iniciativa privada tem que faz com que os processos de privatização sejam precarizados e a população acaba sempre pagando por isso duplamente; pagando porque não tem o serviço bem prestado e pagando porque encarece o serviço pois as regras de reajustes são diferentes”.
Meio ambiente
Para o professor da UFABC, a questão ambiental não terá a mesma importância para a empresa privada como tem hoje para a estatal. “Na nossa região pensando na questão dos mananciais, na preservação das nascentes, é difícil a gente acreditar que a iniciativa privada preservará com o mesmo cuidado. Será que terá o mesmo esforço de preservar a natureza e as culturas das populações regionais com o mesmo cuidado que o Estado? As empresas adotam a imagem de amiga do meio ambiente, mas quando a escolha é pelo lucro ou pela preservação a opção acaba sendo feita sempre pelo lucro. Eu vejo que em todos os níveis a população do ABC vai se prejudicar; vai ser prejudicada pela diminuição da qualidade do serviço prestado e pelo aumento do preço da tarifa, que será verificado não de imediato, mas a longo prazo, e pela pela maior vulnerabilidade da degradação ambiental e mesmo das culturas locais da nossa região”, completa Pansarelli.
O RD questionou as seis prefeituras da região que têm contrato de concessão com a Sabesp sobre se irão renovar o contrato com a futura administradora da empresa, se pretendem criar autarquias para fazer o serviço de saneamento, mas até o fechamento desta reportagem apenas São Bernardo respondeu. Diz que ainda estuda o que vai ser feito. “A Prefeitura informa que tomou conhecimento pela imprensa sobre a aprovação do projeto de privatização da Sabesp, feito pela Assembleia Legislativa, e que está internamente realizando análises. Ainda não há uma definição a ser anunciada”. São Caetano, que tem a sua própria empresa pública, também foi questionada e não respondeu.