
A situação das famílias afegãs, que ocupam barracas montadas no aeroporto internacional de Guarulhos, é apenas uma parte do drama das centenas de imigrantes que procuram o Brasil para recomeçarem suas vidas, ou em busca de uma condição melhor de vida. Na terça-feira (20/06) foi celebrado o Dia Nacional do Refugiado e o Ministério da Justiça e da Segurança Pública divulgou estudo sobre o número de refugiados que chegam ao país; somente em 2022 foram 50.355 imigrantes solicitaram refúgio 73% a mais que no ano anterior. A grande maioria desses pedidos é composta de pessoas vítimas de “Grave e Generalizada Violação dos Direitos Humanos” em seus países de origem.
A Diocese de Santo André realiza um importante trabalho no Centro de Acolhida do Migrante que funciona em Utinga, por onde já passaram mais de 6 mil pessoas, a maioria não fixou moradia na região nem no país, já que muitos apenas passam pelo Brasil e pretendem passar por outros 12 países até os Estados Unidos. Muitos morrem na travessia de florestas, rios e desertos na tentativa de entrar clandestinamente em solo americano. Mas muitos, principalmente os que fazem imigração entre países latinos e do Caribe, procuram o Brasil para melhores condições de sobrevivência, caso de venezuelanos, haitianos, bolivianos peruanos, entre outros.
Para o padre Pierre Dieucel, assessor da Pastoral do Migrante da Diocese, o ABC tem um histórico no processo migratório do país, sendo local onde se fixaram migrantes Italianos, portugueses, espanhóis e de outros países europeus no início do século XX. “São João Batista Scalabrini, conhecido como apóstolo dos migrantes passou por aqui. Ele era italiano, e visitava as famílias na região. Foi quando se criou a Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, em São Bernardo. Veio também a pastoral da acolhida, então a igreja assume esse trabalho e hoje temos novas ondas de imigração, de 2010 para cá temos novos rostos, com os haitianos que se somam aos venezuelanos , colombianos, peruanos e cubanos. Neste último ano temos os afegãos, que chegam fugindo de guerra, de perseguição política daqueles que trabalhavam com o governo americano no Afeganistão”, diz o padre que é haitiano e está há 16 anos no Brasil.
A Diocese de Santo André, apesar da distância de Guarulhos, foi até lá, como outras entidades de assistência social, e passou a atender três famílias afegãs com 17 pessoas. “São pessoas que escaparam da morte, porque lá querem matar todos os que colaboraram com o governo americano. Como também os venezuelanos que fogem de uma ditadura militar. Todos querem um país para viver sem medo e melhores condições de vida. Eu, como imigrante sinto a dor deles, principalmente quanto à documentação”, diz Dieucel.
Apesar do amparo, muitos destes imigrantes e, principalmente os refugiados, ficam pouco tempo no Brasil, eles miram outro destino, praticamente todos têm o sonho de trabalhar nos Estados Unidos e enfrentam uma longa jornada, passam por mais de uma dezena de países, nas mãos dos chamados Coiotes, que são pessoas contratadas para guiar e atravessar imigrantes ilegais para solo americano. Muitos morrem no caminho, entre floresta amazônica e o deserto mexicano.
Os que optam ficar no Brasil sentem a imensa dificuldade de encontrar trabalho e para sobreviver com baixos salários e, depois de um tempo, se arriscam para chegar aos EUA. “As pessoas trabalham por R$ 1.300, pagam R$ 600 de aluguel, precisam mandar dinheiro para os parentes que ficaram em seus países, e ainda precisam pagar as contas. Dessa forma eles não conseguem sobreviver. E a maioria se arrisca no que eu chamo de Rota do Perigo, a gente avisa, mas não temos como impedi-los”, conta o assessor da pastoral.
No Centro de Apoio ao Migrante da Diocese, são fornecidas cestas básicas e outros itens de alimentação. No local há cursos preparatórios para o mercado de trabalho e aulas de português. Não há abrigo. Famílias que não têm onde ficar são encaminhadas para a Capital onde a igreja mantém a Missão da Paz. A igreja não conta com nenhum amparo governamental para manter esse trabalho. Instituições como o Sesc (Serviço Social do Comércio) contribuem com alimentos. “Nosso trabalho é custeado pelo povo. O brasileiro é bom, a gente pede e ele dá”, explica Dieucel.
