ABC - segunda-feira , 29 de abril de 2024

Família de falecido tem que abrir cova em cemitério de Rio Grande da Serra

Familiares tiveram que pegar em pás enxadas para abrir a cova e enterrar P.S.J., de 26 anos. (Foto: Reprodução)

Além da dor de perder um familiar que morreu de forma trágica, a família de P.S.J., de 26 anos, ainda teve que abrir a cova para enterrá-lo. Isso aconteceu neste domingo (03/12)e segundo a família e o vereador Marcelo Akira (Podemos) aconteceu por falta de coveiros no cemitério São Sebastião. A prefeitura nega a falta de servidores e diz que os funcionários públicos que estavam no local não quiseram fazer o procedimento.

O rapaz faleceu vítima de afogamento e quando o corpo foi localizado já estava em estado de decomposição, por isso o sepultamento deveria ser breve. Mas no domingo à tarde, quando a família chegou com o carro funerário não haviam covas abertas e os funcionários disseram que não fariam o enterro, já que na sepultura indicada, poderia ter um corpo para ser exumado e essa não seria a função daqueles servidores.

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“Esse não é um caso isolado, isso vem ocorrendo há três meses. Me chamaram no domingo e eu deixei um compromisso familiar para ajudar. Liguei para o secretário e disse que os funcionários eram roçadores e não poderiam fazer nem enterros nem exumações, houve um desentendimento na frente da família, uma situação muito triste. Ainda disseram que se a família quisesse cavar isso poderia ser feito, mas que poderia ter um corpo ali e teria que exumar”, disse Akira.

“Os funcionários são ameaçados e coagidos. A função deles não é a de sepultar ou exumar. O rapaz que estava lá no domingo é lotado na Secretaria de Serviços Urbanos como roçador. A prefeitura fez um concurso público para coveiro, mas o salário é muito baixo, de R$ 1.500 e ninguém se interessou”, disse o vereador que prometeu que irá acionar o Ministério Público e também vai atuar administrativamente para apurar a situação. “A família ainda teve que pagar R$ 160 de taxa de sepultamento, outro absurdo, pagar por um serviço que a própria família que teve que fazer. Vou pedir a exoneração do secretário (Wilson de Souza) e ainda a devolução desse dinheiro que foi pago”, completa o parlamentar.

Maurício Silva, tio do jovem que morreu por afogamento, disse que a família já estava desolada com a perda e ainda teve que presenciar uma discussão entre os funcionários da prefeitura e o secretário de Serviços Urbanos. Ele confirmou que os funcionários da prefeitura que estavam no local não eram coveiros. “Se tivesse coveiro lá não tinha porque nós abrirmos a cova. Nos sentimos constrangidos nesta situação toda. O secretário esteve lá e gritou com os funcionários, e eles também discutiram foi uma cena terrível”, comentou.

O familiar disse também que houve uma confusão em relação ao local do sepultamento. “Disseram para usar o de número 44, mas eles não tinham certeza de que o local estava livre ou se embaixo tinha alguém sepultado. É uma desorganização, uma falta de cuidado, está tudo largado lá”, comentou Silva.

A prefeitura já sabia desde sexta-feira (01/12) do sepultamento, que teria que ser urgente dado ao estado de decomposição do corpo, mesmo assim não havia cova aberta. “A funerária mandou e-mail na sexta-feira avisando da situação. A culpa não é dos funcionários que estão trabalhando ali em desvio de função, nenhum é coveiro. A nossa família está muito abalada por tudo que aconteceu e a gente ainda quer ir mais fundo, tudo precisa ser apurado”, disse o Maurício Silva.

Dignidade

Para o advogado, especialista em direito administrativo e do consumidor e ex-secretário Nacional do Consumidor, Arthur Rollo, apenas os coveiros são pessoas habilitadas para este trabalho. “Sepultamento envolve risco de contaminação então tem que ter treinamento, tem que ter EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), enfim, não é para qualquer leigo fazer isso sem ter conhecimento”, aponta.

Arthur Rollo disse que situação ocorrida em Rio Grande da Serra é absurda. (Foto: Reprodução RDTv)

O especialista diz que por a família para cavar uma cova do ente falecido fere a dignidade humana. “Isso é um absurdo sem precedentes, é caso de intervenção do Ministério Público, é caso de intervenção na prefeitura porque esse é um serviço essencial e não pode faltar funcionário. Seria caso de contratação emergencial, a prefeitura não está fazendo o que deveria, então cabe intervenção do MP para punir os responsáveis porque isso é um absurdo sem precedentes”, completa o advogado.

A prefeitura disse, em nota enviada ao RD, que os funcionários estão aptos à função e se negaram fazer o sepultamento. Disse ainda que abriu um processo administrativo disciplinar. “Não (faltam coveiros), porém a prefeitura, pensando em ampliar o quadro de funcionários, abriu na última semana, edital de concurso para contratação de sete novos coveiros para o cemitério municipal. A prefeitura fez sim o remanejamento dos funcionários, porém os servidores presentes no local se negaram a realizar a abertura da cova, reiteramos, que será aberto processo administrativo disciplinar, para averiguação do caso, cumpre salientar que está dentro das atribuições dos servidores presentes no local os ‘Serviços de escavação’, previstos na Lei Municipal 2.291/2018”.

Sobre a dúvida se havia ou não um corpo já sepultado no local indicado para que o jovem falecido fosse enterrado, a prefeitura garante que há controle de todos os sepultamentos. “Existe sim o controle de todos os sepultamentos realizados no município e as informações podem ser solicitadas na sede administrativa do cemitério”, diz a nota da prefeitura de Rio Grande da Serra. Na cidade, ainda de acordo com a administração, são feitos 28 sepultamentos por mês, em média.

Em nota, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra reproduziu a versão da prefeitura para o caso e disse que a Câmara e o Ministério Público é quem deveriam investigar. “Foi nos informado que o ocorrido está com discriminação dos fatos de forma equivocada, na medida que não há ausência de funcionários no local. Tratou-se na verdade de recusa dos funcionários em executar as funções a qual foram contratados, o que difere do alegado. Segundo apurado, já foram tomadas as medidas legais e administrativas para devida apuração e punição, se o caso dos responsáveis, ação esta que cabe ao ente público. Não obstante, desempenhamos um papel em prol da advocacia e cidadania, eventuais casos de investigação e fiscalização, cabe num primeiro momento ao órgão legislativo local e ao Ministério Público, não se podendo transferir esse ônus a este órgão”, diz a ordem em nota assinada pelo seu presidente Ricardo Abou Rizk.

O Ministério Público foi procurado, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

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