Introduzidas inicialmente nos presídios de São Paulo, as drogas sintéticas com nomes populares: Spice, K2, K9 ou K10 têm se espalhado cada vez mais pelas ruas do Estado, principalmente entre jovens. A disseminação e efeitos das substâncias acendem alerta para profissionais da saúde, que se dizem preocupados com o aumento no número de atendimentos durante consultas de rotina.
Especialista em Toxicologia e professora do Centro Universitário FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), Marcela Gonçalves Sant’Ana explica que esse tipo de substância produz um potente efeito sobre o sistema nervoso central do ser humano, que tem provocado a perda de controle motor, efeitos alucinógenos e graves efeitos sobre a função cardiovascular, podendo levar à morte rapidamente por parada cardiorrespiratória em um único contato com a droga.
Diversos casos de óbito em razão do uso da droga já foram relatados. Segundo a especialista, o efeito da substância tem duração que pode variar entre uma e seis horas e devido ao rápido efeito da droga, pode resultar em morte súbita. “Porém devemos considerar também que sob efeito da droga, o usuário fica sem qualquer controle de suas funções motoras e cognitivas, dessa forma tornando-se vulnerável a roubos, abusos e outras formas de violência”, esclarece. Além disso, com sua elevada potência, estimada em torno de cem vezes mais que a maconha natural, uma rápida dependência é provocada.
Efeitos colaterais
Uma série de efeitos colaterais graves, incluindo paranoia, ansiedade, alucinações, convulsões, insuficiência renal, arritmias cardíacas e até a morte são resultados do uso de drogas sintéticas. Os efeitos colaterais são distintos e, em algumas situações, piores do que os causados pelo crack.
Questionada sobre a rapidez da dependência, a professora da FMABC afirma que os mecanismos exatos pelos quais a droga “K” induz dependência ainda não são muito bem elucidados, já que a composição da droga é variável. “Drogas como a Cannabis sativa ativam vias de recompensa no Sistema Nervoso Central que produzem intenso efeito variável de acordo com a potência da droga. Uma droga com a potência da K, possivelmente ativa as vias intensamente, porém estudos mais detalhados precisam ser desenvolvidos para se chegar à conclusão exata a respeito dos mecanismos de dependência”, expõe.
Procurada pelo RD para informar o número de apreensões destas drogas na região, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Acolhimento de dependentes
No ABC, as cidades fornecem serviço de acolhimento para dependentes de drogas sintéticas. Em Santo André, uma parceria com a Polícia Civil disponibiliza ações intersetoriais (Saúde, Assistência Social, Segurança e Desenvolvimento Urbano) com objetivo de estabelecer não só a prevenção, como combate, cuidado, reabilitação e reintegração de usuários. Na cidade há relatos do uso de K2 e K9. O perfil, até o momento, abrange jovens de 18 a 24 anos identificados a partir de inserção pelas UPAS e CAPS AD.
O encaminhamento quando intoxicado é sempre a UPA e, posteriormente, o CAPS AD (segunda a sexta-feira, das 07 às 19h) ou PS de Psiquiatria do CHM (24H). a primeira condução é sempre o processo de desintoxicação e cuidados clínicos. Para se ter ideia, no primeiro trimestre de 2022 foram realizados 6.905 atendimentos, já no mesmo período, em 2023, foram 6.564 atendimentos.
Além dos atendimentos ofertados pela Prefeitura, Santo André também possui grupos terapêuticos como o Grupo Recuperar, que possui clínicas de recuperação e comunidades terapêuticas, para quem busca recuperação. A organização conta com um terapeuta disponível para auxiliar as famílias na busca de uma internação para dependentes químicos e alcoólatras. São atendidas pessoas com internações involuntárias e voluntárias e os tratamentos variam de 1, 3, 6, 9 ou 12 meses. Informações: gruporecuperar.com/clinica-de-recuperacao-em-santo-andre-sp/.
São Bernardo
São Bernardo oferece tratamento para dependência de álcool e outras drogas em seus três Caps AD: Caps III AD Centro, Caps III AD Alvarenga e Caps III AD Infanto-juvenil, que funcionam de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, por livre demanda para atendimento do público em geral. Ao procurar a unidade, os munícipes passam por processo de acolhimento/triagem com profissionais da equipe. As unidades funcionam 24h para casos de indicação terapêutica.
Em todas as três unidades do Caps AD houve aumento de relatos de uso das drogas do tipo K, com agravamentos dos quadros psicopatológicos decorrentes do uso da substância, embora não seja possível ainda identificar aumento na demanda pelos serviços.
São Caetano
São Caetano também conta com rede de apoio psicossocial robusta e que oferta acolhimento a pessoas que apresentam sofrimento psíquico causado pelo uso de substâncias psicoativas, desde a atenção básica até os serviços de atenção especializada. Depois do acolhimento nestes serviços é realizado um Projeto Terapêutico Singular e a depender da demanda apresentada pelo paciente os encaminhamentos são efetuados visando à assistência adequada a cada caso. Além disso, a cidade conta com um Conselho Municipal de Políticas Antidrogas (COMAD), ligado à Secretaria de Saúde que trabalha de forma ativa na construção de políticas que promovam combate e a prevenção ao uso abusivo de substâncias psicoativas.
O acolhimento destes pacientes acontece a partir da busca espontânea do mesmo pelo serviço e tem como objetivo maior atender de forma receptiva; atenciosa; e empática, considerando o escutar e a resposta ao paciente como valores nesse propósito. O acolhimento favorece a concepção de uma ligação de confiança e compromisso dos usuários com a equipe e os serviços, sendo uma ação fundamental para a humanização do SUS e depende unicamente dos profissionais inseridos na rede de atenção à saúde.
A procura pelos serviços de saúde mental cresceu exponencialmente diante do contexto pós-pandemia. Nos serviços que realizam atendimento a pacientes com sofrimento psíquico causado pelo uso abusivo de substâncias psicoativas não foi diferente. No primeiro trimestre de 2022 foram realizados 2582 atendimentos no CAPS AD, já no mesmo período de 2023 esse número dobrou para 4077 atendimentos realizados. Os equipamentos de saúde da cidade não receberam ainda nenhum caso relacionado ao k2.
Diadema
O município não possui parceria com instituições de comunidade terapêutica. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Diadema atende às demandas de pessoas com uso de álcool e outras drogas, que incluem as drogas sintéticas, em diferentes níveis de atenção de acordo com a demanda apresentada. Temos cuidados ofertados pela Atenção Básica, pelos Centros de Reabilitação Psicossocial e pela Rede de Urgência e Emergência.
O município, por exemplo, possui o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS III AD) para pessoas em sofrimento mental por uso e abuso dessas substâncias. O serviço fica na Rua Moacyr Goulart Cunha Caldas, 111 – Centro de Diadema e o acolhimento é de segunda a sexta-feira, das 8h às 11h30 e das 13h30 às 16h30.
Ribeirão Pires
A cidade conta com o Centro de Apoio Psicossocial Álcool e droga, que realiza acolhimento de pessoas com transtornos de dependências graves, de segunda a sexta feira 8h às 11h e de segunda a quinta, das 13h às 16h, na rua Domingos Benevenuto, 12, Centro. A média de atendimento foram de 15 casos de novos acolhimentos no último trimestre, incluindo dependência de álcool e de drogas.
Questionadas, as Prefeituras de Mauá e de Rio Grande da Serra não se manifestaram até o fechamento da reportagem.