Não se tem um número de migrantes ou de refugiados que fixaram-se no ABC. Sabe-se, no entanto, que muitos chegam todos os dias. “Temos muitos migrantes e consequentemente também muitos refugiados. A maior dificuldade deles é conseguir trabalho e uma remuneração suficiente para pagar as contas. Eles têm dificuldade de encontrar trabalho e quando acham o salário é pouco e muitos têm profissão. Os afegãos são profissionais, pois trabalhavam para o governo, os cubanos são, em sua maioria médicos e os haitianos, em geral terminam o ensino médio já com uma formação técnica, mas quando chegam aqui não conseguem seguir suas profissões. Nós fazemos tudo para reinseri-los no mercado de trabalho, tentamos dar dignidade a eles”, diz o assessor da Pastoral do Migrante.
Segundo o padre Pierre Dieucel, dos que fixaram residência no ABC, os cubanos, haitianos e venezuelanos se concentram em Santo André. São Bernardo tem uma mistura maior dos povos latinos; São Caetano recebe mais peruanos, bolivianos e um número pequeno de haitianos; em Mauá encontram-se mais haitianos, e imigrantes da Venezuela e Cuba; em Ribeirão Pires são mais venezuelanos e cubanos; em Diadema estão mais presentes os bolivianos, peruanos e haitianos e os afegãos estão mais concentrados em Rio Grande da Serra.
Preconceito
Um dos trabalhos da Pastoral do Migrante, que também já foi instalada em cinco paróquias da região, além da Diocese, é a conscientização das comunidades contra o preconceito de raça, religião ou nacionalidade. “O racismo e a xenofobia são coisas comuns em todos os países”, diz o padre acostumado a ouvir que os imigrantes teriam vindo para tirar oportunidade de brasileiros no mercado de trabalho. “Isso é normal em tudo que é país, na Diocese não temos problemas, o preconceito a gente supera. O Brasil é formado por diversas culturas, diversos países e somos todos frutos da imigração. A gente deve olhar para o imigrante como olhamos para nós mesmos”, completa o padre.
Além do trabalho realizado na sede da pastoral em Utinga, a Pastoral do Migrante faz um acompanhamento das situações das famílias atendidas e tem uma rede de comunicação através de páginas na internet e também através de uma web rádio. A rádio tem uma programação voltada para os imigrantes, e nesta semana, que foi marcada pelo Dia Nacional do Refugiado, palestras com especialistas e com pessoas que se adaptaram ao Brasil integram os programas especiais.
De 18 a 25 de junho a Pastoral do Migrante celebra missas especiais na 38ª Semana do Migrante. A abertura foi na Paróquia Sagrada Família em São Bernardo e o encerramento será no dia 25, na basílica menor da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem. Quem quiser contribuir com doações pode ir diretamente ao Centro de Apoio ao Migrante que fica na rua Montevidéu, 71 – Utinga, Santo André. Doações em dinheiro podem ser feitas para a chave pix 09.656.530/0003-29.
Médica cubana luta desde 2019 para a validar diploma e trabalhar no Brasil
A médica Daylis Odio Milhet está no Brasil desde 2019 tentando validar seu diploma de medicina para trabalhar no país. Esse é um grande dilema para muitos médicos cubanos que vivem no país, a validação do diploma, ainda mais quando vários deles já trabalharam como médicos em hospitais brasileiros através do Programa Mais Médicos do governo federal. Esse é o caso de Daylis, que desembarcou no país em 2014, contratada para trabalhar como médica, e agora não pode exercer a medicina.
Daylis não é uma refugiada, mas é uma entre milhares de imigrantes que tentam uma condição de vida melhor no Brasil. “Eu trabalhei 36 meses como médica no Brasil, depois voltei para Cuba e fiquei por dois anos, mas decidi voltar para tentar uma vida melhor aqui”, explica a médica cuja validação do diploma está em trâmite. Ela faz um curso e em agosto participa de um novo processo de provas teóricas e práticas. No momento ela está sem trabalho, mesmo aceitando qualquer um, mesmo fora da área de saúde. “Já trabalhei até em farmácia, para sustentar a mim e meu filho, a gente tem que se esforçar mais para conseguir trabalho”, relata.
A médica diz que em entrevistas já omitiu sua profissão. “Eles dizem que eu tenho profissão então como é que vão me colocar como uma assistente administrativa? Então por vezes eu nem falo que sou médica”, explica Daylis, cujo sonho é exercer sua profissão no Brasil e se fixar por aqui. Seu filho tem 6 anos e é brasileiro. Enquanto não consegue trabalho ela conta com a ajuda de entidades como a Diocese e amparo do pai de seu filho e outras pessoas. “Eu amo a medicina e quero trabalhar para cuidar dos brasileiros que me receberam bem”, completa.