O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, destacou nesta quinta-feira, 28, que o entendimento do Comitê de Política Monetária (Copom) é de que, mesmo iniciado o ciclo de afrouxamento, a taxa Selic precisa permanecer em patamar ainda contracionista para alcançar os objetivos inflacionários.
“Mesmo com o ajuste, o que estamos fazendo é restritivo suficiente para atingir a meta”, disse Campos Neto, em coletiva de imprensa do Relatório Trimestral de Inflação (RTI). Hoje, o BC projeta 3,5% para o IPCA de 2024 – principal horizonte da política monetária – e 3,1% para 2025, que tem peso minoritário, ambos acima do centro da meta de 3,0%. A projeção considera uma taxa Selic de 11,75% no fim de 2023 e de 9,0% no final de 2024, conforme o Boletim Focus.
Durante a coletiva, o diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, ainda comentou sobre o estudo realizado pelo órgão e apresentado em box de RTI sobre as variáveis que podem explicar a desancoragem de expectativas para a inflação de 2025. As conclusões mostram que o principal impacto vem da inflação de 2024, devido à inércia, embora haja indicação de efeitos da persistência global da inflação e da perspectiva de déficits primários ou gastos públicos mais elevado no País.
Nas suas comunicações oficiais, o BC tem citado as preocupações fiscais, com a inflação global e uma possível percepção de leniência do BC com o combate à inflação ao longo do tempo como possíveis motivos para a desancoragem de expectativas. “A inflação de 2024 tem maior impacto, mas não dá para extrair desse estudo a explicação de todos os motivos da desancoragem. Ajuda a compor discussão, é mais uma peça do quebra-cabeça”, disse, citando que o BC tem trazido a hipótese de incertezas fiscais e que olha outras variáveis, como a inflação implícita, para entender o movimento.
Sem indicação de que está ‘confortável’
O presidente do Banco Central disse que, em nenhum momento, o BC quis indicar que está “confortável” com as expectativas de inflação acima da meta. No Boletim Focus, as projeções para o IPCA para os próximos anos estão todas acima do centro da meta de 3,0%.
Campos Neto frisou que o BC vai perseguir a meta de 3,0%. “Em relação às expectativas, é bem importante frisar que o BC persegue a meta. Em todas as decisões, a gente leva em consideração o que precisa ser feito para cumprir a meta. Quando muda o horizonte relevante, muda um pouco. Mas, em nenhum momento, quisemos dizer que está confortável com expectativas acima de meta.”
Barra ‘ligeiramente mais alta’
O presidente do Banco Central disse ainda que a barra para acelerar o ritmo de cortes da taxa Selic, atualmente em 0,50 ponto porcentual, está “ligeiramente mais alta” atualmente. Desde agosto, o Copom vem indicando que vê o ritmo de 0,50pp como adequado e que é pouco provável intensificação.
Dentre os fatores que explicariam essa barra “ligeiramente mais alta” estão os desenvolvimentos recentes no cenário externo.
Campos Neto mencionou o aumento recente da curva de juros dos Estados Unidos, destacando que há consequências para os emergentes. “Empresas boas americanas têm tido emissões de crédito saindo com 6,5% a 7,5% de juro. É dreno de liquidez para emergentes.”
Segundo o presidente do BC, boa parte dos analistas não avalia que as preocupações fiscais nos EUA explicam esse movimento do juro longo, mas, se assim fosse, conforme Campos Neto, o formato da curva seria outro. “Se fosse só a indicação de que as taxas de juros vão ficar altas por mais tempo o formato não seria esse”, disse, em relação à estratégia de política monetária nos Estados Unidos.
Outra razão que pode explicar o aumento da curva de juros americana, disse ele, é um tema mais técnico, em relação à China, que tem feito intervenções no mercado e vendendo títulos do Tesouro.
Campos Neto ainda disse que, no cenário externo mais incerto, há a discussão sobre o crescimento chinês. “Parece que há uma mudança de modelo, de passar de infraestrutura para inovação e consumo, o que pode fazer com que o crescimento fique mais baixo por mais tempo”, acrescentou.
Indicação sobre próximos passos
O presidente do Banco Central afirmou ainda que não há ganhos em indicar com maior clareza o tamanho do ciclo de cortes da taxa Selic no momento atual, em que há “grande incerteza”. Campos Neto reconheceu que isso já foi feito no passado, mas que o valor esperado de passar essa informação depende do grau de certeza que o BC tem sobre determinado cenário.
“Em momento de mais incerteza, trocar o guidance gera ruídos de credibilidade. Como definimos o momento atual como de grande incerteza, inclusive com incertezas adicionais no cenário externo, entendemos que não há ganho em indicar tamanho do ciclo no momento”, disse ele, na coletiva de imprensa do Relatório Trimestral de Inflação.
Divergências mínimas
O presidente do BC relatou ainda que a reunião do Copom mais recente foi uma das com menos divergências dentro do grupo. “Não mapeamos convergências ao longo do tempo. Escutamos opinião e tentamos refletir isso na ata”, disse, citando como exemplo um dos pontos mais constantes de debate, que é o comportamento dos preços dos alimentos.
De acordo com o presidente, as divergências não são as mesmas ao longo do tempo. Ele disse que houve mudanças e que, por critério de transparência, essas discussões são sempre reveladas. “(Esta última reunião) foi o que tivemos mais concordâncias sobre as variáveis. Foram mínimas (as discordâncias)”, disse.
Segundo ele, no passado, houve divergência sobre como o crédito ia ser afetado depois do episódio da Americanas e sobre a taxa neutra.
“Essas discussões são boas, geram estudos, nos fazem olhar outra dimensão”, disse Diogo Guillen.
Segundo ele, o mais relevante é ter concordância sobre a estratégia do Copom para a política monetária.
BNDES
Sobre a discussão do efeito do crédito direcionado na potência da política monetária, o presidente do BC repetiu, na coletiva, que o grosso desta modalidade não é do BNDES. “Não é um programa ou outro do BNDES que vai mudar política monetária. É o conjunto da obra que importa. Se tiver um sistema que grande parte do crédito é direcionado, significa que movimento de juros vai incidir sobre pedaço de crédito muito pequeno, para ter mesmo efeito no todo, precisa ser mais intenso.”