
Há menos de 100 dias o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que obriga o funcionamento ininterrupto das DDMs (Delegacia de Defesa da Mulher) no País. A lei foi proposta, em 2020, pelo senador Rodrigo Cunha (União) e aprovada em março. A sanção do presidente foi publicada no Diário Oficial em 4 de abril. No ABC são cinco delegacias especializadas, mas nenhuma funciona 24 horas. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública paulista diz que não tem infraestrutura suficiente para cumprir a lei federal. Enquanto isso, o número de feminicídios não para de crescer. Ano passado foram seis mulheres mortas no ABC e, em menos da metade de 2023, outras seis já foram assassinadas, segundo levantamento feito pelo RD.
Desde 2015 quando a Secretaria de Segurança Pública passou a fazer a estatística dos feminicídios separados dos homicídios, o ano de 2019 foi o mais violento no ABC, com 11 mulheres assassinadas pela condição de serem mulheres. Antes, 2017 tinha sido o período com o maior número de casos, foram nove. Depois de uma queda em 2021, quando foram registrados três feminicídios na região, o número voltou a subir no ano passado para seis mortes e neste ano, somente até o junho já foram outras seis, o que indica a forte possibilidade do ABC terem mais feminicídios este ano. (veja quadro)
Apesar dos números crescentes de violência contra a mulher, o horário de funcionamento das delegacias continua o mesmo. Quando mudou de endereço para um prédio mais central e maior, a DDM de Santo André previa o funcionamento 24 horas, inclusive esse foi um dos fatores para a escolha do local, que a Prefeitura andreense loca para a Secretaria de Segurança Pública do Estado, mas até agora, passados quase três anos da inauguração, o funcionamento de madrugada e aos finais de semana ainda não foi implantado.
A mudança de endereço foi anunciada em 2019 juntamente com o anúncio de que aquela seria a primeira DDM 24h do ABC. A repartição saiu de um imóvel na praça Ministro Salgado Filho, na Vila Guiomar, e foi para a rua Laura, 452 no Jardim Bela Vista, com o objetivo de ampliar as instalações, com previsão para passar a atender 24 horas por dia.
De acordo com a lei 14.541, sancionada por Lula, além do funcionamento 24 horas, nas cidades onde não há uma delegacia especializada em atendimento às mulheres, as vítimas de violência deverão ser atendidas em salas isoladas do restante da delegacia e por policiais do sexo feminino. Os policiais encarregados do atendimento deverão receber treinamento adequado para permitir o acolhimento das vítimas de maneira eficaz e humanitária.
Falta clareza
A legislação, no entanto, não especifica prazo para adequação das estruturas policiais para atendimento dos dispositivos nela previstos. Para o Estado, faltou clareza à lei. “Todas as propostas que visam ampliar o acolhimento e o atendimento às mulheres vítimas de todos os tipos de violência são bem-vindas, contudo a nova lei não é clara ao estabelecer as formas de atendimento ao público, para o atendimento presencial, considerando o regime especial de trabalho policial, será necessário um prazo para que os estados possam adequar as estruturas físicas e quadro profissional para a prestação de serviço à população de acordo com a legislação vigente. No caso de São Paulo, seria necessária a contratação de 2,8 mil novos policiais, sendo 700 delegados, 700 escrivães e 1,4 mil investigadoras”, diz a SSP, em nota.
Para a presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), Jacqueline Valadares, a lei é positiva ao aumentar a rede de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e contribui para reduzir os índices de feminicídio, mas a medida não considera a realidade de cada Estado. Diz que no Brasil são 492 as unidades especializadas para a mulher, sendo que, na maioria dos estados, tem uma, duas, no máximo quatro delegacias de atendimento ao público feminino.
A delegada cita, ainda, que em São Paulo são 140, entre a Capital, região metropolitana e cidades do Interior. Ou seja, 36% das DDMs do País estão no Estado. “Uma coisa é aplicar a lei para o funcionamento 24 horas, onde há uma ou duas delegacias, outra coisa é aplicar em São Paulo, onde são 140 as unidades do gênero. Logo, não se trata de uma lei que pode passar a valer da noite para o dia”, pondera Jacqueline.
A presidente do Sindpesp também cita a questão do efetivo. “Se fôssemos aplicar a lei como está no papel, todas as delegadas lotadas no Estado de São Paulo teriam de ser designadas para as DDMs 24 horas, ferindo, assim, a liberdade profissional dessas servidoras de atuarem em outras frentes”, completa.
Íntegra da nota da Secretaria
“A SSP informa que o combate à violência contra a mulher é uma das prioridades da gestão atual. A pasta inclusive estuda a criação de um departamento específico para tratar de crimes contra a mulher. Atualmente, as mulheres vítimas de violência contam com um suporte físico e online. São 140 unidades territoriais de Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) – sendo 11 delas com funcionamento ininterrupto -, além da DDMs on-line e das 77 salas DDM estrategicamente instaladas em plantões policiais nas quais as vítimas são atendidas por uma delegada mulher via videoconferência.
A região do ABC possui cinco DDMs, localizadas em Diadema, Mauá, Santo André, São Bernardo e São Caetano, atuando na proteção às vítimas, investigação de crimes envolvendo violência doméstica e familiar, investigação de crimes contra crianças e adolescentes com encaminhamentos aos órgãos assistenciais. Há também os Plantões policiais físicos e Delegacia da Mulher Online para registro das ocorrências fora do horário de atendimento.
Todas as propostas que visam a ampliar o acolhimento e o atendimento às mulheres vítimas de todos os tipos de violência são bem-vindas, contudo a nova lei não é clara ao estabelecer as formas de atendimento ao público Para o atendimento presencial, considerando o regime especial de trabalho policial, será necessário um prazo para que os estados possam adequar as estruturas físicas e quadro profissional para a prestação de serviço à população de acordo com a legislação vigente.
No caso de São Paulo, seria necessária a contratação de 2.800 novos policiais, sendo 700 delegados, 700 escrivães e 1.400 investigadoras”.