
Márcia Damaceno*
Atualmente, muito se fala em fake news, mas é preciso entender que a divulgação de notícias falsas vem sendo utilizada desde o período colonial para encobrir as injustiças sociais cometidas contra o povo negro.
Durante séculos, os dominadores construíram uma única narrativa exaltando a benevolência do Estado e da elite brasileira ao declarar a abolição da escravidão no Brasil, há 135 anos.
No entanto, em maio de 1888, mais de 90% dos escravizados já haviam conquistado sua liberdade por meio da Kilombagem e do Movimento Abolicionista. Por meio da luta de heróis e heroínas que lutaram contra esse sistema e que sofreram todo um apagamento histórico, como Zumbi, Dandara, Luísa Mahin, Luiz Gama e tantos outros.
Luiz Gama, aliás, antes de se tornar protagonista deste movimento de libertação, vivenciou na pele esse processo de ser escravizado. Nasceu livre, foi vendido por seu pai e tornou-se escravizado na adolescência. Décadas depois, conseguiu sua liberdade, estudou Direito e buscou brechas na legislação da época para libertar o seu povo. Em 2018, Luiz da Gama teve o nome incluído no Livro dos Heróis da Pátria e foi declarado Patrono da Abolição da Escravidão.
Ainda assim, é preciso ressaltar que a escravidão nunca acabou de fato, uma vez que a população negra continua, em sua grande maioria, sendo explorada e trabalhando em condições análogas à escravidão.
Ou seja, a data da abolição da escravidão foi apenas uma formalidade legal, já que no dia seguinte, 14 de maio de 1888, não houve por parte do Estado Brasileiro medidas mínimas para recolocar os recém-libertos e seus descendentes na nova regra de trabalho assalariado e nem mesmo foram tomadas providências para que o povo negro tivesse acesso a direitos básicos, como moradia, emprego, saúde, educação.
Ao contrário, foram adotadas políticas de exclusão, de expulsão do centro das cidades, e criadas leis de repressão e perseguição para com a cultura e religiosidade do povo negro. O racismo foi sendo naturalizado em nossa cultura e adentrando as instituições, o mercado de trabalho, o judiciário, o legislativo, os postos de decisão de poder.
Crianças negras sofrem com a falta de cuidado, carinho e atenção da rede escolar. Jovens negros são os mais assassinados. Homens negros, quando empregados, ganham menos e, quando desempregados, são os mais vulneráveis. Mulheres negras sofrem mais com diversas formas de violência, como doméstica, obstétrica, sexual e a falta de valorização de sua estética.
Portanto, o dia 13 de maio é na verdade um Dia Nacional de Denúncia contra Racismo, seja ele estrutural, institucional, religioso ou subjetivo.
Em Diadema, a Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CREPPIR) e o movimento social vêm há anos mostrando que a prática do racismo desumaniza a vida do povo negro, culminando com a aprovação, em 2022, do Plano Municipal Decenal de Promoção da Igualdade racial. Este plano aponta uma série de ações para enfrentamento ao racismo em todas as secretarias municipais.
Algumas ações podem ser implementadas em um curto prazo, outras podem levar anos. Mas é essencial que o poder público não perca de vista a necessidade de agir.
*Márcia Damaceno, 60, é socióloga, pós-graduada em Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Escola e é a atual Coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Diadema (SP)